O Rio de Janeiro está “respirando” arte moderna e contemporânea já tem alguns dias, mas não é apenas por conta daquela importante feira que já conhecemos e amamos. Até domingo, uma intensa programação cultural seguirá tomando conta de diversas galerias de arte espalhadas pelos quatro cantos da cidade.
Nessa quarta-feira (10/9), tive a oportunidade de visitar o ‘’badalado” evento de abertura da ArtRio, a feira de arte carioca que comemora em 2025 sua décima quinta edição — mas que nada tem de “debutante”, pois já se consolidou com maturidade e identidade bem definida no calendário cultural — não apenas da cidade, mas também do Brasil e do mundo.
A ArtRio passa por uma nova fase institucional já que a edição deste ano é a primeira, desde seu “debut” em 2011, a operar integralmente sob o comando da Dream Factory (empresa do Grupo Dreamers e que já participava como sócia da ArtRio desde 2019).
Sob a novíssima direção de Maria Luz Bridger, a ArtRio transformou a Marina da Glória novamente em um território totalmente dedicado às artes visuais, voltando, desde quarta, a receber galerias, colecionadores e curadores do Brasil e do mundo — tendo como cenário deslumbrante a Baía de Guanabara e, ao fundo, a silhueta do Pão de Açúcar.
A edição deste ano declarou que se beneficiaria do fluxo internacional de visitantes que vieram ao país para a 36ª Bienal de São Paulo, atraindo colecionadores, artistas, pesquisadores e apreciadores que provavelmente estenderam suas viagens até o Rio. Era mesmo nítida a presença de visitantes de diversos estados brasileiros e do exterior — especialmente dos Estados Unidos e da Europa — no evento de abertura, o que parece confirmar o recente reforço da posição da feira no circuito global da arte contemporânea.
Mas a ArtRio não se limita aos pavilhões da Marina da Glória. Nesta edição, o Rio de Janeiro torna-se um cenário expandido para a arte contemporânea. Uma das grandes novidades é a criação da Semana da Arte e Cultura do Rio de Janeiro, realizada em parceria com a Prefeitura. Mais de 150 projetos inscritos ocupam museus, teatros, galerias, espaços independentes e até ateliês particulares. A iniciativa projeta a cidade como um circuito ampliado de arte e deve se consolidar como marco permanente no calendário cultural. A exemplo do que ocorre em cidades como Miami, Paris e São Paulo, a mostra se afirma como catalisadora de projetos culturais que se multiplicam pela cidade, movimentando arte, cultura, emprego e renda.
Segundo informações da ArtRio, dentro dos portões da Marina da Glória, a feira preserva seus programas tradicionais. O “Panorama” reúne galerias dos mercados primário e secundário. O “Brasil Contemporâneo”, com curadoria de Paula Borghi, destaca artistas de fora do eixo Rio–São Paulo. O “Jardim de Esculturas”, sob curadoria de Christiane Laclau, ocupa a área externa com obras monumentais. Já o “Expansão”, situado em um segundo enorme pavilhão, segue dedicado a instituições culturais e projetos sem fins lucrativos.
No pavilhão Terra, o “Panorama” apresenta seleções coletivas de artistas representados pelas galerias. Na “Casa Triângulo”, chamam atenção as pinturas de Eduardo Berliner, que combinam o cotidiano e o estranho em cenas que oscilam entre o reconhecível e o enigmático. Na “Portas Vilaseca”, Matheus Marques Abu propõe uma narrativa autobiográfica em que garças e corpos negros surgem em movimento leve e libertador. Na Athena, Edu de Barros expõe trabalhos em pintura que articulam símbolos cristãos, referências esotéricas e elementos da cultura urbana.
No Pavilhão Mar, a novidade é o programa Solo/Duo, curado por Ademar Brito: antes exclusivamente dedicado a exposições individuais, o SOLO agora também admite o formato DUO, permitindo que duas vozes artísticas sejam apresentadas em diálogo no mesmo estande — um encontro que amplia possibilidades curatoriais e reenergiza a proposta do programa. Esse novo formato ganha protagonismo por ir além da função expositivo-comercial típica das grandes feiras de arte. Ao se dedicar a exposições individuais e ao diálogo entre artistas, o programa aprofunda uma dimensão já presente na mostra: a ArtRio como plataforma de pensamento e experiência estética. A feira se fortalece justamente quando ultrapassa a lógica mercantil e se afirma também como um espaço de construção e reflexão artística.
Nesse contexto, a Fortes D’Aloia & Gabriel, além de marcar presença com seu tradicional estande no “Panorama”, apresenta um segundo espaço dedicado aos OSGEMEOS. A dupla exibe um conjunto inédito de pinturas monumentais e uma tapeçaria, expandindo sua linguagem visual singular.
Também no contexto da curadoria Solo/Duo, destaca-se o estande da Nonada, onde as telas monumentais de Pedro França, que lembram afrescos suspensos, criam uma tensão com as esculturas em ferro do artista baiano Jayme Figura. Enquanto Pedro trabalha imagens em grande e pequena escala, carregadas de simbolismo, Jayme — que costumava andar pelas ruas de Salvador sem mostrar o rosto, vestindo suas “arte-armaduras” — construiu uma obra marcada por uma existência antiperformática e ritualística.
Segundo a galeria Nonada, as esculturas foram produzidas no ateliê do artista, conhecido como Sarcófago, concebido como espaço de experimentação onde matéria e espiritualidade se entrelaçam, traduzindo a força de uma vida-obra. Ainda de acordo com a galeria, o encontro entre os dois artistas foi proposto como “um diálogo visual potente, que une o delírio pictórico, a delicadeza poética e a brutalidade dos materiais”.
No estande da Galeria “Bianca Boeckel”, pinturas do artista João Paulo Balsini como “Confraria’, de 2025, abordam a dimensão psíquica da intimidade masculina, tendo a “intimidade” como o ponto de intersecção em diálogo narrativo com bordados da artista baiana Milena Oliveira, que explora o universo femininoTambém no Solo/Duo, o estande da Galeria Bianca Boeckel apresentou frescor e sofisticação ao reunir a pintura de João Paulo Balsini e os bordados da baiana Milena Oliveira. Segundo a galeria, “a ideia de intimidade é o ponto de intersecção entre os dois artistas: enquanto Milena explora o universo íntimo feminino através da delicadeza do fio e da repetição do gesto, Balsini traz corpos masculinos que se afirmam em pinceladas gestuais, com cores rarefeitas em tons nostálgicos. O diálogo resultante amplia as formas de representação do íntimo, revelando contrastes e afinidades entre os dois universos”.
E é com esse frescor e força que a ArtRio celebra seus 15 anos, ecoando o desejo do Rio por uma identidade cultural pulsante, plural e consistente. Como os corpos pintados por Balsini, que reivindicam sua presença por meio da própria existência, a cidade também clama por sua história — por espaço, identidade, permanência e pela arte como forma de existir no mundo. E a ArtRio se consolida como uma ferramenta essencial nesse movimento.
Para quem ainda não visitou a feira, a ArtRio permanecerá aberta até este domingo (14/9) na Marina da Glória, enquanto a Semana de Arte e Cultura oferece programação diversificada por vários pontos da cidade (contando inclusive com transporte gratuito). Você pode conferir a programação da Semana de Arte e comprar ingressos para a ArtRio no site da feira.
A ArtRio já tem sido há 15 anos uma oportunidade única para o Rio de Janeiro, que anualmente é envolvido e impactado pelo panorama da arte contemporânea. Porém, com a nova Semana de Arte e Cultura do Rio de Janeiro, a oportunidade trazida pela ArtRio não se apresenta mais somente no seu formato de feira expositiva e comercial, mas também com a vivência do público em nossas galerias e espaços de arte, que estão programação intensa em diversas regiões da cidade.
Poderemos testemunhar, nos próximos dias, o que já acontece no cotidiano desses lugares tão essenciais para a nossa cidade — historicamente uma fonte emanadora de cultura para o Brasil e para o mundo: grandes artistas e suas obras, expostas para o bem de todos nós.
*Daniel Sampaio é advogado, ativista do patrimônio cultural e criador de conteúdo. Fundou o Instagram @RioAntigo em 2012 e é Presidente da ONG Instituto Rio Antigo desde 2022.