A contaminação de bebidas por metanol em São Paulo está sendo investigada pela Polícia Civil e pela Polícia Federal mas, apesar da promessa de cooperação, ainda há divergências sobre a principal linha de apuração a ser adotada. O governo estadual afirma não haver indícios da participação da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), enquanto a PF não descarta a hipótese.
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A possibilidade, levantada pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), é que após a Operação Carbono Oculto, em agosto — que fechou distribuidoras ligadas ao PCC acusadas de usar metanol em combustíveis —, o produto tenha sido repassado a destilarias clandestinas e falsificadores.
Nesta terça-feira, 30, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, anunciou a abertura de inquérito para investigar as notificações de intoxicação, que já ultrapassam os limites de São Paulo. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que o envolvimento da facção será apurado.
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— Há possível conexão com investigações recentes na cadeia de combustíveis. A apuração dirá se há vínculo com o crime organizado e operações anteriores — disse Rodrigues nesta terça-feira, 31, acrescentando que a PF atuará em conjunto com a Polícia Civil paulista.
O anúncio do governo federal ocorreu poucas horas antes de uma coletiva convocada às pressas pelo Palácio dos Bandeirantes, na qual o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) descartou a participação do PCC.
— Em São Paulo, tudo o que acontece dizem que é o PCC. Mas não há evidência alguma da participação da facção. Os inquéritos abertos apontam pessoas que atuam em destilarias clandestinas e que fraudam bebidas rotineiramente, sem relação com o crime organizado — afirmou.
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Em caráter reservado, outras autoridades de segurança estadual minimizaram o tema, atribuindo os casos à “ganância de pessoas mal-intencionadas”. Segundo eles, ainda é necessário esperar laudos para identificar a presença do solvente nas bebidas e ter uma maior clareza do que precisa ser apurado.
O governo de São Paulo tem adotado cautela. O foco da Polícia Civil, diz, é localizar os fornecedores das bebidas adulteradas. Para isso, esta sendo utilizada uma espécie de “engenharia reversa”: cada caso suspeito é rastreado, os passos das vítimas são refeitos, bares e restaurantes são vistoriados, e proprietários, ouvidos. Até agora, três estabelecimentos foram interditados — dois na capital e um em São Bernardo do Campo.
— Não citamos locais porque precisamos chegar aos distribuidores. Se houver aviso prévio, os produtos podem sumir. Nosso objetivo é pressionar os comerciantes e chegar às notas fiscais, para então alcançar os distribuidores — explicou o secretário estadual de Saúde, Eleuses Paiva.
Entre os dias 29 e 30, o Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) apreendeu mais de 800 garrafas na capital. Os produtos foram encaminhados ao Instituto de Criminalística (IC), e os responsáveis prestaram depoimento.
Em Mogi das Cruzes, a Polícia Civil apreendeu 80 garrafas em uma adega suspeita de adulteração. Em Americana, uma operação do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) resultou na prisão de duas pessoas e na apreensão de mais de 17,7 mil bebidas.
Até agora, o estado soma 23 casos suspeitos de intoxicação por metanol — sete confirmados e 16 em investigação. Seis pessoas morreram. Apenas uma dessas mortes foi confirmada como consequência da ingestão de bebida adulterada: um homem de 54 anos, morador da Mooca, na Zona Leste da capital.
Outros três óbitos suspeitos de intoxicação, segundo o governador, foram registrados na cidade de São Paulo. O quinto óbito, do advogado Marcelo Macedo Lombardi, de 45 anos, foi registrado em São Bernardo do Campo.
A informação, no entanto, conflita com a divulgação feita pela própria prefeitura de São Bernardo do Campo, que informou quatro óbitos suspeitos e uma internação em sua região.
“Até o momento, a Vigilância Epidemiológica do município recebeu quatro notificações de suspeita por contaminação de metanol, sendo três óbitos e uma paciente internada em estado grave. Entre os óbitos, todas as vítimas são homens”, disse a prefeitura de SBC horas antes da fala do governador.
Entre os casos em apuração estão os da designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, que passou mal após ir a um bar nos Jardins, e de Rafael dos Anjos Martins Silva, de 26, internado no Hospital Geral do Grajaú em 1º de setembro junto com dois amigos. Em São Bernardo, Bruna Araújo de Souza, de 30, também segue internada.
O governo ainda consolida os dados sobre onde ocorreram os casos, mas há registros na capital e na região metropolitana, em cidades como Osasco e São Bernardo.
A crise aumenta a pressão sobre o governador Tarcísio de Freitas, que já manifestou intenção de disputar a reeleição em 2026. O ex-ministro também é citado como possível candidato do Centrão à Presidência, embora essa hipótese encontre resistência da família Bolsonaro.