Zico reflete sobre seu lugar na história do Flamengo, opina sobre geração atual e revela torcida por gol do título da Libertadores

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Inspiração para gerações de flamenguistas (e até de rivais), Zico nunca escondeu que foi Dida, ídolo dos anos 1950 e 1960, quem cumpriu esse papel para ele. Mas outros jogadores também fizeram seus olhos brilharem. E um ainda faz: Bruno Henrique. Afinal, o mito rubro-negro também é um entre os milhões de torcedores do clube, que hoje completa 130 anos de história. Ao EXTRA, o Galinho de Quintino abriu seu coração rubro-negro, repassou sua ‘Era’ na Gávea como jogador e reflete sobre os feitos da geração atual.
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Como é ser reconhecido como o maior ídolo de um clube do tamanho do Flamengo?
É um simbolismo fantástico, pelo que o Flamengo representa… Deus me deu essa oportunidade, de me tornar uma referência e ser querido por muita gente do meio, não só no Flamengo, mas dentro do futebol, no Brasil, no exterior. Tudo isso graças à chance que o Flamengo me deu, me lançando no mundo do futebol. O valor disso é muito grande para aquele menino de 14 anos que estava cheio de sonhos, e só queria jogar bola e vestir a camisa 10 que foi do Dida, que era o meu ídolo de criança. E consegui logo de cara, no primeiro jogo da escolinha já me deram a 10!
Ser considerado o maior jogador do clube do seu coração e do seu pai é especial…
O que me dá mais satisfação é que é uma coisa familiar. Meu pai foi o maior exemplo de flamenguista que a gente podia ter. Ele fez toda a família se tornar rubro-negra. Era uma paixão muito grande. Poder fazer história no clube do coração do seu pai e do seu também… Isso é mais do que gratificante.
A estátua de Zico, em frente ao museu do Flamengo
Gabriel de Paiva
Quando caiu a ficha de que sua relação com o rubro-negro era além do normal?
A ficha nunca cai, não adianta. Atravessa gerações. O mais gratificante nisso tudo é quando os rubro-negros dão o nome dos filhos de Arthur em minha homenagem. Ali é que você vê o quanto representa para as famílias, para os rubro-negros. Histórias fantásticas que ouço no dia a dia, que as pessoas fazem questão de contar.
Lembra de uma em especial?
Quando eu estava no Esporte Interativo, tinha um quadro chamado “Meu Pequeno Arthur”. Teve um casal que tinha combinado de dar nomes de “reis” aos filhos. O marido era flamenguista louco e a mãe não sabia nada de futebol. Eles deram o nome do “Rei Arthur” para o segundo filho. Quando chegou a Copa do Mundo de 1982, tinha aquela coisa do “Assina que esse gol é teu!”. Quando eu fiz um gol, a mãe viu o nome Arthur e ficou louca: “Não era coisa nenhuma por causa do rei, era por causa do Zico!”. Ela ficou umas semanas sem falar com o marido. Contando, ela começou a chorar. Explicou que começou a pesquisar minha história, minha vida pessoal, minha família, meus pais, minha esposa, meus filhos. E aí entendeu e aceitou numa boa. Quer dizer: se eu fosse um cara da bagunça, o bicho ia pegar pra ele até hoje!
O que é a torcida do Flamengo para você?
Para mim, o maior patrimônio que o Flamengo tem é a sua torcida. Não pode deixar isso de lado nunca. Qual é o time que, em todo jogo, tem 50, 60 mil torcedores prestigiando, apoiando em todos os momentos? É uma coisa fantástica. Não é porque está ganhando que tem 60 mil, não, sabe? No momento talvez de maior dificuldade que o clube passou nesses períodos também tinha 60 mil pessoas lá. E em todo jogo. É uma torcida que, quando vê que o time corresponde àquilo que ela gosta e acha que deve ser, ela vai e apoia.
Zico comemora o primeiro título pelo Flamengo, o Carioca de 1974
Luiz Pinto / Acervo O Globo
Na eleição do EXTRA, a sua geração dominou o pódio: você em primeiro, Júnior em 2º e Leandro em 3º. Na época vocês tinham noção do tamanho da história que faziam?
Não tínhamos noção e nem jogávamos para isso (para se eternizar). Jogávamos pelo amor que tínhamos pelo time, pelo clube…
Como era jogar com os dois?
A qualidade técnica do Júnior e do Leandro era um absurdo. O Júnior é um dos caras que mais procurou se aperfeiçoar em uma posição que não era dele: cruzamento, antecipação, marcação, cobertura… Havia muita concorrência no meio, ele foi para a lateral direita e se tornou titular. Depois foi para a esquerda… O Leandro quando chegou não sabíamos se era destro ou canhoto. Tinha facilidade com as duas, driblava para lá e para cá. Tinha todos os fundamentos, tinha um preparo físico fantástico, e ainda era difícil driblá-lo. Eu não gostava de jogar contra ele no treino.
Zico, Andrade, Leandro e Junior: pilares do Flamengo campeão mundial e da Libertadores em 1981
Arquivo O Globo
Quem mais daquele time você colocaria bem posicionado no ranking?
Eu joguei com dois ao meu lado, no meio, que eram fora de série: o Andrade e o Adílio. Esses dois eram fora da curva, me facilitavam. A bola chegava sempre limpa. O Maradona, uma vez, num Flamengo x Boca Jrs., veio falar comigo: “Aquele cara que me marcou não me deu uma pancada e não me deixou jogar”. Era o Andrade.
Qual seria sua escalação de todos os tempos do Flamengo?
A minha escalação do Flamengo de todos os tempos é o time de 1981, com o Dida no meu lugar e eu de treinador de atacante, para poder ensinar o Dida a fazer mais gols.
Depois de fazer história, você teve uma breve passagem como diretor executivo do clube em 2010. Se arrepende?
Não me arrependi, não. Apenas confirmei que não era para ir. Quando você entra, depois de toda a carreira que teve como jogador, o cara acha que você vai entrar e, no dia seguinte, ser campeão do mundo. Nós levamos praticamente 15 anos para sermos campeões do mundo (em 1981). Não é fácil. Lógico que há sempre aquela esperança, mas era um momento dificílimo financeiramente, tentando uma administração nova com a Patrícia (Amorim). Todos os esforços foram feitos, mas a coisa não andou. E aí quando tem alguma coisa que te incomoda e que não é legal, não tem outra alternativa a não ser sair. Eu acho que não devia ter aceitado. Mas não me arrependo, não. Foi uma experiência boa. Temos que tirar, de situações difíceis, lições boas para o futuro, para não repeti-las.
Alguns anos depois, o clube enfim, conseguiu se reestruturar e chegou ao patamar atual…
Eu contribuí para esse grupo se juntar em 2012. Eles se juntaram graças ao problema que aconteceu comigo em 2010. (Necessitava) de uma administração e de uma infraestrutura profissional. Eu apresentei o Rodolfo Landim (ex-presidente) e o Flavio Godinho ao Bap (Luiz Eduardo Baptista, atual presidente). Essas pessoas se juntaram em 2012 e me chamaram para apoiar. Eu me reuni com eles diversas vezes e pedi para que fizessem só duas coisas para que eu os apoiasse. A primeira: não atrasar mais salário — no clube inteiro, não só de jogadores, mas de todos os profissionais contratados, de todas as áreas. E a segunda: a finalização do CT, que já tinha começado alguma coisa. Só isso. Depois de 2012, você nunca mais ouviu falar que alguém teve salário atrasado. E uma outra coisa que eles fizeram: resolveram o problema com todos aqueles que tinham pendências. Fizeram, na surdina, um trabalho maravilhoso de acertar todas as pendências que existiam com profissionais anteriores, que tinham processos e tudo mais com o clube. Foi uma revolução o que o Flamengo fez. Pensou mais em resolver a parte profissional, a infraestrutura. O Flamengo hoje tem o melhor CT — igual ao dos grandes clubes da Europa. A gente fica feliz de ver esse sucesso todo.
Hoje você é Embaixador do Fla. Voltaria a ser dirigente?
De maneira nenhuma. Relutei para aceitar essa questão de embaixador por causa das cobranças. Eu não tenho nenhuma ligação com o futebol. As pessoas cobram, acham que você tem que ir falar com os jogadores — não é minha função. Minha função é representar o clube, como sempre representei. Aceitei porque é uma questão de gratidão ao Bap. No momento mais difícil que tive lá no Flamengo (em 2010), foi ele quem me segurou, manteve a palavra dele. Ele era presidente da Sky, que foi uma das minhas patrocinadoras naqueles quatro meses — não era o Flamengo que me pagava. Após aquele período ainda fiquei mais um ano e meio com o compromisso com ele na Sky. Aí acabei conhecendo-o mais de perto, nos tornamos amigos.
Voltando a falar de futebol, a geração multicampeã dos anos 1980 foi praticamente toda formada na base. Muito diferente dessa geração campeã atual…
Dos 17 que foram ao Japão, 11 foram formados na Gávea. Mas esse poder financeiro atual começou em 2018, com a venda de jogadores da base. Paquetá e Vinícius Júnior tiveram mais repercussão, mas foram oito ou dez ao todo — tem o Jorge, o Léo Duarte… Se você vê a quantidade de jogadores com os quais o Flamengo conseguiu recursos, e consegue até hoje, e fez bom investimento, a coisa funcionou. E o Flamengo ganhou isso tudo. E continua formando.
Dessa geração vencedora recente, Gabigol e Arrascaeta entraram no top-5. Como você enxerga jogadores recentes entrando no meio dos jogadores dos anos 1980 na lista?
E eu não vejo problema da geração (de torcedores) que teve mais alegrias com esses caras, de escolhê-los. Não tem essa. Essa geração que chegou marcou história. Entendeu o que era jogar no Flamengo, o que que é a torcida.
Foi justo o Gabigol ser o mais bem colocado desta nova geração, mesmo após ter saído?
Eu acho que é justo. Os números dele são fantásticos, tudo o que ele representou, não só na parte individual, mas também na parte coletiva. Justíssima.
Quais nomes destas gerações mais recentes mais te enche os olhos?
O Éverton Ribeiro é fora da curva. Para mim, era o grande cabeça daquele time de 2019. Aquele time.. Aqueles cinco da frente… O Bruno Henrique é fantástico, o Gabriel, o Arrascaeta, o Gerson, que estava num momento maravilhoso…
Zico, que eternizou a camisa 10 do Flamengo, reverencia a torcida
Acervo O Globo
A camisa 10 do Fla atualmente está com Arrascaeta e passou por Gabigol e Diego nos últimos anos. Você acha que a camisa eternizada por você tem sido bem representada?
Ah, muito bem. Ultimamente, o Flamengo tem procurado colocar jogadores que realmente sejam — ou possam se tornar — uma referência para o clube e para o torcedor. Eu já passei por essa responsabilidade. Imagina o que é usar a camisa do maior da história em uma seleção (Pelé). Ainda bem que eu peguei do Rivelino, e aí deu uma folga. Mas era problemático, cara. Quantos não sofreram com isso?
Desde que você saiu do Flamengo, qual jogador mais mexeu com o seu coração rubro-negro?
O que mexeu muito comigo foi o Bruno Henrique. Aquele jogo em que ele fez gol contra o Grêmio e a torcida fez uma homenagem muito bacana para ele, após voltar daquela contusão (no joelho), foi uma das poucas vezes que me emocionei vendo jogo, Tive a oportunidade até de falar isso para ele. Foi um momento de muita emoção, porque eu sofri, basicamente, a mesma coisa que ele: passar nove meses sem jogar futebol, voltar a fazer o que gosta. E ele teve essa oportunidade, voltou e voltou bem.
O que você achou desse reencontro com o Palmeiras na final da Libertadores?
Final é final, você tem que se preparar, independentemente do adversário. Quem chega na final, não chega por sorte, chega por merecimento. Quantas finais tivemos aí nos últimos anos de times brasileiros? É o futebol brasileiro que está mandando hoje em dia. Então, acho que era mais do que normal e esperado que pudesse dar Flamengo e Palmeiras, né?
Gol de Zico (Flamengo) contra o Cobreloa, na final da Libertadores de 1981
Reprodução
Apenas você e Gabigol marcaram pelo Flamengo nas quatro finais de Libertadores da história do clube. Nesta decisão contra o Palmeiras, quem você gostaria que fizesse um possível gol do título?
O Flamengo hoje está bem preparado para qualquer um fazer gol. Sinceramente, eu gostaria muito que fosse ou o Arrascaeta ou o Bruno Henrique que fizesse.



Com informações da fonte
https://extra.globo.com/esporte/flamengo/noticia/2025/11/zico-reflete-sobre-seu-lugar-na-historia-do-flamengo-opina-sobre-geracao-atual-e-revela-torcida-por-gol-do-titulo-da-libertadores.ghtml

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