Pesquisas recentes ampliam as possibilidades de prevenção e controle da condição neurológica complexa, unindo protocolos consagrados e biotecnologia
A enxaqueca é uma condição neurológica complexa, que vai muito além da simples “dor de cabeça forte”. Quando se torna crônica, o paciente sente dores em 15 ou mais dias por mês, com características migranosas em pelo menos 8 desses dias. Além da dor, outros sintomas como náuseas, sensibilidade à luz e sons, e fadiga intensa prejudicam de forma significativa a vida pessoal e profissional.
O tratamento preventivo e a aplicação clínica
O tratamento preventivo é recomendado quando aumenta a frequência das crises, quando a dor se torna incapacitante ou quando o uso de analgésicos se torna excessivo. É nesse cenário que a toxina botulínica e os anticorpos monoclonais ganham relevância, ambos com sólido respaldo científico.
O protocolo PREEMPT e a toxina botulínica
Apesar de sua recente popularização nas redes sociais, o uso de toxina botulínica para a enxaqueca crônica foi aprovado em 2010 com base nos estudos do protocolo PREEMPT (Phase 3 REsearch Evaluating Migraine Prophylaxis Therapy). Esse protocolo orienta a aplicação de 155 unidades da toxina, distribuídas em 31 pontos na cabeça e pescoço, a cada 12 semanas.
Essas aplicações contribuem para reduzir a frequência e intensidade das crises, melhoram a qualidade de vida e diminuem o uso de medicamentos analgésicos. A estratégia pode ainda ser adaptada com o método “follow the pain”, que direciona doses extras para áreas onde a dor é predominante.

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Anticorpos monoclonais: inovação no controle da enxaqueca
Mais recentemente, surgiram os anticorpos monoclonais anti-CGRP (calcitonin gene-related peptide) e anti-receptores de CGRP. Essas moléculas bloqueiam a ação do CGRP, peptídeo diretamente envolvido no mecanismo da dor migranosa. Entre os medicamentos disponíveis estão erenumabe, galcanezumabe, fremanezumabe e eptinezumabe, com esquemas de injeções mensais ou trimestrais. Oferecem praticidade, boa tolerabilidade e são especialmente úteis para pacientes com enxaqueca refratária ou que apresentam efeitos colaterais com outras medicações.
Combinações, desafios e perspectivas futuras
Cresce na comunidade médica o interesse em combinar toxina botulínica com anticorpos monoclonais em casos de difícil controle. Estudos observacionais apontam que essa abordagem pode ser mais eficaz do que o uso isolado das medicações, embora ainda faltem ensaios clínicos randomizados de grande escala para consolidar a prática como padrão.
Outro avanço é a adaptação individualizada da dose da toxina botulínica. Pesquisas apontam que aumentar a dose para 200 unidades pode beneficiar pacientes que respondem apenas parcialmente ao protocolo tradicional.
Custos, acesso e consciência pública
Apesar da eficácia, esses tratamentos ainda têm custo elevado e não são amplamente disponibilizados pelos sistemas públicos ou pelos planos de saúde no Brasil. A avaliação criteriosa por um neurologista é indispensável para indicar corretamente o tratamento, monitorar os efeitos e ajustar a conduta conforme a resposta do paciente.
A visibilidade do tema nas redes sociais pode ser positiva para aumentar a conscientização sobre a enxaqueca. Contudo, é fundamental diferenciar os conteúdos baseados em ciência de abordagens sensacionalistas ou estéticas, que minimizam a gravidade da doença e seu impacto sobre a vida dos pacientes.
Conclusão: medicina baseada em evidências para mudanças reais
O uso de toxina botulínica e de anticorpos monoclonais representa um importante avanço no tratamento da enxaqueca crônica, oferecendo alívio a pacientes antes sem grandes opções terapêuticas. Apesar da exposição do tema por influenciadoras digitais, trata-se de intervenções respaldadas por anos de pesquisa clínica, como o protocolo PREEMPT, e hoje potencializadas pela biotecnologia. A recomendação permanece: procure um neurologista, discuta os critérios diagnósticos, histórico de tratamentos prévios e avalie riscos, benefícios e custos antes de iniciar qualquer intervenção.
*Por Prof. Dr. Marcelo Zalli – CRM/SC 17.333 – RQE 13.326
Neurologista
Professor Titular de Neurologia na Universidade do Vale do Itajaí
Membro da Brazil Health