Os jovens e as facções criminosas

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Hoje, no Brasil, há uma unanimidade: a violência precisa ser enfrentada com urgência. O tema, inevitavelmente, dominará as eleições estaduais e presidenciais do próximo ano. O espanto, contudo, reside na indiferença com que, desde sempre, o problema foi tratado por governos e pela própria sociedade, até a madrugada de 28 de outubro deste 2025.

Naquele dia, cerca de 2.500 policiais civis e militares, apoiados por helicópteros, drones e blindados, invadiram as favelas conhecidas como Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro. O episódio foi amplamente divulgado. O governo estadual celebrou o êxito da operação, que resultou na prisão de algumas dezenas de criminosos, na morte de 117 bandidos armados e de cinco policiais. A população, cansada da violência, gostou e reagiu com aplausos estrondosos, acreditando que aquele momento marcaria o início da libertação das comunidades pobres do jugo das facções e das milícias. A esperança foi compreensível. Que seja duradoura.

Passados dois meses, o distanciamento permite uma reflexão mais fria. As imagens permanecem gravadas no meu cérebro: quase uma centena de corpos estendidos na praça São Lucas, na Penha, ao amanhecer do dia seguinte. Chocante. Jovens seminus, magros, mulatos ou negros. Pergunto-me: nasceram marginais? Saíram das maternidades com o selo de criminosos em suas certidões? Quero crer que não. O que os conduziu ao submundo? Por que escolheram o crime e não o trabalho honesto?

A resposta é dura. Criados na pobreza, filhos de mães que precisaram trabalhar fora, foram candidatos naturais a creches inexistentes. Cresceram sem escolas atraentes, bem equipadas, capazes de seduzir e cativar. Nem o programa Jovem Aprendiz os alcançou. Cresceram vendo seus pais na informalidade, lutando com dignidade, mas sempre abaixo da linha da pobreza. Esse destino não os seduzia.

Do outro lado, os traficantes os conheciam pelo nome. Ofereciam comida, dinheiro, sonhos. Conquistavam pela roupa de marca, pelo tênis caro, pelas namoradas bonitas. A bandidagem era romantizada. Resistir era quase impossível. Condenar aqueles jovens sem considerar a escassez de caminhos é fingimento, inocência ou descaso.

Pergunto-me: o que faltou? O que deixou de ser feito para que a sociedade disputasse aqueles meninos contra o fascínio enganoso das facções? Não houve disputa. Houve entrega. Não foram cooptados; foram doados às organizações criminosas. Faltou Estado. Estado municipal, estadual e federal. Faltaram políticas públicas de cidadania.

Invasões, prisões e mortes já vimos muitas vezes. Após o choque, a rotina retorna. Os bandidos repõem suas forças com membros cada vez mais jovens. Jacarezinho, 2021: 27 mortos. Penha, 2022: 23 mortos. Salgueiro, 2023: 13 mortos. A história se repete.

Diz-se que não basta invadir; é preciso ocupar e manter policiamento ostensivo. Lembram das UPPs? O resultado foi pífio. Ocupação, sim, mas não apenas de soldados armados. Ocupação de educadores, assistentes sociais, agentes de saúde, sociólogos, artistas. Invasão de cidadania. Ocupação de cidadania. Mais barata que a repressão. Investimento de retorno rápido, pela redução dos custos em segurança, pelo funcionamento de escolas e comércios, pelo trabalho de uma geração liberta da marginalidade.

É escolha das autoridades. Ou isso, ou continuaremos a luta inglória. Continuaremos a assistir políticos vangloriando-se de novos espetáculos dantescos, como o da praça São Lucas. E a população, iludida, aplaudindo a matança de jovens que jamais tiveram chance de viver com dignidade.



Com informações da fonte
https://temporealrj.com/os-jovens-e-as-faccoes-criminosas/

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