O que os botequins cariocas têm de único?

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Luiz Antonio Simas considera os bares cariocas como a “Ágora carioca”, espaços fundamentais para a sociabilidade, a troca de saberes e a resistência cultural da cidade, funcionando como pontos de encontro para o debate público e a celebração da cultura popular.
Explicar o sucesso do Bar Urca é ao mesmo tempo fácil e difícil. Difícil porque ele tem apenas nove metros de largura, sem contar o salão no andar de cima. Ser atendido no térreo não é exatamente fácil. Você precisa, geralmente, acotovelar uma porção de outros clientes e levantar a voz para capturar a atenção de um dos garçons posicionados dentro do balcão. E é necessário, em seguida, encontrar algum lugar para apoiar o seu pedido, pois mesa e cadeira, no térreo, não há. Só que a clientela se submete a tudo isso de bom grado.
Trata-se, afinal, de um dos mais célebres representantes de um universo à parte, o dos botequins cariocas. Formado, via de regra, por estabelecimentos com uma porção de pontos fracos — mas com uma quantidade infinitamente maior de pontos a favor. No caso do Bar Urca, a falta de estrutura no térreo é compensada pela mureta em frente, que descortina uma vista deslumbrante da Baía de Guanabara. E a empada de camarão e o bolinho de bacalhau, entre outros petiscos do tipo, costumam falar mais alto do que a dificuldade para adquiri-los.
No ano passado, o Bar Urca completou 85 anos. Fundado por Armando Gomes (1916-2012), o estabelecimento faz parte do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico do estado do Rio de Janeiro. É um dos endereços escolhidos pela Riotur para a série de vídeos que ela produziu com o intuito de lançar luz sobre botequins cariocas que dispensam apresentações. Apelidada de “Patrimônios do Rio”, a iniciativa mergulha na tradição e na memória afetiva da gastronomia carioca. Os episódios estão publicados na conta da Riotur no YouTube (@riotur.rio / https://www.youtube.com/rioturoficial).
A primeira temporada se debruçou sobre sete estabelecimentos: Armazém Senado, Velho Adonis, Bode Cheiroso, Bar da Portuguesa, Bar do Momo, Cachambeer e Bar Urca. A seleção levou em conta a relevância cultural, histórica, arquitetônica e social desses endereços. “O projeto nasce do desejo de valorizar o que é nosso — aquilo que carrega memória, identidade e afeto”, declarou Bernardo Fellows, o presidente da Riotur. “Queremos mostrar que o patrimônio carioca vai além da arquitetura e dos monumentos: está também nas mesas, nos sabores e nas pessoas que mantêm viva a cultura da cidade”.
Presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro, o SindRio, Fernando Blower é só elogios para a iniciativa. “Os botequins são uma marca do Rio de Janeiro e não só de um ou outro bairro, mas de todos”, observa. “Muitos desses estabelecimentos, porém, acabam sendo frequentados só pelo público local pois nem chegam aos ouvidos dos turistas, pela falta de visibilidade. Estamos falando de botequins que não costumam ter departamento de marketing, por exemplo, e que não se encontram, geralmente, nos eixos mais turísticos da cidade. Qualquer iniciativa que ajude a promovê-los é bem-vinda”.
Botequins aptos para figurar em uma nova temporada não faltam. O Jobi, por exemplo. No Leblon, funciona desde 1956. É o bar que mais vende chope Brahma por metro quadrado no Rio de Janeiro. Todos os dias, de cinco a oito barris são comercializados no empreendimento. Seu salão tem quarenta metros quadrados — nos quais sempre cabe mais, segundo Manuel Rocha, um dos donos. “É como ‘coração de mãe’”, ele costuma dizer. “Os clientes vão chegando e vamos colocando cadeiras que tiramos sabe-se lá de onde”.
O português Adelino Rocha, pai de Manuel, adquiriu o estabelecimento em 1960. O Jobi tem o mesmo nome do predinho do qual ele faz parte. O construtor da edificação foi um certo João Bittencourt, o que dá margem para uma possível explicação para o nome adotado. Essa história, porém, nunca foi confirmada. Há quem diga que ‘jobi’ significa ‘precioso’ em tupi-guarani, explicação mais difícil de engolir.
Filha única de Manuel, a advogada Eliana Rocha é uma das três administradoras do negócio. As outras são primas dela, a dentista Eliana Rocha e a médica Carla Rocha. Até os anos 1980, o Jobi não passava de um pé-sujo que focava em PFs para a turma que trabalhava na região. Com o tempo, virou um dos botequins mais reputados da Zona Sul. Diariamente, atende de 200 a 400 pessoas. E isso há décadas e décadas.
Entre os sete da próxima temporada, em primeira mão, estão confirmados Pavão Azul, Adega da Velha e Adega Pérola.
Sobre os estabelecimentos em cartaz:
Bar Velho Adonis (Benfica)
Ícone da cidade e referência na culinária portuguesa, é famoso pelo chope gelado e os pratos à base de bacalhau. O bar foi reconhecido como patrimônio cultural em 2013.
Bode Cheiroso (Maracanã)
Da calçada animada, logo enxergamos uma estufa repleta de delícias, como o torresmo mais famoso do Rio. Em 2023 recebeu, das mãos do Prefeito Eduardo Paes, a placa de Patrimônio Cultural Carioca.
Bar Urca (Urca)
Com uma vista deslumbrante da Baía de Guanabara, é famoso por seu pôr do sol e por seus petiscos tradicionais. Reconhecido como patrimônio cultural carioca em 2012.
Bar do Momo (Tijuca)
Em 2022 foi declarado Patrimônio Cultural Carioca. Reduto da boemia, é conhecido por seu ambiente informal – ponto de encontro de sambistas -, mesas na calçada e pratos tradicionais.
Bar da Portuguesa (Ramos)
Aberto em 1972, o tradicional e premiado bar tem o típico cenário de botequim do subúrbio. É conhecido pelo tradicional bolinho de bacalhau. Ali perto nasceu e cresceu Pixinguinha (1897-1973), que se tornou frequentador assíduo. O bar foi reconhecido como patrimônio cultural em 2021.
Cachambeer (Cachambi)
Famoso pelo preparo de costelas “no bafo”, que passam 12 horas marinando, e assando nas churrasqueiras. A casa ganhou em 2022 o título de Patrimônio Cultural Carioca.



Com informações da fonte
https://extra.globo.com/rio/noticia/2025/09/o-que-os-botequins-cariocas-tem-de-unico.ghtml

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