O poder do Comando Vermelho (CV) no interior do Ceará ultrapassou os limites do tráfico de drogas e escancarou uma rede criminosa que envolve articulação política, dominação territorial e lavagem de dinheiro. A facção, além de financiar campanhas eleitorais para um candidato de Iguatu, ocupava o Condomínio Residencial Dom Mauro — conjunto do programa federal “Minha Casa, Minha Vida” — e controlava quem podia ou não morar ali. Empresários da região também foram identificados como peças-chave na lavagem de dinheiro do tráfico, usando empresas de fachada para movimentar recursos ilícitos.
A operação “Gladius”, deflagrada pela Polícia Civil na manhã desta quinta-feira (21), cumpriu 42 mandados de prisão e 45 de busca e apreensão em Iguatu, Fortaleza, Juazeiro do Norte e Russas. Entre os alvos estão líderes da facção, advogados, empresários e mulheres que atuavam como gestoras financeiras do grupo. O esquema revelado pela investigação mostra como o CV se infiltrou em diferentes camadas da sociedade, transformando bairros inteiros em zonas de influência criminosa.
Eleições sob influência do crime
A advogada Márcia Rúbia Batista Teixeira, presa em 2024, é apontada como peça central na articulação política da facção. Segundo a polícia, ela transferiu R$ 10 mil para Thiago Oliveira Valentim, o “Fumaça”, líder do CV em Iguatu, para que ele indicasse um coordenador de campanha em bairros dominados pela facção.
O objetivo era garantir apoio eleitoral a um candidato local, controlar a propaganda e influenciar diretamente o voto da população. A investigação aponta que o CV atuava como um “curador político” em áreas sob seu domínio.
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Minha Casa, Minha Vida sob domínio da facção
O Condomínio Residencial Dom Mauro, na Vila Gadelha, foi transformado em território do CV. Moradores eram coagidos, expulsos ou autorizados a viver no local conforme a vontade da facção. O conjunto habitacional, criado para oferecer moradia digna a famílias de baixa renda, virou uma base operacional do tráfico, com controle absoluto sobre quem entrava e saía.
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Dinheiro sujo e empresas limpas: o disfarce da criminalidade
Empresas de construção civil, eventos e revenda de veículos foram utilizadas como fachada para lavar o dinheiro do tráfico. Um dos empresários chegou a fornecer uma chave Pix vinculada ao CNPJ da empresa para receber diretamente os valores arrecadados pelas “bocas de fumo”. O dinheiro era então redistribuído para compra de armas, pagamento de integrantes e financiamento de campanhas políticas.
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Conexões internacionais e falhas federais
A operação também revelou conexões com o tráfico internacional. Francisco Willams da Silva, o “Will”, enviava carregamentos de cocaína do Paraguai para o Ceará. Ele foi executado em julho de 2024 na cidade de Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai, em uma disputa pelo controle da rota.
A entrada de armas e drogas pelas fronteiras expõe a fragilidade das políticas de segurança do governo federal, que tem sido criticado por não conter o avanço do tráfico entre os estados e pelas divisas internacionais.
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Mulheres no comando e comunidades reféns
Mulheres ocupavam cargos estratégicos dentro da facção, gerenciando o fluxo financeiro e coordenando ações em bairros como a Vila Gadelha. A operação revelou que o CV se organiza como uma empresa criminosa, com hierarquia, logística e divisão de tarefas — e com forte presença feminina em posições de liderança.
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Um retrato do avanço do crime organizado no Brasil
O que se viu em Iguatu é um retrato do avanço do crime organizado no Brasil. A operação “Gladius” foi um golpe duro contra o Comando Vermelho, mas também um alerta: sem controle de fronteiras, sem inteligência integrada entre estados e sem blindagem das instituições políticas, o tráfico continuará a ditar regras — inclusive sobre quem governa e quem mora.
2025-08-22 07:00:00