Tumulto na discussão do PL Antifacção expõe improviso de quem deveria combater o crime

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O residente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), à dir., observa o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), à esq., durante entrevista coletiva sobre o PL Antifacção — Foto: Brenno Carvalho/O Globo


A saga de Guilherme Derrite (PP-SP) e suas diferentes versões do relatório para o marco legal da segurança pública na Câmara dos Deputados serve bem como parábola do jeito brasileiro de lidar com problemas complexos. Diante de uma crise, logo surge uma nova lei criada às pressas como se fosse a solução mágica que faltava. A partir daí, todo o debate sobre o que realmente importa fica em segundo plano, quando não interditado.

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Desde que a operação da polícia do Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho (CV) escancarou o fosso em que nos encontramos no combate ao crime organizado, estamos presos nessa espiral. O açodamento e o tumulto em torno de cada versão do texto só azedaram ainda mais o ambiente.

Aflito para mostrar liderança e alguma realização que melhore a imagem da Câmara pós-PEC da Blindagem, seu presidente, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que aprovaria quanto antes uma proposta para atacar as organizações criminosas.

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O governo Lula, que cozinhou em banho-maria por meses a PEC da Segurança Pública, enviou finalmente o texto ao Congresso. E a oposição, que há tempos busca uma forma de se pendurar em Donald Trump, pôs na roda seu Projeto de Lei que transforma facções criminosas e milícias em terrorismo.

Ao escolher como relator o secretário de Segurança Pública de São Paulo e figurinha carimbada do bolsonarismo, Motta tentou pegar carona no amplo apoio popular à operação mais letal da história do Rio.

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Em duas horas, Derrite já havia protocolado um projeto completo, com justificativa e modificações que, além de igualar o crime organizado ao terrorismo, também tiravam toda a autonomia da PF. Mas nenhum deles contava com a forte reação do governo, do Senado Federal, do Supremo Tribunal Federal (STF) e até da própria direita, incluindo os governadores que perceberam o tamanho da confusão que a nova lei provocaria.

Ficou claro que, no afã de produzir uma proposta de impacto, nenhum dos envolvidos avaliou a sério as consequências. Não pensaram que tirar da PF a capacidade investigativa deixaria ainda mais vulneráveis várias regiões do país onde a polícia estadual não tem recursos, inteligência ou mesmo idoneidade para atuar.

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Impediria, ainda, qualquer apuração sobre a infiltração do crime na política — como a que mostrou que um ex-deputado estadual, um secretário e um ex-subsecretário do governo Cláudio Castro (PL) andaram negociando “cobertura política” com um integrante do CV.

A solução foi recuar até não sobrar quase nada do texto inicial. Ainda assim, o substitutivo de Derrite continua provocando mais incerteza que alento. Ao endurecer as penas e dificultar a progressão de regime, a lei deverá aumentar a quantidade de presos, mas até agora não se tem ideia do impacto sobre a lotação e os custos de manutenção do sistema prisional.

A lei também determina que os líderes de facções criminosas sejam enviados a penitenciárias federais — isso já é possível, tanto que sete chefões do CV do Rio foram transferidos nesta quarta-feira para a prisão de segurança máxima de Catanduvas (PR).

Mas, ao não discriminar que tipo de líder deve ser transferido nem a quem caberá a definição, abre-se a possibilidade de os estados passarem a enquadrar como líderes os presos de que queiram se livrar e acabarem superlotando também o sistema federal.

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A sensação de improviso só aumenta quando se observa que há iniciativas funcionando dentro do Brasil mesmo, sem que se tenha alterado nenhuma lei nem criado uma guerra de narrativas.

No Rio Grande do Sul, quando se constata que a ordem para um determinado homicídio partiu de um líder de facção, o executor, os mandantes e as lideranças são enviados para um presídio estadual tão ou mais restrito que os federais, onde são acompanhados de perto. Se já estiverem presos, recebem novas punições.

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Do lado de fora, imediatamente se aciona uma operação para “saturar” de policiais a região mais lucrativa para os criminosos, ao mesmo tempo que começa uma ofensiva para fechar os canais de lavagem de dinheiro ainda existentes.

Batizado “Dissuasão Focada”, o programa tem vara judicial exclusiva e é tocado por um grupo de que participam policiais civis, militares, agentes penais, promotores e juízes que de fato compartilham toda a informação disponível. Ajudou a reduzir pela metade a taxa de homicídios desde 2017.

É apenas um exemplo, entre muitos, a provar que as soluções são conhecidas e não dependem de invenções mirabolantes, e sim de visão de longo prazo, da integração entre autoridades de segurança pública e da vontade real de combater o crime. Tudo o que não se viu até agora em Brasília.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/coluna/2025/11/tumulto-na-discussao-do-pl-antifaccao-expoe-improviso-de-quem-deveria-combater-o-crime.ghtml

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