UNIÃO ESTÁVEL, DEVO OFICIALIZAR?

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Neste mês de Novembro duas notícias acerca do instituto da união estável foram destaque, mormente no meio jurídico. A primeira foi a divulgação dos dados do IBGE que mostraram que o número de uniões estáveis ultrapassou o de casamentos oficiais (civis e religiosos). Já segunda foi o julgamento da 3ª Turma do STJ, que unanimemente, reconheceu uma união estável homoafetiva post mortem e relativizou o requisito da publicidade do ato devido ao contexto de discriminação social envolvido [2] (REsp 2.203.770/GO).

Os números divulgados pelo IBGE apenas confirmam uma realidade antiga e usualmente conhecida: a união estável é um fato comum e habitual na sociedade brasileira. Fatores como a informalidade inerente ao instituto e as condições socioeconômicas da população contribuem para essa predominância.

Entretanto, essa aparente simplicidade também encobre potenciais problemas. A união estável, embora constitucionalmente reconhecida e protegida (art. 226, §3º da CF), forma-se como um fato jurídico, ou seja, independe de registro para existir e produzir efeitos, servindo como entidade familiar com praticamente os mesmos efeitos do casamento civil. A ausência de formalidade prévia é, aliás, uma de suas principais distinções em relação ao casamento, que exige habilitação, proclamas, registro e, quando necessário, pacto antenupcial.

Enquanto o casamento civil é comprovado de forma inequívoca pela certidão, a união estável raramente é formalizada por escrito no Brasil. Essa informalidade se conecta diretamente ao recente julgado do STJ mencionado, evidenciando as inseguranças jurídicas decorrentes da falta de documentação — seja por escritura pública, instrumento particular ou mesmo declaração testamentária.

O próprio Código Civil, ao defini-la como relação pública, contínua, duradoura e com intenção de constituir família (art. 1.723), já sugere a fluidez da união estável. E tanto a legislação quanto a jurisprudência evoluíram para adequá-la às transformações sociais, eliminando requisitos como coabitação e prazo mínimo.

Tais avanços são positivos, pois harmonizam o Direito com a dinâmica social e ampliam a proteção estatal a todas as uniões estáveis, inclusive as homoafetivas. Nesse cenário, é louvável o recente entendimento do STJ, que reforça a proteção jurídica a populações vulneráveis, como a comunidade LGBTQIA+, muitas vezes silenciada por preconceito ou medo.

É inconcebível negar o reconhecimento de uma união estável de 30 anos apenas pela ausência de publicidade, especialmente quando envolve duas mulheres vivendo discretamente em uma pequena cidade do interior de Goiás. Entretanto, situações como essa ainda ocorrem, geralmente motivadas por interesses patrimoniais de terceiros.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, acompanhada de todos os demais ministros da Turma, proferiu decisão exemplar ao reconhecer a união e relativizar o requisito da publicidade, baseando-se nos princípios constitucionais da dignidade humana, isonomia e liberdade individual. Destacou, ainda, que decisão contrária significaria invisibilizar pessoas já estigmatizadas, que muitas vezes recorrem à discrição por sobrevivência.

Outros tribunais, como o TJ-SP, já vinham flexibilizando o requisito da publicidade em uniões homoafetivas, conciliando-o com o direito fundamental à privacidade. A orientação atual do STJ, portanto, é de ampliação da proteção jurídica para relações marcadas por discrição imposta por fatores socioculturais.

Ainda assim, fica a pergunta: quanto tempo essa companheira sobrevivente precisou esperar até ter reconhecida sua história de vida? Certamente anos — algo que poderia ter sido evitado com a formalização escrita da união.

A informalidade e a falta de pactuação escrita

A cultura brasileira, marcada pela informalidade, favorece a formação de uniões estáveis sem qualquer registro. É comum que pessoas se surpreendam ao descobrir que o tempo de convivência pode caracterizar união estável mesmo sem planejamento prévio. A ausência de coabitação e de prazo mínimo costuma gerar ainda mais perplexidade, sobretudo diante das fronteiras tênues entre namoro, namoro qualificado e união estável.

Essa insegurança pode pressionar emocionalmente quem está iniciando um relacionamento, já que o elemento subjetivo — intenção de constituir família — nem sempre é compartilhado de forma simultânea pelos parceiros.

Por isso, a experiência prática indica que, após cerca de dois anos de relacionamento estável (ou mais, dependendo do caso), é prudente que o casal converse e formalize sua situação — nem que seja para declarar que não há união estável naquele momento. É também oportunidade para ajustar o regime de bens que vigoraria caso a união venha a se constituir.

Se a união já estiver consolidada, formalizá-la por escrito é medida essencial, pois o casal poderá registrar decisões importantes (incluindo regime de bens e administração patrimonial), evitar controvérsias futuras e facilita eventual dissolução ou reconhecimento sucessório.

A ausência dessa pactuação leva, não raramente, ao litígio. Em separações conflituosas, alguns tentam negar a existência da própria união para impedir direitos do ex-companheiro, dando origem a longas ações judiciais de reconhecimento e dissolução.

No campo sucessório, o problema pode ser ainda mais grave. Após o falecimento, terceiros podem contestar a existência da união para excluir o companheiro sobrevivente da herança. Nesses casos, a pessoa ainda enlutada é obrigada a percorrer anos de processo para provar a existência da entidade familiar — enquanto seus direitos sucessórios permanecem suspensos.

Conclusão

Não formalizar a união estável significa renunciar ao controle sobre a própria vida patrimonial e afetiva, permitindo que terceiros — e até a própria Justiça — decidam sobre uma realidade que poderia estar claramente registrada. Não traz vantagens e pode gerar danos emocionais, financeiros e jurídicos de proporções imprevisíveis.

Rogers Martins é advogado civilista e assessor parlamentar

rogers.martins.adv@gmail.com

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