A Receita Federal irá aumentar o controle das transações com criptomoedas no país. O secretário do órgão, Robinson Barreirinhas, afirma que essa será a próxima iniciativa do Fisco para “fechar as portas” do sistema financeiro para o crime organizado. Segundo ele, a atuação contra facções no varejo é importante, mas o asfixiamento econômico é mais efetivo e estrutural.
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Além disso, o chefe da Receita diz que a aprovação do projeto que busca coibir o devedor contumaz pode ser um mecanismo importante para asfixiar os recursos movimentados de forma irregular. Barreirinhas também aponta que as autoridades estão de olho nas bets ilegais, que têm “um jeito singelo de lavar dinheiro”.
Nos últimos meses, houve uma série de operações contra o crime organizado com participação da Receita. Como o Fisco tem atuado para combater as facções?
No diálogo dentro da Receita e com outros órgãos, como Ministério Público (MP) e Polícia Federal (PF), percebemos o que parece óbvio hoje: temos que sentar e trocar figurinhas. A Operação Carbono Oculto (deflagrada em agosto contra o Primeiro Comando da Capital – PCC) foi nessa linha.
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Além da coordenação, pegamos um setor (de combustíveis) de ponta a ponta: desde a importação até a lavagem de dinheiro, passando pelo mercado financeiro. Agora, também temos o apoio do mercado, que está em cima para a aprovação do projeto do devedor contumaz (empresas e pessoas que acumulam dívidas tributárias de forma reiterada e deliberada).
Como o projeto do devedor contumaz pode ajudar a combater o crime organizado?
Antigamente, pagavam o tributo para acobertar o uso de uma estrutura empresarial para a lavagem de dinheiro. Hoje, não mais. É tão mais fácil abrir e fechar empresas que não se dão mais ao trabalho de pagar o tributo. Eram em torno de oito anos de processo administrativo. Trabalhamos duramente para reduzir isso. Já estamos em seis anos. Quero chegar a quatro anos. Mesmo assim, é muito tempo.
“Não vejo diferença essencial em combater a estrutura financeira e combater o ladrão que agride alguém para roubar o celular. É importante ter essa ostensividade para dar tranquilidade para a população. Mas tenho convicção de que é mais efetivo e estrutural combater o aspecto financeiro, o financiamento dessa atividade criminosa”
Nesse período, a empresa formalmente está legitimada. O devedor contumaz vem no sentido de encurtar isso. Vai resolver todos os problemas? Não, mas pelo menos eles deixam de usar esse tipo de empresa para movimentação de recursos. Vão ter que achar outro caminho.
O que mais pode ser feito no combate ao crime pela via financeira?
As fintechs agora prestam informação. O Banco Central (BC) restringiu a conta-bolsão (que permite ocultar o real titular dos recursos). Ou seja, fechamos essas portas. Depois da entrada no mercado financeiro, eles usavam a estrutura de fundos de investimento para esconder (os recursos). Soltamos na semana passada uma regra para identificação do beneficiário final do fundo.
Em breve, também vamos publicar uma nova instrução em relação a cripto, antes do fim do ano. Estamos conversando com o BC, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e com o setor legítimo. Estamos fechando todas as portas (ao crime) que nós conhecemos.
O que será proposto para criptoativos?
Estamos fechando e sairá em breve. Precisamos ter um alinhamento. Até a nomenclatura é diferente em cada órgão, e chegamos à conclusão de que será impossível uniformizar totalmente neste momento.
- Entenda: Por que as fintechs, como as usadas pelo PCC, têm regulação menor do Banco Central?
Mas queremos evitar conflitos. Precisamos estar alinhados porque o que o BC fizer pode ter reflexo aqui, e o que a Receita fizer pode ter reflexo para o BC. A mesma coisa com a CVM.
Mas qual será o impacto dessa instrução no combate ao crime?
Vamos ter mais controle das transações, e a norma vai estar no padrão internacional para que possamos fazer troca de informação. A Receita Federal tem competência para verificar a aquisição e a venda para fins de ganho de capital.
E se, por exemplo, for considerado operação de câmbio pelo órgão regulador, que é o BC, teria o reflexo tributário do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Mas, neste momento, nossa preocupação é ter o dado padronizado.
Como é que vai funcionar na prática a delegacia de combate ao crime na Receita?
É a nossa equipe de combate à fraude estruturada e organização criminosa, só que agora com estrutura de delegacia. O que significa? Tenho cargos, consigo pagar melhor, atrair mais servidores qualificados, porque tem uma constância maior, independentemente de mudança de governo.
Deu uma pausa, porque as funções (da delegacia) estavam na MP 1.303 (alternativa ao IOF). Está sendo articulada a inclusão em algum projeto de lei.
Já houve participação da Receita em outras investigações, como no caso da Lava-Jato. O que será diferente agora?
Infelizmente, em alguns casos, era informal. É esse tipo de erro que a gente não quer cometer novamente. O que a gente está fazendo agora é institucionalizado. É documentado. Agora, (as organizações criminosas) estão sem R$ 20 bilhões, R$ 30 bilhões, que foram bloqueados. Essa é a grande novidade também. Não estou subestimando a necessidade de atacar a ponta, o varejo.
Não vejo diferença essencial em combater a estrutura financeira e combater o ladrão que agride alguém para roubar o celular. É importante ter essa ostensividade para dar tranquilidade para a população. Mas tenho convicção de que é mais efetivo e estrutural combater o aspecto financeiro, o financiamento dessa atividade criminosa.
E a segunda coisa: o fato de ninguém ter morrido. Como a pessoa está viva, eu consigo conversar com ela. O Ministério Público está conversando com as pessoas envolvidas nessas operações. E fizemos de um jeito para que não tenha nulidade, estamos fazendo institucionalmente. Pode esperar que todas as operações vão ter desdobramento.
O que mais pode ser proposto pela Receita de medidas para fechar as portas para o crime organizado?
Também estamos fechando o cerco para importação irregular e dividindo a responsabilidade com os estados. Estavam utilizando o desembaraço antecipado (de mercadorias) para colocar uma empresa como importadora que não tinha nenhuma capacidade para estar importando. Essa é a outra frente que vamos investigar a partir de agora.
Às vezes, essa empresa aparece quebrada, em recuperação judicial. De onde está tirando o dinheiro? E, se tem movimentação, não deveria estar quebrando. Como fica 10, 15 anos em recuperação judicial? Quem é que defere esse tipo de decisão? Vamos puxando o fio da meada, e a coisa vai se ampliando.
Como o combate às organizações criminosas se insere no contexto de bets ilegais?
Vou falar abstratamente: a bet (ilegal) é um jeito singelo de lavar dinheiro. “Ganhei tantos milhões em bets.” Pronto, lavou o dinheiro. Poderíamos ir atrás da bet para saber se houve jogo mesmo, mas a bet (ilegal) está no exterior. Então, é evidente que é um caminho de lavagem de dinheiro.
Quem está na legalidade estamos tratando com conformidade. Quem está na ilegalidade é trabalho de inteligência, MP e PF. Posso garantir que estamos em cima disso.
Como a Receita está se preparando para operacionalizar as mudanças na tributação do consumo e da renda, cujo projeto foi aprovado nesta semana pelo Congresso?
O sistema da tributação do consumo já está em (projeto) piloto, com centenas de empresas parceiras ligadas e testando. Os ajustes do sistema do IR já estão em andamento, preparados para garantir a isenção em 2026, além de outros ajustes menores. A maior demanda, em termos de operacionalização, será para 2027, no sistema da declaração de ajuste anual.
