Flávio Marinho sempre encontrou no teatro a sua casa. Dramaturgo, crítico, diretor, homem de letras e de humor, agora ousa dar um passo além e se lançar como ator. E faz isso em grande estilo: brincando com o cinema de François Truffaut, mas, acima de tudo, celebrando o teatro, a música e os talentos que atravessam a sua trajetória. O espetáculo que apresenta não é apenas uma playlist bem escolhida: é uma declaração apaixonada à arte, do encantamento do menino curioso ao mergulho definitivo no ofício teatral.
No palco, Flávio não apenas atua: ele costura, borda, chuleia. Diríamos no passado, um chansonnier como Maurice Chevalier. Sua presença é feita de significantes que vão do humor refinadíssimo a momentos de melancolia, sempre atravessados por uma rara positividade. Como um verdadeiro lord da cena, mereceria um título honorífico pela coragem de se reinventar e pela generosidade de transformar sua trajetória em encontro compartilhado com o público.
Essa aventura não acontece sozinho. A direção é de Luciana Braga, que, como a luz que seu próprio nome evoca, transforma palco e cena em espetáculo maior: cada gesto, cada pausa, cada respiração são iluminados por uma sensibilidade que amplia a experiência. É uma condução que não se limita a organizar a cena, mas a revelar sua essência, transformando tudo em espetáculo do que é iluminado.
Na música, o espetáculo ganha vigor com a direção de Liliane Secco, premiada e reconhecida pela excelência de seus arranjos. Mais do que organizar sons, ela sopra vida e força às canções, criando uma tessitura sonora que envolve, emociona e sustenta a dramaturgia com frescor e potência. Seu trabalho é um sopro contínuo, cheio de energia e vigor, que transporta o público para diferentes paisagens sonoras.
E se Flávio oferece o fio condutor, é a voz de Soraya Rezende que o acompanha com intensidade rara. Capaz de atravessar oitavas, ritmos e idiomas com uma consistência difícil de se encontrar no Brasil — e mesmo além de nossas fronteiras —, Soraya encanta não apenas pela técnica impecável, mas pelo gesto poético que a torna única. No instante em que se curva e as mãos cobrem os pés, a “pequena tirana” conquista a plateia com delicadeza e presença, traduzindo em corpo e som a medida exata da paixão pelo palco.
É nesse diálogo — Flavio, Luciana, Liliane, Soraya — que a peça encontra sua forma definitiva: um espetáculo que brinca, emociona e celebra a vida. Um elogio à arte que não se esgota na homenagem, mas se renova a cada encontro com o público.
Serviço:
Teatro Vannucci (Shopping da Gávea)
Quartas às 20h; quintas e sextas às 18h