A Polícia Civil de São Paulo identificou dois suspeitos de participação no assassinato do ex-delegado-geral da corporação Ruy Ferraz Fontes, ocorrido na segunda-feira. O nome da dupla, que teve a prisão temporária solicitada à Justiça, não foi divulgado, mas um deles tem histórico de ligação com o tráfico de drogas. Fontes ficou conhecido por conduzir inquéritos que resultaram na condenação da cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC), no início dos anos 2000, e atualmente era secretário municipal de Administração de Praia Grande, no litoral paulista, cidade onde ocorreu o crime.
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As autoridades trabalham com duas linhas de investigação principais. A primeira é a de que a execução com mais de 20 tiros de fuzil teria ligação com a atuação na Polícia Civil, instituição que ele comandou entre 2019 e 2022, durante o governo de João Doria. A outra aponta para um possível elo com a função atual de Fontes, na Prefeitura de Praia Grande. Nenhuma das hipóteses, porém, descarta a participação do crime organizado no homicídio.
Os assassinos utilizaram dois carros na emboscada. Roubados semanas antes, os veículos foram vistos circulando pela Baixada Santista nos dias que antecederam o crime, como mostrou o Jornal Nacional, da TV Globo. O primeiro automóvel, que perseguiu a vítima, foi recuperado pela polícia pouco depois da execução. Um segundo carro, que teria dado suporte à ação, foi localizado na terça-feira. Peritos conseguiram detectar impressões digitais.
— Esse veículo foi encontrado abandonado, os criminosos não conseguiram atear fogo. Ele estava ligado, e no interior foi coletado material que pode ser usado na identificação dos ocupantes — disse o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, durante o velório de Fontes, realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Já se sabe que pelo menos seis bandidos participaram do assassinato. Um coronel da cúpula da PM afirmou ao GLOBO que a ação foi “coordenada, planejada e com características táticas”. Os executores trajavam coletes a prova de balas, toucas e luvas, o que reforça os indícios de planejamento meticuloso.
Neste momento, os investigadores veem a digital do PCC como quase certa. Por ora, contudo, as autoridades consideram que a motivação mais plausível para a execução é o atual trabalho de Fontes na administração municipal, e não suas décadas de atuação no combate ao crime organizado.
Aposentado da Polícia Civil após mais de 40 anos, ele assumiu como secretário em Praia Grande em 2023. Desde então, teria colecionado desafetos ligados ao setor imobiliário da cidade, marcada por forte presença da facção.
Uma das suspeitas é de que a execução esteja relacionada a uma liderança do PCC que deixou o sistema penitenciário federal há cerca de um mês. Historicamente baseado na Baixada Santista, o criminoso atua com modus operandi similar ao empregado na morte de Fontes.
A célula da facção responsável por colocar em prática planos de execução de agentes de segurança é chamada de “restrita tática”. De acordo com as autoridades, ela tem em torno de 25 integrantes, todos treinados para atuar com explosivos e atirar com fuzis.
Além de pelo menos uma ameaça mais antiga, Fontes foi citado por criminosos do PCC na mesma ocasião em que a facção jurou de morte o ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro e o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Ministério Público de São Paulo. O nome do ex-delegado-geral, entretanto, não se tornou público. Ele foi avisado pessoalmente que era um dos alvos, mas a informação ficou apenas no âmbito da inteligência do MP. O plano de execução foi descoberto pela Polícia Federal (PF), que deflagrou uma operação para desmobilizar o crime em março de 2023.
— Por pelo menos três vezes eu informei sobre escutas, de cartas que eram apreendidas fazendo menção ao nome dele. No ano passado, cheguei a comunicá-lo de que tanto o nome dele quanto o meu e de outras autoridades foram encontrados ou mencionados em penitenciária federal com ordem de execução — contou Gakiya ao GLOBO.
O velório de Fontes na Alesp, pela manhã, contou com a presença de diversas autoridades, como Derrite, o ex-governador João Doria e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). O caixão foi carregado por agentes e seguiu em cortejo aberto até o cemitério da Paz Morumbi, na Zona Sul da cidade, onde Fontes foi sepultado durante a tarde. Ele deixa mulher e não tinha filhos.
Responsável por alocá-lo no cargo mais alto da Polícia Civil, Doria negou ter sido comunicado pelo subordinado à época sobre ameaças. A Prefeitura de Praia Grande também afirmou não ter sido informada sobre qualquer coação.
— Eu sabia por outras pessoas, mas dele, não. Ele nunca fez publicidade disso e nem se autoflagelou em função das ameaças. Ele era tático, planejava e agia com muito cuidado e com muito senso de justiça também. Nunca via ele cometer um ato de maldade ou uma vingança — disse o ex-governador.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, classificou a execução de Fontes como “preocupante”. Ele afirmou ter ligado para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para prestar “solidariedade pessoal” e oferecer ajuda do governo federal, “como coadjuvante”, nas apurações sobre o homicídio. Durante o velório, Derrite agradeceu a oferta de apoio, mas argumentou que “todo o aparato do estado é 100% capaz de dar a pronta resposta necessária”.
— Foi um assassinato brutal e nos mostra o nível de violência que grassa aqui no Brasil e em outros países — destacou Lewandowski ao chegar à sessão na comissão especial da Câmara dos Deputados que discute a PEC da Segurança Pública.
Já Tarcísio conversou com a imprensa no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual. Ele voltou a lamentar o crime e disse que a gestão não recebeu “pedido de proteção” por parte da vítima:
— Toda vez que somos demandados, encaramos com muita responsabilidade. Então, se houvesse algum pedido de proteção, a gente, com certeza, daria.
O secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, afirmou na terça-feira que o pacote de projetos de lei em elaboração pelo governo federal contempla a proteção de agentes públicos após a aposentadoria. Ao comentar o caso, Tarcísio se declarou favorável a medidas do gênero:
— (As pessoas) saem, mas a memória do crime fica.
(Colaboraram Eduardo Gonçalves, Filipe Vidon e Sérgio Quintella)