Depois de assistir ontem à noite às imagens terríveis do combate entre policiais e traficantes do crime organizado, na mata que separa o Complexo do Alemão do Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, fui dormir mais uma vez com a certeza de que o Brasil chegou a um beco sem saída.
A aumentar o meu desalento, e eu nem achava isso possível, tem-se a nota publicada hoje sobre o que se pensa no Palácio do Planalto. Lá, o combate não é entre a vida e a morte, entre a civilização e a barbárie. Nenhum áulico presidencial está preocupado se quatro policiais morreram, um deles teve a perna amputada e outros dois lutam pela vida no hospital.
Eles também não se interessam pelos 280 mil cidadãos que vivem sob o regime de terror imposto pelos traficantes naquelas favelas cariocas, retratos impressionantes do desastre social e urbanístico nacional. Nem com os demais 28 milhões de brasileiros que têm de se submeter ao jugo do crime organizado.
Não, o Palácio do Planalto só pensa em reeleger Lula. O PT só pensa em reeleger Lula. Lula só pensa em reeleger Lula. E todos eles torcem para que as mortes, de policiais e traficantes, tenham sido em vão.
A nota é do jornalista Lauro Jardim. Ele publica o seguinte:
“No Palácio do Planalto, ninguém contesta o óbvio: Cláudio Castro ganhou o primeiro round da guerra de segurança pública em termos de resposta da opinião pública. As pesquisas são unânimes nesta direção. Mas no governo federal a aposta é de médio prazo. Primeiro, há a confiança de que, com o tempo, o desgaste virá para o governo do Rio de Janeiro.
Diz um ministro:
‘É só o tempo de ficar claro que o Comando Vermelho não foi atingido em sua força, apesar de mais de uma centena de mortos.’
Um petista graúdo complementa:
‘As investigações sobre as mortes poderão trazer surpresas ruins para o governador.’”
Na sequência, o jornalista afirma que o governo aposta na PF e na Receita Federal para pegar o “andar de cima’” e, assim, “virar o jogo em um segundo round”.
Sou só eu a me escandalizar com a imoralidade revelada por essa nota? A imoralidade de um governo que torce pelo pior — e o pior, nesse caso, é o horror próximo do absoluto — para minar a popularidade de um opositor?
Um governo que, então, só fingiria estar disposto a atuar em parceria com o governador carioca? Que deseja que tenham ocorrido abusos policiais? Que aposta em uma única operação federal contra bandidos da Zona Sul do Rio, cúmplices do tráfico, para dar a ilusão de que assim se resolverá a tragédia diária da massa de cidadãos pobres oprimida por criminosos armados com fuzis?
Chegamos ao beco sem saída por causa desse tipo de gente, que há cinco séculos trabalha pesado na destruição do que nem sequer chegou a ser construído: uma nação.
