Teatro, por Claudia Chaves: “Pequeno Circo de Mediocridades”

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Ambientes íntimos. Pessoas que se conhecem, que circulam em torno de si mesmas. Animais em cativeiro que entram, saem e retornam ao ponto inicial. Estão no picadeiro, mas são incapazes de perceber a plateia.

Imagine um jantar elegante: quatro pessoas bem-vestidas, vinho caro, piadas sobre o preço do metro quadrado. Lá fora, alguém é espancado até quase morrer. Eles ouvem. Mas, afinal… o vinho é francês.

A peça de Leonardo Netto é isso. Um desfile de boas maneiras e péssimos valores. E o público ri. Ri porque é engraçado. Ri apesar da dor. Ri porque, no fundo, sabe que está no cardápio.

“Pequeno Circo de Mediocridades” é composta por sete cenas independentes — sete espelhos nos quais a classe média brasileira, branca, moralista e que se julga bem-intencionada, se olha… e não se enxerga. Quanto aos outros, seu olhar é de desprezo.

(Dalton Valerio/Divulgação)
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A dramaturgia é feita de todos os sentimentos: estranheza, piedade, cinismo, ausência, solidão. Leonardo atua como um mestre de cerimônias, um domador com um chicote que estala nos textos. Cada cena é um crescendo de desconforto: começa com piadas entre amigos e termina em sangue, ruínas e um monstro no quarto ao lado. Tudo embalado por um humor que lembra o inglês: seco, cínico, cruel — mas educado, claro.

O cenário de André Sanches, com um minipicadeiro ao centro, é a cereja amarga do bolo. Os personagens desfilam ali como palhaços trágicos, convencidos de sua superioridade, enquanto o mundo — real, quente, desigual — ruge do lado de fora. Luiza Fardin, com figurinos limpos e discretos, traduz esse “apagamento superior” de quem acha que ser neutro é não ter culpa. A trilha sonora de Netto mantém o clima de “tudo sob controle”, mesmo quando tudo desmorona.

Pequeno Circo de Mediocridades, foto Dalton Valerio
(Dalton Valerio/Divulgação)
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A direção é milimétrica. Os atores Alexandre Varella, Elisa Pinheiro, Gustavo Falcão e Marina Vianna mudam de corpo, voz e alma a cada quadro. São gente comum — e é justamente isso que assusta. Porque o horror não vem de monstros imaginários. Vem de um comentário racista dito com sorriso. De um atropelamento tratado como burocracia. De um amor que vira crime. De um jantar de pura perplexidade. São sete atos, mas poderiam ser sete dias da semana.

A maior ironia? Eles acreditam que são as vítimas. Sempre. Pobres coitados da classe média que perderam tudo — menos os privilégios, claro.

Pequeno Circo de Mediocridades, foto Dalton Valerio
(Dalton Valerio/Divulgação)
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Leonardo Netto acerta ao não poupar ninguém. Nem os personagens, nem o público. O humor é ferramenta e armadilha. Rimos porque dói menos que pensar. Mas a peça nos oferece mais que riso: oferece um espelho rachado. E, em algum momento, todo mundo se vê ali — ainda que por frações de segundo.

É desconfortável. Como deve ser o teatro que nos leva à reflexão sobre nosso lugar no mundo.

Serviço:
Teatro Poeirinha
Quintas a sábados, às 20h | Domingos, às 19h

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Claudia Chaves
(Arquivo/Arquivo pessoal)

 



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