Reação à operação no Rio escancara caô das autoridades no combate ao crime

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Da esquerda para a direita: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governador Cláudio Castro (PL-RJ) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes — Foto: Fotos de Arif Kartono/AFP, Pablo Porciúncula/AFP e Evaristo Sá/AFP


Na gíria das ruas cariocas já incorporada Brasil afora, caô significa mentira, papo furado, enrolação. Foi o que mais se viu durante a crise que sobreveio à operação da polícia do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha.

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Talvez pouca gente lembre que há dois anos, em outubro de 2023, o Rio foi aterrorizado por criminosos que queimaram 35 ônibus e um vagão de trem durante a operação que visava a prender o miliciano Zinho.

Na ocasião, Cláudio Castro (PL) se vangloriou de ter feito um “duro ataque” às milícias e disse que seu governo não descansaria enquanto não prendesse Zinho e dois outros bandidos perigosos, o também miliciano Tandera e o traficante Abelha. Zinho se entregou dois meses depois — à Polícia Federal (PF). Nunca mais se soube dos outros.

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Naqueles dias, os governos federal e estadual anunciaram a criação de um Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos (Cifra), para ajudar a descapitalizar as organizações criminosas. Além disso, Lula decretou uma GLO, a famigerada Garantia da Lei e da Ordem, para fiscalizar portos e aeroportos e asfixiar o crime. A tal Cifra morreu de inanição, e a GLO terminou melancolicamente sete meses depois sem que ninguém percebesse.

Desta vez, a operação no Alemão matou 121 pessoas, mas também não capturou o principal alvo, o traficante Doca. O governador, porém, não se apertou. Afirmou ter desferido um duro golpe no Comando Vermelho e prometeu novas operações.

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Ato contínuo, governo federal e estadual anunciaram outra iniciativa conjunta, agora batizada Escritório Emergencial de Combate ao Crime Organizado, com os mesmos objetivos e as mesmas parcas chances de funcionar — tanto que a única proposta prática, o envio de peritos ao Rio para auxiliar o Instituto Médico Legal (IML), nem sequer ocorreu, porque os mortos foram enterrados antes que o primeiro perito pudesse fazer as malas.

Ainda assim, na entrevista em que chamou a operação de matança desastrosa, Lula afirmou que enviaria legistas ao Rio para apurar de forma independente se houve abusos. Além de não conseguir evitar que o presidente desse uma declaração com potencial de estrago eleitoral, seus assessores o fizeram aumentar a lista de caôs, já que não avisaram a ele que não haveria legista nenhum.

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Enquanto tudo isso acontecia, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desembarcou no Rio. Depois de inspecionar o Centro Integrado de Comando e Controle do estado, visitar o prefeito, o presidente do Tribunal de Justiça e ouvir ONGs, ele mandou abrir um inquérito para investigar o crime organizado.

Acontece que esse inquérito já foi aberto em agosto passado por ordem do próprio Supremo. Foi nele que se fizeram a operação sobre uma quadrilha do CV que fabricava fuzis, a que prendeu um deputado estadual acusado de lavar dinheiro da facção e apreendeu 5 toneladas de drogas.

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A única novidade em meio ao rame-rame foi o Projeto de Lei que classifica as facções criminosas e milícias como organizações terroristas. Proposto pela direita como cópia assumida do que fez Donald Trump nos Estados Unidos, o texto avançou rapidamente na Câmara dos Deputados e tende a ser aprovado com a lei antifacção do governo.

Além de ser péssima ideia, ele tem tudo para causar ainda mais problemas. Primeiro porque, como o terrorismo é considerado no mundo todo um crime extraterritorial, a lei abrirá brecha a intervenções não só dos Estados Unidos, mas também de outros países sobre território, empresas e bancos brasileiros, caso se decida unilateralmente que teriam relação com essas organizações.

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Depois porque, pelo projeto, ao se tornarem terroristas, facções e milícias passariam a ser atribuição da PF, e não mais das polícias e do Ministério Público estadual. Isso interromperia investigações em curso, desmantelaria a já insuficiente colaboração entre as forças de segurança e tiraria poder dos estados no combate ao crime —exatamente o que fez os governadores da direita rechaçar a PEC da Segurança Pública do governo Lula.

Dado esse efeito colateral, não é difícil supor que alguém surgirá com uma emenda para desidratar as atribuições da PF e manter a mudança de designação, fazendo pairar sobre o Brasil mais um foco de tensão, com a possibilidade de Trump, num de seus delírios, reivindicar para si o combate ao Comando Vermelho e ao PCC.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/coluna/2025/11/reacao-a-operacao-no-rio-escancara-cao-das-autoridades-no-combate-ao-crime.ghtml

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