Relatório da PM mostra que CV está em 70 das 92 cidades do estado do Rio

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Um empresário tenta driblar o baque da perda de 20 mil assinantes em uma só cidade da Região Metropolitana para o que diz ser o maior provedor de internet do estado: o CVNet. No Rio, vizinha do Morro dos Macacos, uma aposentada constata o aumento dos viciados em crack dormindo nas calçadas de Vila Isabel este ano, desde que a facção mais antiga do Rio se impôs na área. A megaoperação da polícia, deflagrada no fim do mês passado, escancarou a dimensão do poder armado do Comando Vermelho em um dos principais QGs da facção. Os complexos do Alemão e da Penha, no entanto, representam uma pequena fatia do domínio da quadrilha. Esse grupo criminoso já está disseminado em 70 dos 92 municípios fluminenses (76%), segundo relatório reservado do setor de inteligência da Polícia Militar.
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Na ação de 28 de outubro, os policiais enfrentaram forte resistência dos traficantes. O contra-ataque respigou no asfalto, com ônibus servindo de barricada e a população tendo o seu direito de ir e vir cerceado. Essa influência do grupo criminoso — e até um controle — não se restringe a comunidades, sub-bairros e condomínios dominados por bandidos, estendendo-se para o entorno.

Isolado em 36 municípios
O levantamento feito pela PM aponta todas as comunidades em que há atuação de grupos criminosos no estado de forma estruturada. Em 36 cidades, o CV atua isoladamente, sem a presença de outra facção. E só 15 municípios não têm o domínio consolidado de uma grupo criminoso.
Dos 1.648 locais mapeados, 1.036 (62,8%) são controlados pelo CV; 340 (20,6% ) pelo TCP; 229 (13,9%) pela milícia; e 43 (2,6%) pelo ADA. Mas, como há muitas disputas territoriais, esses dados precisam ser constantemente atualizados e, de acordo com o subsecretário de Inteligência da Secretaria de Polícia Militar, coronel Uirá do Nascimento Ferreira, só são inseridos no documento após o grupo se consolidar no local. A Carobinha, em Campo Grande, por exemplo, ocupada na semana passada, ainda não consta nessa estatística.

De acordo com o secretário de Polícia Civil do Rio, Felipe Curi, foram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) que contribuíram para a expansão da atuação de facções do tráfico, antes concentrado na capital fluminense:
— O que aconteceu após as UPPs foi o espalhamento dos traficantes por todo o estado. Paralelamente, o CV entendeu que a droga não é mais o negócio mais rentável. Hoje, o tráfico representa de 10% a 15% do faturamento da facção. Eles passaram a explorar economicamente os territórios, replicando atividades típicas das milícias. A prioridade passou a ser gerar receita com gás, luz, água, internet, transporte alternativo e extorsão, impondo o terror à população local.
Mas o CV também se espalhou pelo país: já está em 25 dos 27 estados. Embora considere o combate à facção um desafio, o coronel Uirá acha possível a retomada desses territórios pelo governo, com inteligência e estratégia. Ele tem explicações para o crescimento da facção:
— O CV é a primeira facção do Brasil e influenciou praticamente todas as facções no território nacional.
Depois de um ano de confrontos que deixaram os moradores do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, sob fogo cruzado, o CV tomou a comunidade do TCP. Uma moradora da Rua Silva Pinto, no entorno dos Macacos, não vê saída a não ser conviver com o medo:
— No Dia das Mães, eu e meus filhos tivemos que almoçar dentro do meu quarto, único lugar seguro quando há tiroteio. Na garagem do meu prédio, sempre há balas no chão. Penso todos os dias em sair daqui. Mas meu apartamento é próprio. Como vou vender? Quem vai querer comprar? Nossos apartamentos não valem nada hoje.
Territórios ocupados pelo crime no Rio
Editoria de Arte
Este ano, além dos Macacos, o CV tomou do TCP (mesmo que o controle ainda não esteja consolidado) o Campinho e o Fubá (Cascadura), o Morro do Divino (Praça Seca), o Gogó da Ema (Belford Roxo), Maria Joaquina (Búzios) e Fazenda da Barra 2 (Resende). Em 2024, na Zona Sudoeste, deixaram de ser controladas por milícia e viraram CV: Gardênia Azul (Jacarepaguá), Cesar Maia, Coroado, Fontela (as três em Vargem Pequena) e Jardim Bangu.
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Uma moradora do Itanhangá diz que a atuação do CV em comunidades da região assusta e desvaloriza os imóveis do bairro, conhecido por ter residências de alto padrão em meio ao verde. Ela relata que a facção tenta se apropriar do fornecimento de alguns serviços para além das favelas:
— Estão tentando vender gás de cozinha deles nos condomínios que ficam fora das favelas. Inclusive atuam para impedir que outros prestem este serviço. O mesmo com a questão de internet. Teve uma vez, meses atrás, que a PM precisou dar cobertura para a companhia atuar.
Um retrato da ousadia dos bandidos são as barricadas instaladas nos acessos e dentro de comunidades sob seu domínio. Segundo a PM, este ano, até outubro, foram 4.400 toneladas de barricadas retiradas e 2.300 ruas desobstruídas.
Bairros com mais denúncias de barricadas
Editoria de Arte
Os relatos da instalação de bloqueios ao serviço Disque Denúncia cresceram 50,5% de janeiro a outubro deste ano em relação a igual período de 2024: passaram de 6.908 para 10.393. São Gonçalo, majoritariamente controlada pelo CV, ficou com 34,12% das denúncias feitas este ano, seguida de Rio e São João de Meriti.
É em São Gonçalo que o representante de um provedor de internet relatou, sob condição de anonimato, que a empresa consegue atender, sem sofrer represálias, apenas 25% da área do município.
Em ofício enviado ao comando-geral da PM, o setor jurídico da empresa informou que, somente em uma cidade do Leste Fluminense, sua área de atuação caiu de 90% para 30%, incluindo locais onde os veículos da companhia não podem sequer transitar. Relatou ainda a perda de quase 20 mil assinantes para provedores ligados diretamente ao CV.
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— Eu não perdi assinantes para a concorrência, perdi todos para o maior provedor do Rio, que é o CVNet. Além disso, lido com a falta de profissionais, porque toda vez que ocorre um episódio de violência, perco técnicos. Já tive funcionário ameaçado de morte em casa, com arma apontada para a cabeça, e afastado depois de ser cercado por traficantes e desenvolver estresse pós-traumático — diz o empresário.
Fim da tranquilidade
Até na pacata Paulo de Frontin, no Centro-Sul Fluminense, policiais já identificaram a influência do CV. Com uma população de pouco mais de sete mil habitantes, segundo o IBGE, o município faz divisa com Paracambi e Miguel Pereira, onde a facção já tem uma estrutura consolidada. Segundo uma moradora, criminosos saem dessas cidades e tentam se estabelecer em Paulo de Frontin:
— Começaram a aparecer pessoas diferentes na cidade. Depois, alguns locais passaram a ser conhecidos como de “difícil acesso” e ter registros de furtos, venda de drogas e uso de armas. Isso não existia.
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Com informações da fonte
https://extra.globo.com/rio/casos-de-policia/noticia/2025/11/relatorio-da-pm-mostra-que-cv-esta-em-70-das-92-cidades-do-estado-do-rio.ghtml

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