No Rio de Janeiro, a violência do crime organizado gera guerra urbana, como a que aterrorizou a capital fluminense em outubro. Na Amazônia, ela tem muitas faces e se espalha como doença, que contamina, desconecta e destrói florestas, rios e comunidades. Lançado na COP30, o “Relatório de Avaliação da Amazônia 2025: Conectividade da Amazônia para um Planeta Vivo”, do Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês), destaca que o crime organizado se tornou um dos grandes vetores de desmatamento e destruição de conexões sociais e ecológicas, agente de morte, poluição e mudança climática.
Coordenado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (UN SDSN), o SPA é composto por uma rede de cientistas, além de líderes indígenas e representantes da sociedade civil. O co-presidente do SPA é o climatologista brasileiro Carlos Nobre, uma das maiores autoridades mundiais sobre a Amazônia.
O relatório analisa cada um dos fatores de destruição da Amazônia. Este ano, o foco foi destacar a necessidade de conservar e restaurar as conexões ecológicas e sociais de rios, matas, povos e comunidades que geram a teia da vida que chamamos de Amazônia.
O estudo diz que “o desmatamento e a degradação dos ecossistemas ameaçam a conectividade ecológica e sociocultural da Amazônia e resultam de fatores-chave”. Segundo o SPA, esses fatores são modelos econômicos atuais que se baseiam na extração insustentável de recursos naturais, economias ilícitas, governança ineficaz e fragmentada, e mudanças climáticas globais.
E tem 31 Chamados à Ação (Calls to Action). Estes são soluções e intervenções inovadoras já em curso em diferentes escalas. Vão da restauração a mecanismos de financiamento e governança transnacional.
Nobre explica que o crescimento do crime organizado leva a uma desconectividade disruptiva, que afeta a integridade ambiental, social e institucional da região.
Na Amazônia, o crime organizado atua em muitas frentes: garimpo ilegal; grilagem de terras; exploração ilegal de madeira; tráfico de drogas, armas, pessoas e animais; exploração de trabalho análogo à escravidão.
O relatório da SPA usa como referência dados compilados de estudos e fontes especializadas. Juan Carlos Garzón, autor principal do capítulo que trata do impacto da criminalidade, diz que cerca de 40% da cocaína mundial atravessa a região amazônica. A Amazônia foi transformada pelo crime organizado em corredor global do narcotráfico.
— O crime organizado é hoje uma das maiores ameaças à Amazônia: ele destrói a floresta, compromete a segurança das populações locais e corrói as bases da governança ambiental. Enfrentar essas redes ilegais é fundamental para evitar o colapso ecológico da região e garantir um futuro sustentável para o Brasil e o planeta — afirma Garzón.
Ele diz que as alianças entre dissidências das FARC, grupos peruanos e facções criminosas brasileiras — especialmente em áreas como a tríplice fronteira do Putumayo — ampliaram sua presença nas rotas fluviais e aéreas da Amazônia, reforçando a convergência entre o narcotráfico e outras economias ilegais que alimentam o crime ambiental na região.
O relatório cita dados de estudos mostrando que o garimpo ilegal ocupa mais de 2,6 mil km² na Amazônia brasileira. Isso significa que 77% das áreas de garimpo ativas em 2022 operavam fora da lei e movimentaram até US$ 2,8 bilhões em ouro sem controle fiscal. Citando “a melhor evidência disponível e em fontes especializadas”, o relatório da SPA estima que 49 toneladas de ouro foram extraídas ilegalmente entre 2019 e 2020.
O documento também destaca a devastação causada pelo garimpo no território Yanomami. De acordo com as fontes especializadas citadas pelo relatório, a contaminação por mercúrio em comunidades indígenas chega a níveis 20 vezes maiores que o limite máximo estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com registros de danos neurológicos permanentes entre os Yanomami.
Mais de 4 mil pontos de mineração ilegal se espalham por territórios indígenas e unidades de conservação. A grilagem de terras também tem aumentado. Muitas dessas terras são vendidas depois para a criação de gado. Entre 2018 e 2021, mais de 90 mil cabeças de gado criadas em áreas invadidas entraram na cadeia formal da carne bovina.
— O relatório alerta para a combinação de lavagem de dinheiro, corrupção e captura do Estado, que desestrutura instituições locais e alimenta a violência — acrescenta Garzón.
O procurador da República do Ministério Público Federal Ricardo Negrini, não envolvido no painel, diz que o alerta é muito importante, mas não surpreende.
— A pecuária continua a ser o principal vetor de desmatamento, mas as atividades ligadas ao crime organizado, sobretudo a grilagem de terras, quase sempre públicas, cresce ano a ano como fator de devastação — afirma Negrini, um dos autores da coleção Diálogos pelo Clima, editada pelo FUNBIO, que lançará durante a COP30 um novo volume.
