Correr com consciência negra, afeto e estilo afro: o convite da Olympikus

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Escrevo este texto como uma mulher branca e loira, criada em bolhas bem afastadas da experiência da negritude e que adoraria ter um nível de consciência negra muito mais profundo. Talvez por isso meus olhos brilhem quando vejo movimentos como o Rotas da Consciência, da Olympikus, que celebra a cultura negra na corrida de rua

O projeto não é apenas uma coleção especial nem uma prova pontual. É um ecossistema de parcerias, conteúdos e experiências que conecta corrida, liberdade e memória negra. Na prática, o Rotas da Consciência ganha forma em rotas especiais no Strava que passam por marcos da história negra no Brasil, como o Cais do Valongo, no Rio. No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o projeto chega ao público com treinões simultâneos guiados por crews pretas, estreia de um documentário homônimo e um tênis que traz símbolos africanos desenhados com carinho.

“A cultura da Olympikus é trabalhar em processos de cocriação e colaboração. Foi assim que o projeto nasceu, durante um sprint criativo em que corredores negros manifestaram o desejo por ações que articulassem arte, esporte e ancestralidade”, destaca Márcio Callage, diretor de marketing da Olympikus, lembrando que, no ano em que completa 50 anos, a marca escolheu correr também por causas como a prevenção do câncer de mama, o combate à fome, a conscientização sobre a esclerose múltipla e o movimento negro.

O nome Rotas da Consciência não é ao acaso, mas uma referência aos caminhos abertos por gerações anteriores e dos percursos que a gente faz hoje. No centro da iniciativa estão as crews que já puxam esse corre há muito tempo: Corre Kilombo, Arte Corre Crew, SBN Running e Corre Preto. São elas que ajudam a garantir que tudo seja legítimo, representativo e conectado à vida real de quem está na rua.

Aqui no Rio, a rota passa pelo Cais do Valongo, na região portuária, reconhecido como o maior porto de desembarque de africanos escravizados das Américas. Quantas vezes a gente já correu pelo Boulevard Olímpico, elogiando o visual, mas sem saber que aquele chão carrega uma das partes mais dolorosas da nossa formação? A proposta do Rotas da Consciência é justamente mudar esse ponto de vista, transformando o treino em oportunidade de olhar para esse passado, honrar quem veio antes e questionar o que a gente está fazendo com essa herança hoje.

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Quem puxa o Treinão da Consciência no Rio é a Arte Corre Crew, co-liderada por Pedro Caetano. “Esse projeto é potente no sentido de ressignificar a formação desse país, de honrar histórias apagadas e exaltar a riqueza de nossos ancestrais. Ter uma marca dessa importância potencializando coletivos pretos é fundamental para um processo de representação e visibilidade. Dar voz a esses coletivos é se posicionar como agente transformador, é fazer parte da mudança e se engajar com o movimento”, afirma.

Em outras cidades, o movimento segue o mesmo fio condutor. Em Salvador, Nicolas Brito, do SBN Running, conta que a ideia é que o encontro vá “muito além da corrida em si”, tornando-se um momento de reflexão e fortalecimento da identidade da comunidade negra suburbana. Em Porto Alegre, Nicole Mengue, líder do Corre Preto, destaca que “utilizar a corrida como uma forma de abordar e aprofundar o debate racial é muito potente”. Em São Paulo, Viegas, do Corre Kilombo, resume o espírito da iniciativa que se espalha pelo país:

“O que era para ser um treinão vai ser a corrida das nossas vidas”.

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Da rua para a tela, o Rotas da Consciência ganha mais uma camada e vira filme. O documentário homônimo, escrito por Vinícius Neves Mariano e gravado em quatro capitais e na Serra da Barriga, em Alagoas, berço do Quilombo dos Palmares, estreia também no Dia da Consciência Negra. Vinícius conta que, no processo de pesquisa e criação, descobriu um fio profundo ligando os grupos de corrida negros de hoje à história de resistência do povo preto.

Cena do documentário Rotas da Consciência, da Olympikus (Assessoria de Imprensa/Divulgação)

“O que o Rotas da Consciência faz é mostrar que essa coletividade que os grupos de corridas negros manifestam nos dias de hoje tem um lastro histórico muito rico, com raízes profundas. Quando a gente se dá conta dessa raiz, tudo ganha muito sentido, a gente ganha mais poder e força pra seguir”, diz ele. “Ao pesquisar e criar esse documentário, eu descobri um lastro que está sendo revelado para todos os praticantes de corrida do Brasil que se aquilombam para ter mais segurança, mais conforto e alegria nas ruas. Isso é muito valioso.”

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O simbolismo do movimento também chega aos pés. O tênis Corre 4, queridinho dos corredores brasileiros, ganha uma edição especial, o Corre da Consciência, assinada pela designer Amanda Lobos. Ela conta que o gesto foi de descartar o caminho óbvio: “O esperado seria mais um tênis preto, assim como as camisas de times pretas que são lançadas anualmente nesse mês, mas quisemos ir mais longe”.

O queridinho da marca ganhou edição especial: o Corre da Consciência Negra
O queridinho da marca ganhou edição especial: o Corre da Consciência Negra (Assessoria de Imprensa/Divulgação)

A paleta de amarelo, verde e vermelho aparece em treze bandeiras de países africanos, com toques de azul e preto. Essa combinação dialoga com a história da Etiópia, que resistiu à colonização e inspirou seus vizinhos, e também com o simbolismo das cores da bandeira do Brasil. “Trabalhar com esses tons foi uma forma de reconhecer a afinidade entre os povos e as contribuições históricas dessa mescla da cultura afro-brasileira e suas heranças atuais”, explica Amanda.

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No lugar da palavra Corre grifada no tênis, entra um Adinkra, símbolo gráfico do povo Akan/Ashanti de Gana, parte de uma linguagem de ideogramas que representam valores, virtudes e sabedoria ancestral. Não é só estética: é um lembrete de que cada passada carrega histórias. O tênis já está à venda nas lojas físicas e no site da Olympikus, aquecendo os pés para o dia 20.

Para nós, corredores e corredoras, fica o convite para, no Dia da Consciência Negra, ajustar o GPS não só para o ritmo, mas também para a consciência. E correr pela cidade que amamos, reconhecendo que ela foi construída, em grande parte, por mãos negras que ainda aparecem pouco nas fotos de chegada.



Com informações da fonte
https://vejario.abril.com.br/coluna/aline-salcedo/correr-com-consciencia-negra-afeto-e-estilo-afro-o-convite-da-olympikus/

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