Após cada partida ou competição, todos os olhares se voltam para os vencedores. Risos, comemorações e lágrimas de alegria. No entanto, se alguém ganhou, alguém inevitavelmente perdeu. E lidar com isso nem sempre é fácil.
Se mesmo jogadores de futebol experientes se exaltam ou ficam largados, chorando em campo, o que se pode esperar de adolescentes que, muitas vezes, estão experimentando suas primeiras derrotas? Mas é possível, sim, saber lidar melhor com elas e tirar dessas situações lições que podem ajudar muito não só no esporte mas no próprio desenvolvimento pessoal.
— O esporte é um grande treino da inteligência emocional. Aprender a lidar quando as perdas são inevitáveis, aprender com os erros, com as derrotas… É uma grande lição. Saber como se comportar quando alguma injustiça é cometida, como se comportar quando a derrota veio não pela sua própria atuação, mas pela de colegas… É um cenário de muitos aprendizados — afirma a psicopedagoga e educadora parental Isa Minatel, autora do livro “Crianças sem limites” (editora Figurati).
Para Isa, adultos, técnicos, treinadores, pais, professores, todos também precisam estar preparados para isso.
— É aqui que eu acho que a gente tem o maior gap, maior falha no nosso sistema de uma maneira geral. Muitos dedicam-se somente a saber sobre o esporte em si e não dão esse amparo de inteligência emocional para os atletas — avalia Minatel. — Quando eu tenho um técnico consciente, ele medeia o time com a situação que está acontecendo, seja positiva ou negativa, e medeia também a relação do grupo. É ele que dá o tom.
Assim, compreendendo o espírito de equipe, os próprios atletas se apoiam, de forma que o que está mais inteiro naquele dia vai dar suporte para o que está mais sensibilizado.
Desse tipo de interação, um dos grandes ganhos possíveis é uma equipe mais unida e laços mais estreitos de amizade:
— Quando a gente passa por situações negativas, por perdas, por desafios juntos, isso cria uma conexão muito, muito forte. Então vale também saber aproveitar isso, criando parcerias de vida. Muitas vezes você pode fazer grandes amigos para a vida inteira em situações como essas.
Aprendizado
É muito importante trabalhar com os atletas o significado do erro, às vezes, entendido como derrota, fracasso, ou incompetência. Como se um erro levasse a conclusões sobre a pessoa e não sobre o ato.
— Se eu errei, então eu preciso aprender mais. Se errei, então há algo que eu precise fazer a respeito, não é? E não tirar conclusões sobre a minha capacidade, a minha identidade, ou a minha autoestima. É muito interessante quando a gente vai trazendo um mindset de crescimento, e não um mindset de derrota, de falha, de rebaixamento para o atleta — explica Isa Minatel.
Assim, o atleta reavalia como poderia ter feito uma jogada diferente, um passe ou um golpe diferente. A partir daí, de acordo com a psicopedagoga, é possível desenvolver um caminho neural para que isso possa ser uma alternativa numa outra situação similar no futuro. Ou seja, vira um preparo.
Outra questão a ser analisada com carinho é a parte emocional. Segundo Minatel, muitas perdas ocorrem não por falta de competência técnica, mas sim por falta de competência emocional. Então, também é válido repensar esse aspecto.
— É importante perceber o quanto alguma coisa mexeu com o atleta emocionalmente, o quanto ele se desestabilizou. Por exemplo, o outro xingou e ele entrou na provocação. Fazer essa avaliação, não só da parte técnica, da parte física, mas também da parte mental e emocional é bem importante.
Na hora
Certas coisas demandam tempo para serem processadas. Mas ali, na hora, ainda sob a adrenalina, é preciso desenvolver certa inteligência emocional para não perder a cabeça, como explica a psicóloga do esporte Duda Rea.
— Está tudo bem expor os sentimentos. Está triste, tudo bem chorar. Só precisa ter atenção com a raiva porque ela pode prejudicar o atleta, o grupo, ou ofender diretrizes e colegas — diz.
De acordo com Rea, o melhor é que o adolescente receba esse preparo antes do momento da competição — e de seu resultado.
— É importante fazer um trabalho antes, explicar que a derrota pode acontecer e tudo bem sentir. O ponto é trabalhar a necessidade de expressar a frustração de forma saudável. Orientar que se o atleta está de cabeça quente, precisa respirar e depois procurar alguém para conversar e falar sobre o que está sentindo. Não só correção da técnica e estratégica, mas também dar espaço para expressar o sentimento — diz a psicóloga.
Segundo ela, cada um reage de um jeito, uns são mais sensíveis, outros mais tímidos ou racionais. Não há reação certa ou errada.
No entanto, ela orienta cuidado com duas coisas: que o técnico ou familiares não tenham reação negativa, evitando comentários ríspidos, buscando mais uma postura de aceitação e acolhimento. Também é importante não excluir, responsabilizar ou voltar a raiva para um colega.
— Não é hora de apontar erros, o técnico pode dar um feedback depois, mas no primeiro momento tem que ser acolhedor e construtivo. E nunca colocar um só atleta no centro do problema, responsabilizando-o.
E aí, vida que segue.
— O esporte é como uma parcela da vida, vamos ter frustrações, e o esporte ensina isso. Quando você é um atleta, sabe que não vai ganhar sempre. Vai rever estratégia, criar vínculo maior com a equipe e levar essa experiência para outras partes da vida. Vai pensar: “enfrentei uma derrota uma vez e vivi dessa forma”. É aprendizado — conclui Rea.
Frases para lidar com a derrota
Reflexões de Isa Minatel para ajudar pais e técnicos a se comunicar com o adolescente nessas horas:
“Eu nunca perco. Ou eu ganho, ou eu aprendo.”
“Quando eu erro e não aprendo, eu erro duas vezes. Quando eu perco e não aprendo, eu perco duas vezes.”
“Nas perdas, não perca a lição.”
“Falhou, está falhado. Não se falha mais nisso.”
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Perder faz parte do jogo e pode trazer boas lições
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