‘Teve policial que, quando chegou perto do blindado, desabou’, diz capitão do Bope sobre megaoperação

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Capitão Paulo Araújo, do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) — Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo


O capitão Paulo Araújo, do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), relatou ter participado de todos os resgates dos policiais feridos durante a operação nos complexos do Alemão e da Penha, no dia 28 de outubro. A ação resultou em 121 mortos, entre eles quatro policiais — dois do Bope, colegas de corporação do capitão. Com 22 anos de atuação na unidade, ele descreveu como os agentes se revezavam para carregar os companheiros baleados enquanto ainda enfrentavam intenso confronto. Segundo Araújo, na mata havia criminosos que “não paravam de atirar nem por um minuto”.

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Leia o depoimento do capitão Paulo Araujo ao GLOBO:

“Tenho 22 anos de Bope e 25 de Polícia Militar e participei praticamente de todos os resgates dos colegas. Era uma operação muito grande, e as notícias de colegas baleados não paravam de chegar. Dois policiais civis já tinham sido atingidos, e a gente ouvia os pedidos de socorro. Pedi autorização para dar apoio a esses companheiros que estavam pedindo ajuda e começamos a descer pela parte da mata da Vacaria, na Penha.

Foi nessa hora que eu e outro capitão da PM fomos emboscados. Ele tomou dois tiros — um em cada perna. Estava na parte alta de uma ribanceira, e eu mais abaixo, começando a descer. O resgate dele foi muito complicado. Os criminosos não paravam de atirar nem por um minuto. A gente teve que revidar o fogo para tentar sair, mas não havia muitas alternativas de caminho. Acabamos passando por dentro do mato, justamente onde estavam os criminosos. Isso dificultou imensamente.

Ficamos ali entre 40 minutos e uma hora tentando estabilizar e acalmar o terreno para que ele pudesse ser socorrido. A gente não sabia a gravidade da lesão — podia ter pegado um tendão, uma artéria — não dava para saber. No meio do mato, conseguimos desequipar ele e improvisar uma maca com o que tinha por perto. Se não me engano, foram seis homens para carregar. E durante o deslocamento, esses mesmos colegas que carregavam o capitão ainda tinham que fazer a segurança, atirando enquanto andavam.

Foi exaustivo. Teve policial que, quando chegou perto do blindado, desabou. Desidratado, com fome, no limite. O desgaste físico, emocional e psicológico foi absurdo.

Os outros resgates foram parecidos. O campo nunca estabilizava. A área era de mata fechada, com os criminosos portando fardamentos e materiais bélicos camuflados. Eles usavam drones, não só para observar nossa movimentação, mas também para lançar granadas sobre a gente. Em alguns momentos, dava para ver que sabiam mais ou menos por onde estávamos indo. Eles tentaram me emboscar três vezes.

O contato era sempre muito próximo. Com a roupa ghillie — aquela roupa de camuflagem especial — se o criminoso ficasse parado, você não via. Mesmo que estivesse a poucos metros, você não via. Era uma situação de altíssimo risco o tempo todo.

A verdade é que não tivemos folga em momento algum. Toda hora tinha alguém pedindo socorro. A gente precisava fazer as extrações com o mínimo de segurança possível, mas quanto mais eficiência a gente buscava, menos segurança tínhamos. Para salvar os colegas, a gente baixava a guarda.

Alguns feridos estavam em estado gravíssimo. Um ficou internado entubado, e segundo o médico, chegou a ficar 17 minutos praticamente morto. Outro ficou entubado três dias. Teve também um que continuou internado no CTI. Então a gente teve que diminuir a própria segurança para ser o mais eficiente possível nos socorros. Isso até fugiu um pouco do protocolo, mas não tinha outra opção. A prioridade eram os colegas.

Foi difícil, mas a gente sabia que o trabalho tinha que ser feito. Aqui, no Bope, independente de posto ou graduação, quem estiver em melhor posição assume. Eu sou capitão, mas se o soldado estiver num ponto mais seguro, com mais controle emocional, mais disposição física, ele assume o comando. Isso é regra para a gente. Todos precisam estar capacitados para liderar em qualquer situação.

O resgate do Heber e do Serafim seguiu o mesmo princípio: esperar o terreno estabilizar um pouco, tentar conter o fogo e tirar o colega com vida.

Nossos cursos aqui são hiper-realistas. A gente treina o aluno sob extrema pressão: ele fica privado de sono, de comida, de descanso, de água. Fica fadigado, com as faculdades mentais reduzidas, e mesmo assim tem que tomar decisões rápidas e corretas. A ideia é justamente preparar o policial para um cenário caótico como esse, para que ele tenha o mínimo de performance aceitável.

Nem sempre a decisão vai ser perfeita, mas precisa ser a melhor possível. E para nós, a melhor decisão é aquela tomada imediatamente, com vigor. Não precisa ser a ideal — precisa ser a que salva vidas.

Em nenhum momento pensei que não sairíamos dali. A gente sabia que seria difícil, que alguns colegas se machucariam, mas não dava para pensar nisso. Se pensasse, a gente perderia o controle. Tinha que pensar que todo mundo ia sair — como ia sair, era outra história.

Lembro do caso do sargento Martins. Ele foi apoiar o resgate de dois colegas, chegou antes e acabou alvejado, com mais três da patrulha dele. Praticamente toda a patrulha caiu. A gente chegou depois para socorrer.

Era isso: a gente tinha que sair, custasse o que custasse. E quem estivesse melhor — física e mentalmente — assumia o comando das operações de resgate”.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/11/07/vivi-para-contar-teve-policial-que-quando-chegou-perto-do-blindado-desabou-diz-capitao-do-bope-sobre-megaoperacao.ghtml

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