A partir de setembro de 2026, o presidente do Masp, Heitor Martins, espera uma “vida mais tranquila”. O executivo deixará a gestão do museu paulista, depois de 12 anos em que exerceu a função de maneira voluntária — ou seja, sem salário. Sob Heitor, o Masp deixou para trás um período de dívidas, recolocou os cavaletes de vidro idealizados por Lina Bo Bardi (1914-1992) em evidência e inaugurou um novo prédio anexo que dobrou sua capacidade expositiva. Deixa ainda como legado a maior exposição, em público, da história do museu: a recente “A ecologia de Monet”, com 410 mil visitantes.
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A gestão não passou sem críticas. O ingresso a R$ 75 encabeça parte delas. O presidente, porém, ressalta que 55% dos visitantes entram de graça. Houve ainda uma polêmica na venda de cavaletes, sob investigação do Iphan. Em entrevista ao GLOBO, Heitor comentou o caso, adiantou que uma exposição de Van Gogh será realizada em 2027 e declarou que o roubo do Louvre é uma “lição de humildade”. Só se esquivou mesmo de uma pergunta: qual sua obra favorita no museu.
O que ainda falta ser feito para concluir sua gestão?
Queremos inaugurar um jardim (na rua entre os dois edifícios do Masp) para completar o nosso parque arquitetônico. O ano que vem será o primeiro em que o Pietro, nosso novo edifício, vai operar totalmente. Um ano de consolidação da operação com esse museu expandido, de 18 mil metros quadrados de área. Também é um ano de eleições. Passamos a olhar se terá uma troca de governo ou não. Temos de preparar as bases para anos seguintes. Será um ano de consolidação das finanças e de gestão.
O Masp tem ressaltado a importância da diversidade em eixos curatoriais. Isso pode refletir em quem vai ocupar seu cargo?
Espero que meu sucessor seja diferente de mim. A organização, a instituição, precisa evoluir. É parte da beleza. É por isso que você precisa ter rotação nas posições de liderança, para que pessoas com outras visões possam liderar a instituição e seguir construindo-a. Dito isso, acho que vale pontuar a questão da diversidade. O Masp é um museu de arte. Não é um museu de arte europeia, nem de arte brasileira, não é de arte antiga. Tem a ambição de capturar um leque muito amplo. Não fizemos nada de diferente do que resgatar a essência do museu.
Recentemente, vimos o roubo do Louvre, e o Masp passou por algo semelhante. Em 2007, duas telas foram roubadas (“O Lavrador de Café”, de Candido Portinari, e “O Retrato de Suzanne Bloch”, de Pablo Picasso, recuperados pela polícia no ano seguinte). Chegou a perder o sono com medo de o acervo estar vulnerável?
O roubo do Louvre é uma lição de humildade para todo investidor cultural. A gente vê que até o Louvre está sujeito a isso. Não podemos nunca descartar esse risco. Por conta disso, ao longo dos anos, fizemos muitos investimentos em segurança. Isso a partir de três coisas. Uma é a segurança física propriamente dita da sala, e dos métodos expositivos. A segunda é o corpo de segurança, a equipe de segurança é muito grande dentro do museu. E depois, a segurança tecnológica, câmeras, sistemas de monitoramento. Tem protocolos de emergência, de como é que a gente lida, a gente faz simulações, treinamento. Batendo na madeira, a gente espera que não aconteça. Mas trabalhamos diariamente nisso.
Olha, todo mundo que cuida de museus se preocupa com isso. Faz parte.
O Masp é investigado pelo Iphan por ter vendido 20 cavaletes idealizados por Lina Bo Bardi, que seriam tombados. Foi uma questão de necessidade financeira?
Nós temos absoluta convicção e muita tranquilidade que os cavaletes não são tombados. Os cavaletes foram criados pela Lina em 1967, quando o museu foi aberto. São instrumentos expositivos. Eles foram produzidos ao longo do tempo. Nenhum dos que estão aqui tem qualquer evidência de que tenha tido a mão da Lina. É como uma parede expositiva. Eles foram tirados de uso nos anos 90 porque tinham uma série de problemas museológicos que não eram compatíveis com os padrões de segurança, os requisitos museográficos contemporâneos, mais atuais.
Os cavaletes de hoje são diferentes?
Completamente diferentes do que existia nos anos 90, nos anos 80, nos anos 70. Eles têm a mesma cara, mas a engenharia deles é diferente. Todos os cavaletes que temos hoje aqui chamamos de “segunda geração”, reconstituídos, refeitos. Ao fazer isso, sobraram no depósito um conjunto de cavaletes velhos, da primeira geração, que não têm uso. Ninguém vai pendurar obras de arte nesses cavaletes, pelo menos não no museu. Você pode fazer isso na sua casa, mas aqui, certamente, não. Resolvemos pegar 20 destes e experimentar fazer uma venda para angariar recursos durante a pandemia da Covid, que o museu estava fechado. E colocamos um valor de R$ 75 mil. A verdade é que esse negócio não foi um sucesso, porque, passados quatro anos, a gente ainda tem três deles que não conseguimos vender. Eu comprei um, mas mais da metade do que foi vendido são de pessoas que não têm relação com o museu.
O que mais o Masp pode almejar em termos de internacionalização? O diretor artístico Adriano Pedrosa , por exemplo, foi curador da Bienal de Veneza em 2024.
Tem muito caminho a ser feito. Porque a realidade é que existe um preconceito. Há dificuldades reais muito grandes no intercâmbio entre o Brasil . O resto do mundo olha para sua obra e pensa: eu vou mandar essa obra lá para o Brasil? Aquele país lá longe… Existe uma relutância grande disso. Acho que, graças à nossa equipe e ao nosso acervo, nós conseguimos, ao longo desses últimos dez anos, começar a romper essa barreira e, vamos dizer, nos inserir dentro do circuito internacional, mantendo um intercâmbio ativo com outras instituições. A gente acredita que esse é o começo.
E a exposição com obras de Van Gogh prometida para 2027?
Acho que será uma exposição extraordinária. Terá a virtude de mostrar para os brasileiros o Van Gogh. Terá esse mérito de trazer algo que vive no imaginário de todo brasileiro. Todo mundo sabe quem é Van Gogh, mas será possível vir, ver e conviver e olhar outros quadros, que não só os nossos, vai ser uma experiência muito marcante.
Existe uma percepção de que o Masp dá muito espaço à arte contemporânea e acaba esquecendo seu acervo internacional, histórico, que é valiosíssimo. O que acha disso?
Até hoje nossa área de acervo era muito limitada. A gente tinha basicamente uma sala. A partir de 2026 e 2027, a gente vai ter um espaço maior de exposição de acervo. Então, nós vamos poder mostrar muito mais, o que inclui mais clássicos na exposição. Explorar mais o que está no acervo. Explorar mais as grandes obras. Por outro lado, precisamos manter um certo equilíbrio e também mostrar a arte viva, o que está sendo produzido, e outros artistas menos conhecidos. A arte tem que englobar tudo isso.
Há espaço para a arte feita com inteligência artificial?
É um bom desafio para os próximos anos, como o museu vai se posicionar no mundo digital. É uma questão que está em aberto. Isso é tudo muito novo e a gente está acompanhando (o museu não tem nenhuma arte feita por IA). Não existe nenhum padrão que está emergindo em nenhum lugar. Vemos isso de forma atenta e acho que esse vai ser um dos grandes campos de exploração, de crescimento. Não temos restrições (com obras feitas por IA). Onde a gente realmente precisa expandir o acervo é voltar a crescer internacionalmente. Ter mais artistas internacionais no acervo. Não podemos correr o risco de reduzir o Masp a um museu brasileiro. Temos arte brasileira, mas o que nos distingue é ter um acervo internacional.
