A operação da Polícia Civil no Complexo da Maré, nesta sexta-feira, na Zona Norte, além de ter provocado o fechamento momentâneo da Linha Amarela, causou mais uma troca de farpas entre integrantes do primeiro escalão dos governos estadual e municipal. Foi o segundo episódio do tipo, num período de apenas oito dias. Desta vez, o secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, chamou Daniel Soranz, secretário municipal de saúde, de “fanfarrão” e de “mentiroso”, ao ser perguntado por um jornalista, durante entrevista coletiva na Cidade da Polícia, no Jacaré, se considerava a operação exitosa, apesar de postagens feitas por Soranz relatarem ter ocorrido um “caos” que acabou com a suspensão de atendimento em quatro unidades de saúde na região da Maré.
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Numa primeira postagem, o secretário de saúde exibe um vídeo com cenas da troca de tiros e escreve a legenda “mais um dia de caos nas unidades de saúde. Tiroteio intenso na Maré”. Em outra, Soranz mostra marcas de disparos e escreve “Operação na Vila dos Pinheiros com helicóptero atirando em torno da clínica da Família Adib Jatene. Olha o chão com as marcas dos tiros”. Curi rebateu a crítica dizendo que o secretário de saúde deveria cuidar dos hospitais. E acusou Soranz de querer politizar a segurança pública.
— Acho que esse secretário de Saúde aí, está querendo muito politizar a questão da segurança pública. Ele devia cuidar do quintal dele, da área dele, cuidar dos hospitais, das unidades de saúde, que também têm muita reclamação. Não é um caos. Infelizmente, se chegou nesse caos, muito foi por conta da desordem urbana, porque a gente estava ali numa comunidade com crescimento desordenado, com construções irregulares e desordenadas, que há décadas a gente vem atuando aqui— disse.
E completou, dizendo que o secretário de Saúde quer politizar a questão da segurança pública.
— Quem deixou chegar nesse ponto foi a desordem urbana e isso é atribuição da prefeitura e não da polícia. A gente atua na consequência e não na causa. Quem deu causa para que a gente pudesse ter que operar num ambiente desses não foi a polícia. Foi quem deixou esse ambiente crescer dessa forma. E também, agora a gente tem notícia de que a guarda municipal tem a sua força especial armada, então por que não coloca esses homens aí também para atuarem, ao invés de ficar criticando as atuações da Polícia Civil e da Polícia Militar? Então, isso aí não passa, novamente, de um mentiroso, de um fanfarrão, que quer ficar politizando a questão da segurança pública. Ele tem que tomar conta da área dele, tomar conta da atribuição dele, da pasta dele, que também não é lá essas coisas não — disse o delegado.
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Procurado para comentar o assunto, Soranz rebateu Felipe Curi e disse que não é falta de clínica da família que dá espaço para o crime organizado dominar territórios.
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— É óbvio que a segurança pública é uma questão de política pública. Quando um secretário é criticado, ele devia ao menos reconhecer que há um problema nesta crítica e não atacar a pessoa que o criticou. Não estou o atacando pessoalmente, mas estou falando de uma política pública ineficiente e sem inteligência que acontece no Estado do Rio de Janeiro. É uma política que dá espaço para o território ser dominado pelo crime organizado. Não é falta da clínica da família que dá espaço para o crime organizado. Porque a Maré, por exemplo, tem 100% de clínica da família. Tem 100% de cobertura de serviços básicos de saúde. Agora, cadê a presença policial dentro da Maré 100% para evitar que este território tenha domínio do tráfico? Quero ver ter 100% de cobertura policial na Maré como tem na saúde — disse.
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Soranz completou ainda dizendo que, como gestor de saúde, tem obrigação de discutir segurança pública por conta dos baleados que dão entrada nos hospitais.
— Estou discutindo política pública de segurança que afeta o serviço de saúde. Que coloca mais de mil pessoas baleadas nas unidades de saúde. Que apresenta aumento de 30% no número de baleados atendidos nas unidades do município. Ninguém pode ser secretário e se furtar de discutir política pública. Cobrar política de segurança não é fanfarronice. É, de fato, obrigação do gestor da saúde ou de qualquer gestor que lide com isso todo o dia. É minha obrigação fazer isso. Não vou me intimidar com essas falas do secretário. Não vou recuar. Ele está falando com um secretário que está há muito mais tempo que ele no cargo e que nunca viu uma situação tão grave como a que está agora — concluiu.
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Não é a primeira vez que as duas administrações batem-boca publicamente. No dia 18, após milicianos invadirem o Hospital Pedro II, em Santa Cruz, para tentar matar um paciente, Soranz aliado do prefeito Eduardo Paes, que é pré-candidato ao Governo do Rio, fez críticas a política de segurança do Estado. E afirmou que, só neste ano, as unidades de saúde precisaram interromper o funcionamento 516 vezes devido à insegurança pública. Em resposta, o secretário de Segurança Pública, Victor Cesar, disse, na ocasião, que o secretário municipal é um “mentiroso”.
— O secretário Soranz é um mentiroso ao dizer que a segurança pública do Rio de Janeiro está um caos e que existe insegurança. Hoje, nós temos os melhores números da série histórica da segurança pública do estado. Então, ele está mentindo. Esse tipo de mentira causa insegurança à população. Ele afirmar ao vivo que existem 516 ocorrências de segurança pública envolvendo hospitais é uma mentira. Hoje, nós temos pouco menos de 20% de ocorrências envolvendo hospitais e unidades do município. Então, precisamos ter responsabilidade para levar segurança às pessoas de bem que moram naquela comunidade — disse.
No último dia 23, O Globo publicou matéria mostrando dados de um documento sobre o assunto, elaborado pelo município. O relatório informa que, devido à violência armada no Rio, clínicas da família e postos de saúde precisaram fechar 698 vezes entre o início do ano e meados de setembro. A média é de quase três incidentes por dia.