veja por que obras ligadas a crime financeiro estavam com o ator

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Leonardo DiCaprio e Jho Low com o quadro Red Man One (1982), de Basquiat, que o ator mais tarde entregou ao governo dos EUA — Foto: Bloomberg


Estão à venda: uma natureza-morta de Picasso, duas obras do neo-impressionista Jean-Michel Basquiat e a impressão de uma fotografia famosa de Diane Arbus. Um detalhe a mais: três das obras pertenciam ao ator Leonardo DiCaprio, e todas estão ligadas a um dos maiores crimes financeiros da História.

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Elas são oferecidas em um leilão que termina nesta quinta-feira, destinado a arrecadar milhões de dólares para os cidadãos da Malásia, as vítimas finais do escândalo 1MDB, que desviou ilegalmente US$ 4,5 bilhões de um fundo soberano estatal entre 2009 e 2015.

A venda não está acontecendo nos salões da Sotheby’s ou da Christie’s em Nova York, mas on-line, via Gaston & Sheehan Auctioneers. A empresa familiar de Pflugerville, Texas, é especializada em carros apreendidos e bens confiscados pela polícia local. Mas também possui contrato com o Serviço de Delegados Federais dos EUA (US Marshals Service), a fonte dos bens do 1MDB. No passado, já leiloou tesouros como a jaqueta de cetim personalizada do Mets, de Bernie Madoff.

Embora os potenciais compradores tenham tido a chance de ver as obras pessoalmente no Brooklyn, em Nova York, o local relativamente obscuro pode ser uma oportunidade para caçadores de barganhas em busca de arte de alto nível com desconto.

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Embora os preços em leilões on-line muitas vezes subam drasticamente nos minutos finais, até a manhã desta quarta-feira, a maior oferta pelo Picasso estava cerca de US$ 500 mil abaixo do valor pelo qual havia sido vendido anteriormente, enquanto um dos Basquiats estava mais de US$ 3 milhões abaixo. A impressão de Arbus tinha um lance 85% inferior ao preço de compra anterior.

— Este leilão está definitivamente fora do radar — disse Dane Jensen, consultor de arte cujas transações recentes incluem obras de Frida Kahlo e David Hockney. — Estamos acostumados a uma apresentação muito mais elegante. É diferente de uma jaqueta do Mets de Madoff, já que essas obras carregam ideias. O motivo de serem caras é que são os objetos culturais mais cobiçados do nosso tempo. Isto está fora desse vocabulário.

Um representante da Gaston & Sheehan se recusou a comentar sobre como as obras foram precificadas. Um porta-voz do Serviço de Delegados Federais também se recusou a comentar sobre a venda.

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Os itens representam apenas a rodada mais recente de bens valiosos apreendidos como parte de um esforço histórico para recuperar fundos desviados no episódio 1MDB, um escândalo gigantesco envolvendo corrupção, lavagem de dinheiro e celebridades. As consequências levaram o ex-primeiro-ministro da Malásia Najib Razak e sua esposa à prisão, juntamente com dois ex-executivos do Goldman Sachs Group.

O suposto mentor do esquema, o financista malaio Jho Low, está foragido, acreditando-se que esteja escondido na China. Procuradores dos EUA afirmam que ele usou dinheiro desviado do 1MDB para bancar um estilo de vida luxuoso e conquistar a simpatia de celebridades como Leonardo DiCaprio, a modelo Miranda Kerr e a influenciadora Paris Hilton — nenhum deles acusado de qualquer irregularidade.

Só em 2013, Low e seus associados compraram cerca de US$ 137 milhões em obras de arte em casas de leilão com recursos ilícitos, segundo o governo americano.

Até agora, mais de US$ 1,7 bilhão em ativos ligados ao caso 1MDB já foram recuperados, dos US$ 4,5 bilhões desviados entre 2009 e 2015 supostamente por Low e outros, informou o Departamento de Justiça no início deste ano. Vendas anteriores relacionadas ao 1MDB incluíram um raro cartaz do filme Metrópolis (1927) e uma pintura de Andy Warhol, ‘Round Jackie’

Três das obras agora em leilão foram compradas por Low, que depois as presenteou ao ator Leonardo DiCaprio, astro de “O Lobo de Wall Street”— filme que Low ajudou a financiar supostamente com dinheiro do 1MDB. O ator entregou voluntariamente as obras em 2024, após o governo abrir processo para recuperá-las. Um porta-voz de DiCaprio não respondeu aos pedidos de comentário sobre o leilão.

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Low comprou ‘Red Man One’, de Basquiat — uma obra neoexpressionista com mais de 1,80m de altura — por US$ 9,4 milhões em uma galeria de Manhattan, em 2012, usando recursos desviados de uma transação de títulos do 1MDB, segundo os EUA. Na manhã de quarta-feira, o maior lance para a obra era de US$ 6 milhões.

A fotografia em preto e branco de Diane Arbus, conhecida como Child With a Toy Hand Grenade in Central Park, NYC, foi adquirida por Low por US$ 750 mil em novembro de 2013, também com recursos do 1MDB, segundo o governo americano.

Uma cópia diferente da mesma imagem foi a primeira fotografia comprada por Graham Nash, do supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young, depois de compor ‘Teach Your Children’, conforme relato na revista Aperture, em 2009.

“Enquanto eu estava diante desta obra-prima, percebi que as sensibilidades às quais eu reagia combinavam perfeitamente com a minha nova canção”, escreveu ele.

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Low presenteou a foto a DiCaprio em março de 2014, disseram os procuradores. Na manhã de quarta-feira, o maior lance era de US$ 110.050.

Low comprou o Picasso ‘Tête de Taureau et Broc’ por US$ 3,28 milhões em 2014, também com recursos do 1MDB, segundo os EUA. Um associado de Low mais tarde entregou a obra a DiCaprio com um bilhete manuscrito: “Feliz aniversário atrasado! Este presente é para você.”, assinado com as iniciais de Low, segundo o governo. Até a manhã desta quarta-feira, o maior lance estava em US$ 2,71 milhões.

O quarto item à venda é um desenho a giz de cera e caneta hidrográfica de Basquiat, conhecido como ‘Self Portrait’ (1982), entregue ao governo americano pelo produtor de ‘O Lobo de Wall Street’, Joey McFarland, que disse ter recebido a obra de presente de Low e seus cúmplices.

McFarland coproduziu o filme indicado ao Oscar com Riza Aziz, enteado do ex-primeiro-ministro malaio Najib Razak, por meio da empresa Red Granite. Em 2017, a Red Granite, sem admitir culpa, concordou em pagar US$ 60 milhões para encerrar acusações de que o filme foi financiado com dinheiro roubado. Riza também não admitiu irregularidades ao firmar um acordo com o governo americano em setembro de 2020. Na manhã de quarta-feira, o maior lance pelo Self Portrait era de US$ 3,86 milhões.

Segundo Jane Levine, ex-procuradora federal e ex-executiva da Sotheby’s, as origens problemáticas dessas obras podem até ser um atrativo para compradores. Ela afirma que o fato de o governo dos Estados Unidos ser o vendedor deve transmitir confiança.

— Uma coisa com a qual você não precisa se preocupar é lavagem de dinheiro, porque está comprando do governo — disse Jane, hoje sócia e fundadora do The ArtRisk Group. — Então, as obras podem ter tido um passado conturbado, mas esta é uma venda legítima.



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2025-09-04 00:00:00

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