Por Rodrigo Pimentel*
As mortes provocadas pela megaoperação da polícia nos Complexos da Penha e do Alemão escancaram a atual e triste realidade que vive o Rio de Janeiro, um Estado que se transformou no centro de formação do crime nacional. De 99 mortos identificados, 78 tinham histórico criminal e 40 eram de outros estados. Ou seja, estamos ¨fazendo escola¨, espalhando o medo e a guerra para o resto de um país que vive à sombra da impunidade. E, quando bandido não teme a cadeia, só nos resta o confronto.
O poderio bélico das organizações criminosas chama a atenção nessa guerra diária. Não somente porque isso torna o confronto ainda mais desafiador para as forças de segurança, mas por sabermos que, quando eles vão para a ¨pista¨, as vítimas são pais e mães de família, trabalhadores voltando para casa, crianças indo para a escola e brincando na porta de casa.
Nós somos as vítimas dessas organizações criminosas que há tempos deixaram de lucrar somente com o tráfico de drogas e ganham com o roubo de cargas, as fraudes, a lavagem de dinheiro, além de extorquir e amedrontar comunidades inteiras. Segundo um estudo divulgado pela Cambridge University Press, o Brasil é o país da América Latina com o maior percentual da população vivendo sob as regras impostas por grupos criminosos. Cerca de 26% da população do país está submetida à chamada ¨governança criminal¨.
Nós somos as vítimas dessa sociedade que há décadas discute o endurecimento das leis. Embora tenha sofrido diversas mudanças, nosso Código Penal foi aprovado em 1940. Sempre que operações como essa chocam o país, a discussão sobre um novo Código reaparece, mas nunca com força suficiente para mobilizar todos os setores da sociedade e acabar de uma vez com todas as brechas que alimentam a impunidade e encorajam criminosos e corruptos.
A criminalidade em nosso país enraizou-se de maneira avassaladora e, sem punição, continuamos a soltar bandidos e aliviar a pena de quem comete crimes bárbaros. Essa morosidade no endurecimento das leis, a falta de estratégia e inteligência e a tendência a empurrar esse mal com a barriga, sempre com um novo plano ou projeto que não acaba com a raiz do problema, apenas fortaleceu a criminalidade ao longo dos anos. Hoje, os grupos criminosos ostentam um modelo de negócio sofisticado, com fontes de renda diversificadas, e expandiram suas áreas de atuação, controlando territórios em quase todo o país.
O enfrentamento ao crime organizado passa, sim, pelo enfrentamento físico e pela tomada dos territórios, porque não dá para ¨dourar a pílula¨ nesse ponto em que chegamos. Precisamos da revisão do Código Penal, sim, mas precisamos também de inteligência, analisar o funcionamento dos grupos criminosos, sua relação com a corrupção, integração de dados entre estados e municípios, troca de informações e proteção de dados da segurança pública (…).
Precisamos trilhar um longo caminho. Mas acho que podemos começar lutando por um movimento nacional pelo fim da impunidade que una todos os setores da sociedade. Se nós somos as vítimas dessa violência que corrói as nossas rotinas, não há motivo para separar ou dividir forças. O debate deve mobilizar e crescer como uma voz que ecoe em todas as esferas de poder e em todos os cantos desse país. Não há mais tempo a perder.
- *Rodrigo Pimental é especialista com vivência em Segurança Pública
Com informações da fonte
https://coisasdapolitica.com/opiniao/10/11/2025/as-vitimas-somos-nos
