A Agência Pública, em parceria com o renomado jornal The Guardian, publicou nesta semana uma reportagem assinada pelos jornalistas Rafael Oliveira e José Cícero, que mostra a realidade de como o dinheiro dos royalties do petróleo foi subaproveitado. Ao lado de Presidente Kennedy (ES), é a cidade que mais recebe essa renda, porém apresenta indicadores socioeconômicos ruins e foi incapaz de reduzir desigualdades.
A Agência Pública percorreu as duas cidades em maio de 2025 em busca de entender qual o impacto prático das receitas petrolíferas no desenvolvimento socioeconômico dos campeões em recebimentos desses recursos. Kennedy é a cidade que mais recebeu recursos per capita e Campos é a maior recebedora em valores absolutos.
De acordo com a reportagem, foi encontrada a persistência de velhos problemas comuns a várias cidades brasileiras. Falta de saneamento básico, queixas frequentes sobre atendimento médico, educação pública deficiente, recorrentes casos de corrupção e manutenção de profundas desigualdades sociais dão a tônica de ambos os municípios, apesar de terem muito mais recursos para gastar do que se vê Brasil afora.
Dados informados pela Agência Pública mostram que os campistas recebem menos de R$ 218 per capita e estão abaixo da linha da pobreza. A percepção dos jornalistas, conversando com pessoas da cidade, é de que “a riqueza do petróleo não chegou para todos”.
“Trouxe mais problemas”
Escutado pela reportagem que produziu a matéria, o aposentado Romero Gomes, morador de Farol de São Thomé, foi enfático ao falar sobre o dinheiro que o município arrecadou com o petróleo:
“Trouxe mais problemas e os royalties não deram conta de resolver. Ao contrário, eles só agravaram e aprofundaram. Para as prefeituras, é como se fosse a herança de um tio distante que caiu no colo. Não precisa fazer mais nada e, com isso, o desenvolvimento estrutural da região fica renegado. Só que o combustível fóssil tem data de validade”, disse.
Índices
A Agência Pública analisou dez indicadores socioeconômicos dos 15 municípios campeões de receitas petrolíferas per capita, como saúde, educação, pobreza e saneamento básico. Na maior parte dos casos, os municípios petrorrentistas estão entre os piores de seus estados. Kennedy está entre as piores cidades do Espírito Santo nos dez indicadores, enquanto Campos tem desempenho apenas intermediário na maior parte dos índices.
Exemplo de como não usar o petróleo
Na matéria, Campos dos Goytacazes foi destacada da seguinte maneira: “exemplo de como não usar royalties do petróleo”.
De 1999 até 2024, foram mais de R$ 37 bilhões entre royalties e participações especiais (PEs) vinculados à exploração petrolífera na Bacia de Campos – que tem esse nome justamente por conta do município. Em média, foi quase R$ 1,5 bilhão ao ano, segundo dados da plataforma InfoRoyalties corrigidos pela inflação. No auge, beirou os R$ 3 bilhões. Mesmo com as cifras bilionárias, mais de 40% dos pouco mais de 500 mil habitantes de Campos estão no Cadastro Único (CadÚnico). Os indicadores de saúde são ruins e os de educação e emprego são apenas medianos, de acordo com levantamento feito pela Pública.
“O legado dos royalties é tão oculto que fica até difícil de enxergar. Não houve um progresso significativo, de mudar da água para o vinho. Houve pequenos avanços aqui, outros ali, mas pelo tempo mesmo, como toda cidade cresce”, afirma o líder comunitário Christiano General, nascido e criado no município.
Praia do Farol é esquecida
Apesar de ser por causa da faixa litorânea que o município recebe os royalties e participações especiais, a praia do Farol de São Thomé pouco viu o dinheiro proveniente dessa renda. Além do transporte público deficitário, a reportagem destacou que “os moradores não têm acesso a esgotamento sanitário e precisam instalar fossas sépticas por conta própria. A limpeza urbana e a coleta de lixo são precárias e é preciso reforçar o repelente a todo momento para não ser vítima dos mosquitos que se multiplicam por quase toda a região”.
Mesmo a educação, que recebe parte significativa dos investimentos dos royalties por força de lei, sofre com a falta de estrutura em Farol. Na Escola Municipal Cláudia Almeida Pinto de Oliveira, a educação física é realizada há uma década na rua em frente ao colégio, sendo interrompida toda vez que um carro precisa passar, porque o teto e a estrutura da quadra da escola estão danificados há anos.
Além dos pontos citados estarem em falta para essa população, a saúde é outro tema que causa dor de cabeça. A Pública informou que a região possui uma Unidade Pré-Hospitalar (UPH), mas os moradores reclamam da qualidade e das restrições de atendimentos disponíveis no local. Em casos mais complexos, é necessário encarar os 50 quilômetros até o centro, e são vários os relatos de familiares e amigos que acabaram morrendo enquanto esperavam atendimento.
Royalties em dia, saúde em falta
Em 2023, os royalties do petróleo permitiram que Campos investisse mais de R$ 1 bilhão em saúde, quase um terço de seu orçamento. A cifra supera o valor destinado por municípios bem mais populosos do estado, como São Gonçalo e Nova Iguaçu, ficando atrás apenas de Duque de Caxias e da capital. Os investimentos contrastam, no entanto, com os relatos da população.
No bairro Veredas, a construção de uma unidade básica de saúde (UBS) chegou até as etapas finais, mas a obra acabou abandonada pela prefeitura e está aberta para quem quiser entrar, havendo até fezes de cavalo no local. Na Fazendinha, o posto de saúde reformado em 2011 foi fechado sem explicações e a população precisa se deslocar para outros bairros, muitas vezes a pé ou de bicicleta.
A falta de postos de saúde nos bairros acaba sobrecarregando os hospitais da cidade, como o Ferreira Machado, que também recebe pacientes de outros municípios da região. Os filantrópicos, que poderiam amenizar a situação, reclamam uma dívida de mais de R$ 100 milhões em repasses não pagos pela prefeitura, que questiona o valor, e já operam em capacidade reduzida.
Os indicadores de saúde de Campos avaliados pela Pública estão entre os piores do Rio de Janeiro. Em 2023, o município registrou a 12ª pior taxa de mortalidade infantil e foi o 16º pior no índice de mortes por causas evitáveis ajustado pela idade, dentre os 92 municípios fluminenses.
Herança política
Os jornalistas explicam também que a política é um dos grandes motivos do mau uso do dinheiro dos royalties do petróleo, começando na gestão de Arnaldo Vianna (de 1998 a 2004).
“O governo de Vianna foi marcado pela criação de um fundo municipal que pretendia usar parte do dinheiro dos royalties para alavancar o desenvolvimento da cidade, mas que terminou em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)”.
O Fundo de Desenvolvimento do Município de Campos (Fundecam) distribuiu alguns bilhões de reais, mas a falta de critérios e de gestão rendeu calotes que beiravam os R$ 600 milhões à época da investigação da Câmara Municipal. Os contratos foram fechados de maneira precária, o que dificultou a recuperação do dinheiro.
Depois da Era Vianna, Rosinha assumiu a Prefeitura e continuou fazendo uma gestão ruim dos recursos. Em seu primeiro mandato, no auge da bonança do petróleo, o caixa robusto permitiu que a gestão fizesse obras de grande proporção. É o caso do Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop), que custou R$ 100 milhões e hoje fica às moscas na maior parte do tempo, e da Cidade da Criança, a “Disney goitacá”, que custou R$ 17 milhões.
Venda do futuro
A maré, no entanto, virou na metade do segundo mandato, quando os desdobramentos da Operação Lava Jato afetaram as contas da Petrobras e o preço do barril de petróleo despencou. Isso fez com que o montante de receitas petrolíferas que Campos dos Goytacazes recebia diminuísse significativamente.
Às vésperas da eleição municipal de 2016, com um custeio altíssimo e sem conseguir manter o funcionamento da máquina pública em um cenário de redução da arrecadação com o petróleo, a então prefeita resolveu pegar empréstimos com a Caixa Econômica Federal, dando como garantia royalties e participações especiais, no que ficou conhecido como “venda do futuro”.
Com o caixa encolhido, os Garotinho não fizeram o sucessor e o então vereador Rafael Diniz (PPS), de fora dos círculos tradicionais da política campista, conseguiu se eleger. Com os royalties ainda em baixa, participações especiais zeradas e um empréstimo milionário para pagar.
“Para muitos campistas, a lembrança do governo de Diniz soa como um prenúncio do que pode acontecer em um futuro sem dinheiro do petróleo”.
*Com informações da Agência Pública e The Guardian
2025-08-08 13:19:00