Após ser interditada por irregularidades técnicas na produção e venda de gasolina, a Refit apresentou queixa-crime contra dois diretores da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) — Pietro Mendes e Symone Christine de Santana Araújo — responsáveis pela fiscalização. Segundo a refinaria, que disse não ter tido direito à defesa, a interdição teria acontecido por causa de uma perseguição dos diretores.
Com a queixa-crime, a Refit pediu para que a Polícia Federal investigasse os dois diretores por supostos crimes de abuso de autoridade e prevaricação. Na última sexta (26), a refinaria foi interditada irregularidades fiscais e de importações de produtos. Segundo a ANP, a Refit estaria importando nafta como alternativa ao refinamento de petróleo, uma forma de vender gasolina pagando menos impostos.
Na queixa-crime assinada pelo escritório Albernard & Galvão, os advogados alegam que a fiscalização foi uma “devassa” sem planejamento, justificativa e que não teria sido comunicada ao todos os integrantes da ANP. A medida jurídica foi revelada pela Folha de S Paulo e confirmada pelo GLOBO.
A Refit alega que Pietro Mendes e Symone Christine de Santana Araújo não teriam competência legal para conduzir a fiscalização e acusa Mendes de conflito de interesses pelo fato dele ter sido presidente do Conselho de Administração da Petrobrás até o dia 20 de agosto. Os advogados anexaram uma entrevista de Mendes que afirma que a Petrobrás foi consultada, após a interdição da Refit, a fim de assegurar que não haveria risco no fornecimento de gasolina ao mercado do Rio.
“Este e outros elementos adiante colacionados evidenciam um claro e ilegal direcionamento persecutório contra a noticiante”, diz a peça, que cita ainda um “verdadeiro jogo de cartas marcadas, já se pretendia a interdição da noticiante, bem como que seus compradores passassem a adquirir combustível da Petrobrás”.
A Refit também diz que causou “espanto” a determinação da interdição considerando que a refinaria não teria histórico negativo em relação a essas irregularidades e que não havia sanção anterior. Ainda alega que essas irregularidades seriam “simples” de serem corrigidas.
” A noticiante foi surpreendida, sem direito de defesa prévia, com a mais gravosa das medidas, qual seja a interdição total e por prazo indeterminado de suas atividades” defendeu a Refit.
A refinaria também reclama que a interrupção de suas atividades representa “risco grave e imediato” ao seu funcionamento e chama a medida de “arbitrária, abusiva e absolutamente ilegal”.
Em meio às suspeitas de irregularidades fiscais e de importações de produtos, que resultaram na sua interdição na última sexta-feira (26), a Refit teve crescimento recente no mercado de combustíveis. Segundo análise do Instituto Combustível Legal (ICL), a refinaria, que foi autuada pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), dobrou sua participação na venda de diesel em São Paulo, ano passado, além de ampliar a comercialização de gasolina no estado e também no Rio. Para especialistas, os números indicam que a Refit vem obtendo vantagens tributárias, dificultando a livre concorrência.
Um relatório do ICL, obtido pelo GLOBO, mostra os dados de crescimento recente da Refit nos mercados paulista e carioca, onde atua por meio de distribuidoras coligadas. Em 2025, o diesel correspondeu a 44% das entregas da refinaria, enquanto a gasolina, a 56%. Em junho do ano passado, a refinaria representava 9,3% do mercado de gasolina de São Paulo e 5,3% da fatia de diesel. Um ano depois, a participação das vendas aumentou para 17,9% e 10,9%, respectivamente. Os números têm como base dados da ANP.
No mercado do Rio também houve ampliação. A refinaria carioca cresceu 7,7% suas vendas de gasolina e 3% as de diesel considerando o mesmo período, de junho de 2024 a junho de 2025. No Rio, a presença da Refit é maior do que em São Paulo. Em junho, último mês com o número disponível, a empresa representou 32% do mercado de gasolina carioca e 17,5% do de diesel.
Para o ICL, esse crescimento teria duas causas principais: as supostas fraudes tributárias e a cassação da Copape, a refinaria paulista que teve sua autorização revogada pela ANP ano passado, devido a irregularidades técnicas. “A queda da sua principal concorrente no mercado paulista alavancou a consolidação do grupo em SP, que se expande através de um diferencial competitivo pautado na inadimplência tributária”, aponta o relatório.
Após ser cassada, a Copape foi apontada como suposta fornecedora do PCC. A Operação Carbono Oculto, cujos desdobramentos levaram agora à interdição da Refit, avançou sobre a Copape no ano passado. A produtora de gasolina seria uma das empresas usadas no esquema de lavagem de dinheiro e sonegação de impostos em todo o setor de combustíveis de oito estados brasileiros, segundo a investigação do Gaeco do Ministério Público de SP, da Polícia Federal e da Receita Federal.
Na sexta-feira, supostas inconsistências técnicas foram constatadas também na Refit. Segundo a ANP, há suspeita de “importação irregular de gasolina”. Isso porque a refinaria adquiria uma substância chamada nafta, depois misturada com etanol, até ser vendida para os postos de gasolina. Além disso, faltariam evidências de que o refinamento de petróleo acontecia de fato, pelos dados operacionais internos.
O relatório do ICL explica como a Refit usa suas distribuidoras coligadas e a importação de nafta para conseguir vantagens tributárias. Atualmente, a nafta não está no regime de tributação monofásica, quando os impostos são recolhidos de forma concentrada no produtor ou importador. Segundo estimativas de Guilherme Vinhas, advogado especialista em óleo e gás, o imposto da nafta custa cerca de R$ 0,70 o litro, contra cerca de R$ 2 por litro no caso da gasolina refinada.
A inspeção da ANP levantou suspeitas de que a Refit estaria realizando a chamada “formulação” ou a mistura de nafta com etanol como alternativa ao refinamento da gasolina. Segundo dados do ICL, aproximadamente 65% da nafta importada em 2025 serviram para alimentar a produção da Refit.
— Esse cenário indica que a importação de nafta para a formulação de combustível, com tributação menor que a gasolina e sem o recolhimento monofásico do tributo, é um vetor poderoso de crescimento, que dificulta a livre concorrência — explica Vinhas.
O Senado analisa atualmente a possibilidade de incluir a nafta na tributação monofásica, o que aumentaria sua alíquota. Desde sexta-feira, a ANP passou a exigir certificado de análise em todo pedido de importação de nafta, como medida de combater possíveis fraudes.
— A gasolina está no regime de monofasia, ou seja, todo o imposto é recolhido pelo distribuidor ou importador da gasolina no início da operação, isso facilita a fiscalização e dificulta a sonegação. O que a Refit faz é importar nafta que não está sujeita ao regime de monofasia, de forma que o imposto deveria ser recolhido em cada etapa da cadeia, como venda para o distribuidor e depois para o posto revendedor — explica Vinhas.
Nessa etapa de recolher impostos por etapa, a Refit conseguiria sonegar impostos. Como medida para impedir isso, apontou o ICL, a Secretaria de Fazenda de São Paulo impôs regime especial para nove distribuidoras que participavam do repasse do combustível sem o devido recolhimento de imposto, o que obrigaria a apresentação de documentação de forma mais rígida. Em agosto, a secretaria cobrou R$ 210 milhões referentes aos impostos que deixaram de ser recolhidos por duas distribuidoras.
Apesar do seu crescimento comercial recente, a dívida da Refit segue aumentando. Segundo dados da Secretaria de Fazenda reunidos pelo ICL, desde a Reforma Tributária, a dívida da refinaria com o erário paulista cresce R$ 300 milhões ao mês.
“As demonstrações contábeis consolidadas da Refit evidenciam uma situação complicada, marcada por sucessivos prejuízos operacionais justificados pelos altos custos dos produtos, apesar da compra sob condições especiais (diferimento dos tributos)”, aponta o relatório do ICL, que complementa: “De acordo com os relatórios da própria refinaria, desde 2017, ano em que o plano de recuperação judicial foi homologado, até o ano de 2024, seu índice de endividamento cresceu em 255%”.
Como mostrou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, a empresa tem um passivo sobre o tributo estadual de R$ 28,6 de bilhões, sendo mais da metade (R$ 16,1 bilhões) devida ao estado do Rio de Janeiro. Outros R$ 10,6 bilhões são devidos a São Paulo, além de um saldo devedor no Paraná (R$ 1,8 bilhão) e outros R$ 179,8 milhões devidos a Minas Gerais.
Procurada, a Refit não respondeu sobre essas acusações.