O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ao votar para condenar o Jair Bolsonaro e sete réus na trama golpista que uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente tentou dar um golpe após a eleição de 2022. Com a manifestação, o placar foi finalizado em 4 a 1 para sentenciar todos os acusados pelos cinco crimes atribuídos pela Procuradoria-Geral da República (PGR): tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
— Visando a permanência no poder, o grupo trabalhou com hipótese de recurso a medidas excepcionais, seja para promoção de autogolpe ou pela ulterior deposição do governo legitimamente eleito — afirmou Zanin. — Os eventos denotam que não houve mera expressão de opiniões controversas, mas um concerto de ações voltadas para a permanência no poder. Primeiro, por meio da tentativa frustrada de coagir a livre atuação do Poder Judiciário e de interferir nas eleições. Depois, por meio de atos de força que viabilizassem, estopim a deflagração de uma resposta institucional armada, com apoio das Forças Armadas e manutenção do grupo no poder.
Para o ministro, a acusação conseguiu comprovar a existência de uma organização criminosa:
— A estabilidade da organização, e o próprio direcionamento das ações antes e depois das eleições de 2022, revela a continuidade do projeto em torno do escopo maior da organização, que era a manutenção de grupo específico no poder, independentemente da vontade popular.
As penas serão definidas depois, possivelmente nas sessões marcadas para sexta-feira. Antes de Zanin, quatro ministros já votaram, na seguinte ordem: Alexandre de Moraes, que é o relator, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O placar está em 3×1 pela condenação — Fux votou para absolver cinco réus por todos os crimes, incluindo Bolsonaro, e para condenar o ex-ministro Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid por abolição violenta.
“Grave ameaça”
Zanin afirmou que o fato de o presidente sugerir “medidas de exceção” aos comandantes das Forças Armadas já configura a condição de “grave ameaça”, prevista nos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
— O elemento normativo (da) grave ameaça pode configurar, portanto, em tese, pela sugestão de medidas de exceção em absoluto e manifesto descompasso com as restritas hipóteses constitucionais, exarada pelo comandante-chefe das Forças Armadas ou por integrante do alto escalão de governo, sob pretexto de críticas à atuação de outro membro do Poder e com o uso de informações sabidamente falsas.
Estratégias da organização criminosa
Zanin elencou as estratégias usadas pela organização criminosa para tentar abolir o Estado Democrático de Direito. Segundo ele, a tentativa se refletiu em uma “vasta cadeia de atos”, de natureza material e discursiva, ambos aptos a ferir o bem jurídico protegido pela Constituição. O ministro pontuou que a PGR apontou que a organização criminosa trabalhou em frente diferentes.
— Não havia uma linha de ação única definida, mas o planejamento de diversas estratégias.
Ao citar as ações, Zanin listou:
o monitoramento de servidores, agentes públicos e políticos;
a difusão de falsas narrativas para criar instabilidade política;
o estímulo ao descumprimento de decisões judiciais sob o argumento de ilegalidade;
o uso da estrutura policial para interferir no processo eleitoral;
a facilitação e estímulo de manifestações públicas de caráter convulsivo, com o objetivo de justificar medidas de força;
a tentativa de cooptação e pressão sobre comandantes das Forças Armadas;
o uso de militares para monitorar e até eliminar autoridades públicas;
e a elaboração de decretos e discursos voltados à legitimação de um regime de exceção.
8 de janeiro
O ministro destacou que os atos de 8 de janeiro — invasões, depredação do patrimônio da União, confrontos com policiais e jornalistas — configuram violência inequívoca, com o objetivo de criar instabilidade para justificar medidas de exceção. Para Zanin, Bolsonaro pode se responsabilizado pelo 8 de janeiro porque há uma “relação de causalidade” entre os seus discursos e os atos golpistas:
— Não há como afastar a evidente correlação entre a narrativa construída pelo grupo e reiterada constantemente pelo seu líder, Jair Messias Bolsonaro, e aglutinação de manifestantes que, estimulados por integrantes do grupo, vieram a provocar posteriormente as ações do 8 de janeiro. O dolo e a relação de causalidade são suficientes para impor a responsabilização do acusado. A ação dos executores tinha como escopo demonstrar elevado grau de instabilidade política, a ponto de justificar decretos de exceção.
Ameaças ao STF
Zanin afirmou que as “graves ameaças proferidas” por Bolsonaro a membros do STF tinham a “capacidade potencial de afetar o livre exercício” do Judiciário.
— A sistemática de veiculação de ameaças públicas a Poderes constituídos a ministros e a ministros do Supremo Tribunal Federal, com recurso à retórica das Forças Armadas, tinha capacidade potencial de afetar o livre exercício do Poder Judiciário. Tanto que houve a necessidade de esforço institucional, bastante grande, para preservar a integridade do processo eleitoral e neutralizar efeitos desestabilizadores das graves ameaças proferidas.
Sem cerceamento
No início do voto, Zanin mencionou a experiência como advogado e rebateu argumentos de defesas que fizeram acenos a ele em razão de sua atuação na defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro, que preside a Primeira Turma, disse não ter visto nenhum cerceamento no processo.
— Aqui todos nós somos juízes, mas temos experiências diversas a partir das nossas carreiras profissionais. E eu me lembro como advogado ter trabalhado com arquivos de 80, de 80, 100 terabytes, inclusive sem a disponibilização por link ou por qualquer outro meio, mas sim sala cofre da Polícia Federal fazendo análise. Então aqui inclusive foi ao meu ver facilitado o trabalho das defesas a partir do encaminhamento integralmente do material na forma decidida pelo eminente relator.
Zanin votou para rejeitar os pedidos preliminares das defesas, como a alegação de que o julgamento não poderia ocorrer no STF, o cerceamento ao direito de defesa, a suspeição de Moraes, entre outros.
Posições anteriores
Até agora, nos casos dos réus dos atos golpistas do 8 de janeiro, Zanin tem acompanhado Moraes nas condenações, mas desde o primeiro caso diverge no cálculo das penas, a chamada dosimetria. Seus votos são por punições alguns anos menores: quando o relator vota por 17 anos, por exemplo, ele defende 15; quando Moraes propõe 14 anos, Zanin vota por 11.
A diferença ocorre pela interpretação de causas de aumento de pena previstas pelo Código Penal. Podem ser levados em consideração diversos fatores, como antecedentes, personalidade, conduta social, motivos, circunstâncias e consequências.
Em relação à conduta social, Moraes considera que o fato de os réus terem se associado a um grupo que buscava um golpe de Estado é suficiente para aumentar a punição. Zanin, por outro lado, considera que não há detalhes desse aspecto. O relator também vê gravidades nos motivos e nas circunstâncias, enquanto o presidente da Turma não leva esses pontos em consideração em algumas das ações.
— A personalidade do acusado e conduta social não estão delineadas nos autos. O direito penal, aliás, é do fato, e não do autor. A culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as circunstâncias dos crimes não merecem maiores considerações e desdobramentos — afirmou Zanin no primeiro julgamento do 8 de Janeiro, em setembro de 2023.
Desde que entrou no STF, em 2023, Zanin tem uma postura discreta, com votos curtos, sem frases de efeito, como alguns de seus colegas. Ele foi a primeira indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu terceiro mandato.
O ministro foi advogado de Lula na Operação Lava-Jato. O petista chegou a ser condenado duas vezes, mas teve os processos anulados por decisão do STF. Essa atuação foi lembrada por alguns dos advogados nas sustentações orais, realizadas na semana passada.
O julgamento da trama golpista começou na semana passada, com a leitura do relatório por Moraes e a apresentação de argumentos da Procuradoria-Geral da República (PGR), pela acusação, e das defesas. A análise foi retomada na terça-feira, com o voto de Moraes, pela condenação dos réus.
Além de Bolsonaro, são réus os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), o ex-comanandate da Marinha Almir Garnier Santos, o tenente-coronel Mauro Cid e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
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Zanin vota para condenar réus da trama golpista e diz que Bolsonaro integrou organização criminosa: 'Projeto era ficar no poder'
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