“O Som que Vem de Dentro” é um daqueles raros espetáculos que não se contentam em narrar uma história comum: ele insere o espectador dentro da própria trama, costurando cada silêncio e cada palavra de modo a criar uma atmosfera em que pensamento e emoção se confundem. A peça mergulha na relação entre duas figuras profundamente marcadas pela literatura e pela angústia existencial, construindo um tecido dramático que oscila entre intimidade e tensão, leveza e perigo.
A direção de João Fonseca é decisiva para essa profundidade. Eclético e competente em todas as frentes, Fonseca demonstra pleno domínio da dramaturgia e um senso refinado de ritmo, criando transições fluidas entre memória e presente, fantasia e realidade. Permite que a obra respire com naturalidade, sem perder intensidade. Ele evita soluções fáceis e aposta na força da palavra, mas sem abrir mão de uma composição visual precisa, na qual a luz, o espaço e o movimento mínimo ampliam a densidade emocional das cenas.

O elenco — formado por Gláucia Rodrigues, na pele de uma professora de literatura confrontada com uma doença grave, e André Celant, como o jovem escritor inquieto e desajustado — sustenta a peça com interpretações que nunca cedem ao melodrama. Rodrigues entrega um retrato comovente de uma mulher de força vulnerável, em que coragem e fragilidade coexistem de forma palpável, enquanto Celant captura com sensibilidade a inquietude e o fervor criativo de seu personagem. Juntos, eles constroem um diálogo que pulsa entre afeto, estranhamento e uma necessidade visceral de se entender e ser compreendido, transformando a relação numa verdadeira coreografia emocional que margeia o íntimo e o universal.

O resultado é um espetáculo que continua reverberando muito depois de as luzes se apagarem. Em vez de entregar respostas prontas, O Som que Vem de Dentro provoca reflexões profundas sobre criação, solidão, responsabilidade e desejo, deixando no público a sensação incômoda — e bela — de que algo dentro de nós foi tocado. Talvez para nunca mais se calar por completo.
SERVIÇO:
Teatro Glauce Rocha – Avenida Rio Branco, 179, Centro
Até dia 14/12
Sextas e sábados: 19h
Domingos: 18h


