A Polícia Civil de São Paulo e a Vigilância Sanitária continuam, nesta quarta-feira, 1º, as operações contra a venda de bebidas adulteradas com metanol no estado. Endereços na região da Bela Vista, no centro da capital paulista, e na cidade de Barueri, na Grande São Paulo, foram vistoriados. Os locais seguem sem ser divulgados, segundo as autoridades, para não atrapalhar as investigações. Até agora, três locais foram interditados: dois deles na capital e um em São Bernardo do Campo, na região metropolitana.
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Até agora, equipes do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), que concentra as investigações sobre o tema, apreenderam mais de 800 garrafas de bebidas alcoólicas durante fiscalizações realizadas na capital entre os dias 29 e 30.
Os produtos, segundo a polícia, foram encaminhados para análise no Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Técnico-Científica. Os responsáveis pelos locais prestaram esclarecimentos na sede do departamento.
Em Mogi das Cruzes, a Polícia Civil apreendeu 80 garrafas de bebidas com indícios de adulteração e falsificação em uma adega. Os proprietários do local são investigados. Em Americana, uma ação do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) resultou em duas pessoas detidas e mais de 17,7 mil bebidas apreendidas.
De acordo com o governo do Estado, o número de mortes suspeitas por intoxicação por metanol em São Paulo era de cinco pessoas. Nesta terça-feira, a prefeitura de São Bernardo do Campo notificou outro caso suspeito, que pode levar o total de mortes suspeitas para seis pessoas.
Dos 22 casos notificados até o momento pelo governo, sete são confirmados e 15 estão em investigação.
Em entrevista à GloboNews a coordenadora da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Saúde do estado, Regiane Cardoso de Paula, afirmou que o estado tem dialogado com o governo de Pernambuco, que também registrou casos suspeitos de intoxicação por metanol. De acordo com a coordenadora, em São Paulo, a capital paulista e o município de São Bernardo do Campo trem registrado o maior número de casos.
O advogado Marcelo Macedo Lombardi, de 45 anos, morreu no último domingo (28) em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, após ingerir bebida alcoólica. Ele morreu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória e falência de múltiplos órgãos e, no atestado de óbito, a causa da morte foi intoxicação por metanol. Em entrevista à TV Globo, a irmã e sócia do advogado, Fernanda Lombardi, contou que como foi tudo muito rápido, a família não conseguiu saber detalhes de como ou onde ele ingeriu a bebida.
— Quando foi diagnosticada a intoxicação por metanol, ele já estava desorientado. E não tivemos como saber nenhuma informação dele. Logo cedo, no sábado, ele acordou e estava sem a visão. Ele só estava vendo um clarão. Foi levado para o hospital com a esposa e a minha mãe. Só que o quadro foi se agravando gradativamente — declarou.
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Um dos casos mais graves é o de Rafael dos Anjos Martins Silva, de 26 anos, que deu entrada no Hospital Geral do Grajaú (HGG) no dia 1° de setembro. De acordo com Boletim de Ocorrência, Silva teria ingerido uma quantidade maior de gin, comprado no estabelecimento, na madrugada do dia 31 de agosto. Ele está em coma.
Na manhã após Rafael e amigos ingerirem a bebida, ele teria vomitado e relatado dores abdominais. Na madrugada do dia 1° de setembro, o quadro se agravou e ele seguiu para o HGG. “A vítima começou a gritar que estava cego e que o seu genitor levou ao HGG junto com a mãe de Rafael”, diz o BO.
— Ele teve uma perda de visão, a parte funcional de rim e do fígado. Mas, para além da adega, que nós recolhemos materiais e aguardamos agora o resultado da perícia, também vamos investigar onde o Rafael andou antes de ingerir esse gin. O que ele consumiu antes? Porque os amigos dele não ficaram tão mal, ficaram com aquela ressaca — acrescentou o delegado Carlos Alberto Achoa Mezher, titular do 48° DP (Dutra), nesta segunda-feira.
Diogo Marques e Karolaine dos Santos
Na noite de sábado, 30 de agosto, Karolaine dos Santos, de 27 anos, se encontrou com quatro amigos, incluindo Rafael, na região da Cidade Dutra, na Zona Sul de São Paulo. O grupo comprou duas garrafas de gin, gelos de coco e energéticos e foi beber na casa de um deles. No dia seguinte, começaram a passar mal e todos tiveram que ser internados.
— No domingo, eu acordei sentindo muita dor de cabeça, muita tontura e a sensação é de que eu ainda estava bêbada. Depois começa a dar uma moleza, falta de ar, a gente fica meio ofegante — contou Karolaine ao GLOBO.
Ela lembra que estranhou a reação, pois estava acostumada a beber o gin, da marca Tanqueray, e que por ser uma bebida de qualidade não imaginava essa reação. Mas a preocupação aumentou quando ela ficou sabendo que os amigos Rafael e Natalia Gama estavam tendo sintomas ainda mais fortes. Naquele mesmo dia, mais tarde, Rafael começou a perder a visão.
Tanto Rafael quanto Natália passaram por exames que acusaram a presença de metanol no sangue. Na segunda a noite, Karolaine e os outros dois amigos que haviam bebido no sábado foram ao hospital, e o resultado foi o mesmo para todos: eles haviam ingerido metanol. Enquanto Natália e Rafael foram para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), os outros três ficaram internados em observação, por três dias, e foram medicados até que voltassem a se sentir bem.
Também desse grupo de amigos, Diogo Marques relatou cegueira temporária. Em entrevista ao Fantástico, ele contou ter ficado internado durante três dias. O grupo registrou um boletim de ocorrência no 48º DP, da Cidade Dutra, e a Polícia Civil investiga o caso.
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Outro caso de paciente que segue em internação é o da designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos. Ela saiu para comemorar um aniversário em um bar nos Jardins, área nobre de São Paulo, no último dia 19. Lá, tomou três caipirinhas feitas com vodca. No dia seguinte, os sintomas não eram de uma ressaca comum: ela sentiu a visão turva, muito enjoo e problemas para lembrar informações básicas sobre si mesma. Na noite daquele sábado, ela foi internada, intubada, e desde então está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) — e está cega.
Outra vítima foi identificada como Wesley Neves Pereira, de 31 anos. Ele está internado desde 24 de agosto, quando entrou em coma depois de beber uísque com amigos na Zona Sul da capital paulista. O homem perdeu a visão.
— Ele teve uma pneumonia por broncoespasmo. Depois, um rim dele parou de funcionar e, quando os médicos diminuíram a sedação dele para ele voltar, ele sofreu um AVC — conta Sheilene Pereira Neves, irmã do Wesley, à TV Globo.
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O nome das vítimas mortas em Pernambuco não foi divulgado.
Em uma entrevista coletiva que contou com a participação do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o titular da pasta da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que o número de casos de contaminação por metanol em São Paulo no mês de setembro equivale à metade da média registrada em todo o país anualmente. Padilha classificou o panorama atual como “uma situação anormal”, que se opõe à série histórica.
— Os casos de intoxicação por metanol no Brasil costumam estar associados a pessoas em situação de rua (que adquirem como combustível) ou suicídio — disse o ministro.
Até terça-feira, eram 22 casos envolvendo intoxicação por metanol em São Paulo — sete confirmados e 15 em investigação. Na terça-feira, foram identificadas mais duas mortes possivelmente ligadas ao solvente, usualmente empregado em aplicações industriais e domésticas, como diluentes, anticongelantes, vernizes e até fluido para fotocopiadoras. O governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciou a criação de um gabinete de crise para enfrentar o problema.
— Nos inquéritos que estão abertos, em que se está chegando às pessoas que estão trabalhando para adulteração nessas destilarias clandestinas, são pessoas que não têm relação com o crime organizado e que não têm relação entre si — disse o governador.
A possibilidade de conexão com atividades do Primeiro Comando da Capital (PCC), porém, foi aventada pelo diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues. No último mês, a Operação Carbono Oculto mirou a atuação da facção no setor de combustíveis em São Paulo. O metanol era justamente a substância utilizada para adulterar os produtos comercializados nos postos de gasolina sob influência da quadrilha.
— A investigação dirá se há ligação com o crime organizado e operações anteriores — pontuou Rodrigues ao anunciar a abertura de um inquérito no âmbito da PF.
— Tudo indica que há uma distribuição para além do estado de São Paulo, o que atrai a competência da PF — acrescentou Lewandowski.
À noite, a Secretaria estadual de Saúde de Pernambuco informou que está apurando três casos suspeitos de intoxicação por metanol. Dois homens morreram e um perdeu parte da visão. Eles moravam em Lajedo e João Alfredo, ambos no Agreste do estado.
As suspeitas foram comunicadas à Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) pelo Hospital Mestre Vitalino, em Caruaru, que atendeu as vítimas. “Assim que recebeu a notificação, a Apevisa iniciou a preparação de ações de fiscalização em distribuidoras de bebidas alcoólicas”, informou o governo do estado.
Na terça-feira, uma ação conjunta, que reuniu a Polícia Civil e as vigilâncias sanitárias municipal e estadual, suspendeu as atividades do bar Ministrão, no bairro nobre dos Jardins, na capital paulista. Trata-se do estabelecimento no qual a designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, esteve em uma confraternização e tomou três caipirinhas feitas com vodca para, no dia seguinte, começar a passar mal. Ainda internada em um hospital, ela perdeu a visão. Um segundo bar, no bairro da Mooca, também foi interditado, além de um endereço em São Bernardo do Campo.
Na Zona Sul da capital, no bairro Planalto Paulista, um minimercado passou por fiscalização que resultou na apreensão e interdição de mais de 40 garrafas de whisky, gin e vodca. O representante do estabelecimento foi conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos.
A Polícia Civil cumpriu ainda três mandados de busca e apreensão em Americana, onde funcionava uma fábrica clandestina. No local, foram apreendidos mais de 18 mil itens, que ainda vão passar por perícia. De acordo com a polícia, no entanto, não foi localizado metanol entre as substâncias apreendidas. Dois homens foram presos por pirataria e vão responder por crimes contra a propriedade material, contra a saúde pública e contra as relações de consumo.
Diante da crise, clubes esportivos tradicionais de São Paulo suspenderam integralmente a venda de bebidas com destilados. Agremiações como o Clube Athlético Paulistano, o Clube Hebraica, o Clube Atlético São Paulo (SPAC) e o Esporte Clube Sírio anunciaram a medida de precaução na terça-feira.
“Por questão de saúde pública, está temporariamente suspensa a venda e a distribuição de bebidas alcoólicas destiladas no clube, em todos os seus concessionários. A medida visa zelar pela saúde e segurança de sócios e visitantes”, publicou o Hebraica nas redes.
No setor de alimentação e vida noturna de São Paulo, a onda de intoxicações gerou um clima de temor. Nos bastidores, os estabelecimentos demonstram preocupação geral com a segurança dos produtos e com o risco de perda de confiança dos consumidores, o que levou a uma enxurrada de comunicados públicos na internet.
“Nossos destilados são adquiridos há anos com os mesmos fornecedores, autorizado e homologados”, divulgou o bar Tiquim, na Pompeia, frisando estar “mais atento do que nunca”. “Todas as nossas bebidas alcoólicas e insumos são adquiridos exclusivamente de fabricantes ou distribuidores oficiais homologados, sempre com nota fiscal, lacrados e com selo de autenticidade”, destacou o Grupo Alife Nino (Rainha, Princesa, Boa Praça, Ninno).
Outra frente de preocupação se dá na saúde pública. O Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) ligado à Universidade de Campinas (Unicamp), referência nesse tipo de contaminação, fez um alerta sobre o risco de faltar antídotos para o metanol. Em geral, utiliza-se etanol puro ou fomepizol (mais simples de manejar) para aplacar os efeitos da substância. Em alguns casos, os pacientes precisam passar por hemodiálise para evitar que ela fique represada no organismo.
— Pouca gente tem estoque em hospital. Muitas vezes a alternativa é utilizar uma bebida destilada por sonda até ter o antídoto. É o que recomendamos em algumas situações — explicou Fabio Bucharetti, coordenador do CIATox.