A Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ) abriu um processo para investigar a morte de um homem com esquizofrenia paranoide que morreu um dia após sofrer agressões dentro de uma unidade da Igreja Universal do Reino de Deus na Rua Aurélio Valporto, em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio. A família conta que Giusepe Bastos de Sousa, de 31 anos, que foi diagnosticado com a doença há cinco, teve um surto em casa por volta das 17h de domingo (14), ficou agressivo e saiu para a rua. A mãe foi atrás e o encontrou dentro do templo, o qual Giusepe frequentava há cerca de três anos, já estirado no chão e imobilizado por um pastor. Logo em seguida, ligou para uma das irmãs da vítima, a operadora de Telemarketing Desire Bastos de Sousa, que testemunhou o irmão já inconsciente ao chegar ao local.
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— O pastor estava em cima do meu irmão com todo o peso dele, imobilizando seu pescoço. Meu irmão já não apresentava sinais de vida; estava desacordado. Os membros da igreja não queriam deixar que eu me aproximasse dele, dizendo que ele estava dormindo e que iria ficar tudo bem. Então, chamamos o Samu. Os socorristas entraram na igreja e pediram que o pastor saísse de cima dele. Não encontraram sinais vitais no pulso e tentaram reanimá-lo. Até que, na terceira tentativa, ele apresentou pulsação, apesar de ainda estar muito mole, e o levaram para a UPA de Marechal Hermes — detalhou Desire. — Tudo aconteceu no estacionamento da igreja. Enquanto isso, o culto continuava acontecendo normalmente, mesmo com meu irmão quase morto.
De acordo com a irmã, os membros da igreja alegaram que Giusepe chegou exaltado, quebrou um dos portões e tentou agredir uma pessoa no local.
— Mesmo que isso seja verdade, ele era esquizofrênico e estava em surto. Não estava fazendo aquilo de forma racional, estava doente. Bastava simplesmente o conterem, segurando braços e pernas, já que havia homens fortes no local. Poderiam até amarrar, contanto que não tirassem a vida dele, e chamar a polícia. Mas asfixiaram e mataram meu irmão. Outras pessoas da minha família que chegaram antes de mim disseram que tinha uns quatro homens em cima dele. Foi uma covardia — protesta a irmã.
A morte de Giusepe foi declarada na manhã de segunda-feira (15). A declaração de óbito emitida pela unidade de saúde informa que foram identificados sinais de asfixia por constrição da região cervical, que ocorre quando há compressão do pescoço, e broncoaspiração, entrada acidental de substâncias no pulmão, como saliva. Foram identificadas escoriações e hematomas no antebraço e nos dedos direitos e na parte da frente do pescoço.
— Quando fui ver o corpo dele, havia sinais claros de enforcamento e estrangulamento, com marcas roxas no pescoço e feridas na boca, no braço e na testa dele — lamenta Desire.
A Fundação Saúde, que administra a Unidade de Pronto Atendimento de Marechal Hermes, informa que o paciente deu entrada na unidade na noite de domingo em estado grave e que ele foi prontamente atendido por equipe multidisciplinar, que prestou toda a assistência necessária a seu quadro de saúde. Apesar dos esforços, diz, o paciente morreu na manhã de segunda-feira.
O caso foi registrado na 30ª DP Marechal Hermes ainda no domingo, antes da morte, como lesão corporal.
— Já ouvimos algumas pessoas. Hoje (quarta-feira), estivemos lá. A igreja informou que não há gravação de imagem das câmeras. Estamos aguardando o laudo cadavérico para indicação exata da causa da morte, quais as lesões que ele possui e para retificar o registro de acordo com a causa da morte — diz o delegado Flávio Loureiro.
“O melhor dos quatro filhos”
Desire descreve Giusepe como alguém originalmente caseiro, carinhoso e inteligente. Gostava de ler, desenhar e ver filmes.
— Meu irmão era o melhor entre os quatro filhos que minha teve. Não bebia, não usava drogas e não costumava ficar na rua. Tinha uma vida ativa antes da doença, serviu ao exército, trabalhou como garagista e malhava, além de sempre ter o hábito de buscar a Deus. Era respeitoso, sábio e calmo. Mas, infelizmente, houve uma mudança de personalidade após o diagnóstico da esquizofrenia. A família sempre tentou tratamento, mas ele não conseguiu reconhecer que estava doente e que precisava de ajuda. Não aceitava tomar medicamentos, apesar dos esforços insistentes da família. E se tornou alguém muito desconfiado, o que é uma característica da doença — relata Desire.
O corpo de Giusepe foi sepultado na tarde de quarta-feira (17), no Cemitério de Irajá. A irmã diz que a família está inconformada.
— Até agora, não estou conseguindo digerir o que aconteceu. Não consigo achar conforto e ficar bem. Se eu não tomar remédio, eu não durmo. Meu pai está desolado, porque meu irmão era o melhor amigo dele. Era com quem ele conversava sempre que chegava do trabalho. A família toda está indignada com a situação. Todo mundo que conhecia verdadeiramente o meu irmão sabe que ele não merecia isso, que ele não era um monstro. Ele não merecia esse fim — lamenta Desire. — O mínimo agora é que a Justiça seja feita. Que todos paguem. Não pode haver alívio para quem tirou o filho, o irmão, um pessoa querida das nossas vidas.
O que diz a Igreja Universal
Questionada, a Igreja Universal diz que, no domingo (14), “um homem em estado de agitação chegou ao templo em Marechal Hermes, causando preocupação entre os presentes. Durante o episódio, ele se feriu ao quebrar uma porta de vidro e agrediu um frequentador. A situação envolveu também uma voluntária da Igreja, que foi perseguida até o estacionamento. A equipe da Igreja agiu prontamente para proteger os presentes e aguardou a chegada do Samu e da polícia, já acionados. A Instituição registrou boletim de ocorrência e está colaborando com as autoridades competentes”.