os relatos de policiais do Bope que participaram de resgates na megaoperação

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Megaoperação. “Operação Contenção”: 2.500 agentes das policias civil e militar atacaram integrantes do Comando Vermelho em seu QG nacional, o conjunto de complexos da Penha e do Alemão — Foto: Egberto Ras/Agencia Enquadrar/Agencia O Globo


Sob fogo cerrado, entre resgates e emboscadas, policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) relatam o que viveram na operação realizada nos complexos do Alemão e da Penha, no dia 28 de outubro. O que ocorreu nessas duas comunidades passou a ser chamado de megaoperação, que deixou 121 mortos, entre eles quatro policiais — dois do Bope: o sargento Heber Carvalho da Fonseca, de 39 anos, e o sargento Cleiton Serafim Gonçalves. Ao todo, 13 agentes ficaram feridos, sendo nove militares e quatro civis. O governador Cláudio Castro classificou a ação como um “sucesso” e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a definiu como uma “matança”, em meio a uma crise política.

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A equipe de elite enfrentou horas de tiroteio, com resgates sob fogo, macas improvisadas às pressas e a retirada de feridos por rotas alternativas em meio ao cerco do tráfico. O comandante do Bope, coronel Marcelo Corbage, contou ao GLOBO que o planejamento da operação — que durou 75 dias — envolveu não apenas táticas e armamentos, mas também uma preparação para os resgates e o atendimento médico dos policiais feridos. Segundo ele, médicos, enfermeiros e ambulâncias estavam de prontidão antes mesmo do início da ação.

— A todo momento, precisávamos manobrar a infiltração dos feridos. Havia o hospital próximo, o que facilitou muito, porque nós tivemos o cuidado de também estruturar uma rede de apoio no Hospital Getúlio Vargas para que, informalmente, eles já estivessem esperando a operação — contou Corbage.

Durante a ação, a comunicação com as equipes no terreno era extremamente difícil, o que exigiu decisões rápidas e improvisos para retirar os feridos.

— Era muito difícil falar com as tropas no terreno. Muitas vezes, nós tínhamos imagens, mas não comunicação. E como você vai falar com alguém que está no front? — relatou.

Corbage também descreveu o esgotamento físico e emocional da tropa. Segundo ele, mesmo sob calor, fome e desidratação, ninguém quis abandonar o combate.

— Ninguém quis ir embora. Só queriam beber água. Porque quando você está desidratado, você não pensa. Só queriam água.

Durante os resgates, o comandante acompanhava as equipes que atuavam na Serra da Misericórdia e na mata da Vacaria, áreas onde o confronto foi mais intenso. Foi ali que, segundo ele, o sargento Cleiton Serafim Gonçalves, que não resistiu, realizou um dos atos mais marcantes da operação:

— O sargento Serafim foi um dos primeiros policiais alvejados. Ele e a equipe já haviam sido acionados justamente para auxiliar no resgate dos policiais civis que estavam feridos. Nós estávamos no alto da Serra da Misericórdia. Assim que o Serafim chegou, a patrulha dele se encontrou com a do cabo Oliveira. Eles não eram da mesma equipe. O cabo, num ato também de heroísmo, foi em socorro aos policiais civis e acabou sendo alvejado. Nesse momento, o Serafim conseguiu extrair o Oliveira sob fogo inimigo — descreveu o comandante.

Corbage lembra que, no dia seguinte, foi visitar o cabo Oliveira, que seguia internado, e se comoveu com o relato do militar.

— Ele chorava, pedindo desculpas por ter caído e por não ter ajudado. Isso me deixou muito comovido.

‘Não paravam de atirar nem por um minuto’

Entre os sobreviventes, os relatos obtidos pelo GLOBO revelam o caos e a tensão vividos na mata da Vacaria, epicentro dos confrontos. O sargento Jorge Martins, há 15 anos no Bope, foi baleado na panturrilha ao tentar socorrer companheiros.

— A gente andava sob chuva de tiros. O terreno era difícil, a areia fofa, barranco alto. Fomos dar apoio aos companheiros atingidos, mas acabamos surpreendidos também. Fui baleado na panturrilha. Quando olhei para o lado vi que, a mesma enxurrada de tiro que me pegou, pegou mais duas pessoas também. No total, fomos quatro atingidos nessa hora — contou Martins.

Segundo o sargento, após as rajadas de tiro, o momento exigiu rapidez e raciocínio, mesmo ferido, para tentar ajudar outros colegas:

— Assim que percebi o meu ferimento, pensei: ‘Por esse tiro, eu não vou morrer.’ Olhei para o lado e vi que um sargento tinha sido atingido na coxa. O sangue escorria rápido, a calça dele ficou vermelha. Imaginei que pudesse ter pegado a femoral. Gritei para ele: ‘Pula o barranco!’ Rolamos juntos — contou o sargento.

Já capitão Paulo Araújo, com 22 anos de Bope conta como ele e outros agentes se revezaram para carregar colegas baleados enquanto ainda trocavam tiros. Segundo ele, na mata havia criminosos que “não paravam de atirar nem por um minuto”.

— Tivemos que revidar o fogo para tentar sair, mas não havia alternativa de caminho. Acabamos passando por dentro do mato, justamente onde estavam os criminosos. Ficamos ali entre 40 minutos e uma hora tentando estabilizar o terreno para que ele fosse socorrido — descreveu o capitão do Bope.

Ele, que participou de todos os resgates, ainda revela que, no meio do mato, a retirada dos colegas contou com macas improvisadas:

— Um dos feridos nós conseguimos desequipar ele e improvisar uma maca com o que tinha por perto. Se não me engano, foram seis homens para carregar. Durante o deslocamento, esses mesmos colegas ainda tinham que fazer a segurança, atirando enquanto andavam. Teve policial que, quando chegou perto do blindado, desabou, desidratado, com fome, no limite. O desgaste físico, emocional e psicológico foi absurdo — contou.

Segundo a Secretaria de Polícia Militar, sete policiais militares feridos chegaram ao Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), no Estácio, trazidos pelo Grupamento Especializado em Salvamento e Resgate (GESAR). Dois deles estavam em estado gravíssimo. Um policial, com ferimento por arma de fogo no maxilar, sofreu uma parada cardiorrespiratória no centro cirúrgico e foi reanimado com sucesso após 13 minutos de manobras intensivas.

Desde o fim da operação, os policiais têm recebido acompanhamento psicológico. Entre os atendidos, estão agentes que presenciaram as mortes dos colegas — experiências que, segundo a corporação, deixaram marcas profundas.

Corbage destacou o impacto emocional que a operação deixou na tropa, que segue recebendo acompanhamento psicológico.

— Nós perdemos dois irmãos. Não são dois policiais.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/11/07/era-uma-chuva-de-tiros-os-relatos-de-policiais-do-bope-que-participaram-de-resgates-na-megaoperacao.ghtml

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