Os Estados Unidos enviaram vários navios da Marinha e milhares de militares para perto das águas venezuelanas. O governo Trump afirma que o reforço militar tem como objetivo atacar embarcações com drogas, que têm os EUA como destino. Na última terça-feira, por exemplo, o presidente afirmou que as tropas americanas mataram 11 pessoas em um ataque a um barco no sul do Caribe, que, segundo ele, transportavam drogas da Venezuela.
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Para autoridades americanas, os carregamentos de cocaína venezuelana estão contribuindo para mortes por overdose nos EUA e que a droga muitas vezes é misturada com fentanil. Eles também acusam o líder autocrático da Venezuela, Nicolás Maduro, de comandar um cartel de narcotráfico.
Na última segunda-feira, durante uma coletiva de imprensa em Caracas, Maduro chamou o reforço naval dos EUA de “a maior ameaça de que nosso continente viu nos últimos 100 anos”.
Venezuela não produz tanto, mas distribui
A Venezuela não é um grande produtor de cocaína, mas serve como um centro de distribuição. A longa e porosa fronteira com a Colômbia — maior produtor mundial da droga — fornece aos traficantes acesso a mercados globais.
Instituições estatais frágeis e a corrupção generalizada consolidaram o tráfico. Acusações americanas e registros colombianos vazados descrevem forças de segurança venezuelanas como responsáveis pela supervisão de carregamentos de drogas no valor de bilhões de dólares.
Em 2020, estimativas dos EUA indicaram que entre 200 e 250 toneladas de cocaína passavam pela Venezuela — cerca de 10% a 13% do fornecimento global. Outros países, no entanto, têm participação muito maior. Em 2018, 1.400 toneladas de cocaína passaram pela Guatemala, segundo dados divulgados pelos EUA. Para especialistas, o cultivo doméstico de cocaína na Venezuela é “insignificante”.
Diferente dos cartéis mexicanos, as quadrilhas venezuelanas dependem mais da extorsão local do que do tráfico de drogas para gerar dinheiro, segundo David Smilde, sociólogo que estuda a violência na Venezuela na Universidade de Tulane, nos EUA.
Venezuela não tem papel no comércio de fentanil
O fentanil é quase inteiramente produzido no México com produtos químicos importados da China, de acordo com a Agência Antidrogas, o Departamento de Justiça e o Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA. O México está próximo do mercado americano, e os cartéis mexicanos já controlam muitas rotas de contrabando da substância.
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Embora a cocaína nos EUA apresente traços de fentanil, segundo a DEA e estudos acadêmicos, especialistas dizem que a mistura acontece no México ou dentro dos Estados Unidos, não na América do Sul.
Não há evidências, inclusive, de que o fentanil seja fabricado ou traficado da Venezuela ou de qualquer outro país da América do Sul.
Maduro foi acusado de narcotráfico
Promotores dos EUA acusaram o presidente da Venezuela de liderar o Cartel de los Soles (Cartel dos Sóis), termo usado para descrever redes de elites militares e políticas que lucram com o tráfico de drogas e outros negócios ilícitos.
Em 2020, por exemplo, o Departamento de Justiça americano acusou Maduro e 14 cúmplices de conspirar com grupos armados colombianos para enviar cocaína aos EUA, alegando que Maduro negociou pessoalmente carregamentos da droga e entregou armas a traficantes. Maduro não foi julgado, e muitas das acusações permaneceram sem provas.
Mas os analistas dizem que as receitas ilícitas — de contratos corruptos, tráfico de drogas, mineração ilegal de ouro e desvio de fundos destinados a programas estatais — ajudam a garantir a lealdade e a sustentar o seu governo. Esses recursos fluem para Maduro e seu círculo próximo, incluindo as Forças Armadas e a elite do partido — um exemplo de como funciona o Cartel de los Soles.
— Se há algo em que Maduro é bom, é em manter as altas patentes gordas e satisfeitas — disse Geoff Ramsey, pesquisador para a Venezuela no Atlantic Council, instituto de pesquisa de Washington. — Ele roubou a liderança militar e a estrutura do partido por meio de esquemas massivos de patrocínio e uma rede nacional de corrupção.
Segundo especialistas, autoridades venezuelanas têm vínculos com grupos armados colombianos envolvidos no narcotráfico há muito tempo: primeiro com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e, mais recentemente, com o ELN (Exército de Libertação Nacional), que opera dentro da Venezuela. Várias autoridades da Venezuela, que romperam com o governo, acusaram líderes de permitir ou participar diretamente do comércio ilegal.
A secretária de Justiça dos EUA, Pam Bondi, anunciou recentemente uma recompensa de US$ 50 milhões (cerca de R$ 270 milhões na cotação atual) por informações que levem à prisão de Maduro.
— Ele é um dos maiores narcotraficantes do mundo e uma ameaça à nossa segurança nacional — afirmou Bondi no mês passado.
Reforço naval dos EUA não impedirá contrabando
A maior parte da cocaína com destino aos EUA passa pelo Pacífico, e não pelo Caribe, segundo dados divulgados pela Colômbia, EUA e ONU.
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Em 2019, de acordo com a Agência Antidrogas dos EUA, cerca de 74% dos carregamentos de cocaína foram transportados pelo Pacífico, principalmente da Colômbia e do Equador, em comparação com 24% pelo Caribe.
“O Corredor do Pacífico se consolidou como a principal rota de cocaína para a América do Norte”, informou a Marinha colombiana neste ano.
As rotas da cocaína são difusas e resilientes, e os EUA não conseguiram interrompê-las, apesar de décadas de esforços e bilhões de dólares investidos.
Operação naval foi demonstração de força
Analistas afirmam que a operação foi mais uma demonstração de poder do que uma estratégia antidrogas do governo Trump. Ramsey, o pesquisador do Atlantic Council, afirmou que Trump, que fez campanha prometendo encerrar guerras, dificilmente atacaria a Venezuela.
— Isso é menos uma operação contra o narcotráfico e mais uma demonstração de força — disse. — Trata-se de uma tentativa de intimidação para ver o que acontece.
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A medida, ainda de acordo com ele, também tem impacto político interno. Muitos eleitores venezuelanos e cubanos no sul da Flórida, que se opõem a qualquer relação comercial entre a Venezuela e os EUA, ficaram irritados com algumas decisões do governo Trump. A primeira de permitir que a Chevron retomasse operações petrolíferas na Venezuela, e a segunda com as negociações diretas que levaram à retomada dos voos de deportação para Caracas. O petróleo, vale lembrar, é uma das principais fontes de receita da Venezuela.
Ambos os acontecimentos foram vistos como um sinal de aquecimento nas relações, o que conferiu legitimidade a Maduro. O reforço naval, segundo analistas, oferece uma forma de demonstrar firmeza sem comprometer a política dos EUA.
2025-09-04 11:12:00