Moraes vota para condenar Bolsonaro e 7 réus em trama golpista: ‘Ex-presidente exerceu função de líder da estrutura criminosa’

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O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, dos ex-ministros Walter Braga Netto e Augusto Heleno, além de outros cinco réus por tentativa de golpe e mais quatro crimes. Em sua manifestação, ele afirmou “não haver nenhuma dúvida de que houve tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito” liderada por Bolsonaro e listou episódios que considerou como “atos executórios” da conduta criminosa. A Primeira Turma da Corte retomou nesta terça-feira o julgamento do caso com a fase dos votos dos magistrados.
O ministro Luiz Fux, único a não acompanhar os entendimentos do relator no colegiado ao longo do processo, fez duas intervençoes indicando que pode ser um contraponto a Moraes no julgamento. Ele será o terceiro a apresentar seu voto, logo após o ministro Flávio Dino, próximo a se manifestar.
Ao proferir seu voto, Moraes considerou que Bolsonaro foi o “líder da organização criminosa” que tentou permanecer no poder após a derrota eleitoral de 2022.
— O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa, e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do estado brasileiro para a implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos — disse Moraes.
Veja os destaques do voto de Moraes no julgamento da trama golpista:
Para Moraes, a estratégia do grupo criminoso consistiu na divisão de tarefas e na prática de uma sequência de atos executórios “com claro objetivo de abolir o Estado Democrático de Direito”.
O ministro citou em seu voto declarações de Bolsonaro nas quais o ex-presidente afirmou que só havia três possibilidades de ele deixar a Presidência: “preso, morto ou vitorioso”. “Quero dizer aos canalhas que nunca serei preso”, disse na ocasião o então chefe do Palácio do Planalto.
Segundo o Moraes, esse trecho da entrevista do Bolsonaro é uma prova de que ele jamais aceitaria uma derrota nas urnas.
— O líder desses grupo criminoso aqui deixa claro de viva voz, de forma pública, para toda a sociedade, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas — disse o relator.
O ministro apontou que os fatos levantados pela Polícia Federal ao longo das investigações mostram que a tentativa de golpe não se limitou a simples discussões ou “conversa de bar”, como alegaram as defesas, mas que configuram atos executórios das condutas criminosas. Ele citou que havia um mesmo modus operandi do grupo, com ataques às urnas eletrônicas e descredibilização das instituições, como forma de se criar um discurso para a tentativa de golpe.
Moraes afirmou que após o segundo turno das eleições houve “tantos” atos executórios que muitas pessoas acabam esquecendo de todos.
— (Tivemos) O aumento desses atos executórios. Foram tantos, e tão absurdos, que vários nós acabamos esquecendo. Nós tivemos atos executórios violentíssimos, das infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República, após o segundo turno.
Entre eles, o ministro citou o monitoramento e o plano de matar ele próprio e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a tentativa do PL de anular parte dos votos do segundo turno de 2022.
— Tivemos ações de monitoramento de autoridades, de ministros do Supremo, inclusive desse relator, ação de monitoramento do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Tivemos uma absurda representação eleitoral para verificação extraordinária em que se pedia, pasmem, se pedia para anular somente os votos de 48% das urnas eletrônicas no segundo turno.
Ele também citou correlação de uma “live” realizada por Bolsonaro em julho de 2021, com anotações em uma agenda do general Heleno e documentos apreendidos em computadores de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
— (Na live) Já se mostrava a unidade de desígnios para ao mesmo tempo descredibilizar a Justiça Eleitoral e o Poder Judiciário como um todo e, do outro, o apoio das Forças Armadas. (A intenção) era mostrar à parcela da sociedade que poderia afastar o Judiciário, porque esse grupo criminoso tinha apoio das Forças Armadas — disse ele. — No Brasil, toda vez que as Forças Armadas acolheram um chamamento de um grupo político que se diz representante do povo nós tivemos um golpe, um estado de exceção, uma ditadura — completou.
O voto de Moraes foi acompanhado por uma sequência de slides, em que pontuou seu entendimento sobre as acusações sobre cada um dos réus. Ele começou pelo caso do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno.
— Não é normal um ministro do GSI ter uma agenda com anotações golpistas — disse Moraes.
Moraes ressaltou que apenas a tentativa já configura os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito:
— Não confundamos a consumação do golpe com consumação do crime de golpe de Estado. São coisas diversas. O crime de golpe de estado e o crime de abolição do Estado Democrático de Direito tem como elementares do tipo “tentar”. A mera tentativa, até porque a consumação não vai possibilitar a responsabilidade de ninguém, a tentativa consuma o crime — disse o ministro.
Ministro rejeita preliminares
Antes de apresentar seu voto, Moraes rejeitou pedidos preliminares das defesas. Entre eles alegações de cerceamento de defesa pelo excesso de documentos incluídos no processo pela Polícia Federal, um pedido dos advogados de Alexandre Ramagem para suspender a imputação a ele por organização criminosa e questionamentos sobre a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. O entendimento do relator foi por não aceitar nenhuma solicitação.
— A própria defesa reafirmou a total voluntariedade e regularidade da colaboração premiada (de Cid) e afastou qualquer indício de coação. As defesas confundem oito depoimentos com oito delações contraditórias. Com todo respeito, dizer isso beira total desconhecimento dos autos ou litigância de má-fé. Não são fatos contraditórios — disse Moraes.
Ao rejeitar as preliminares apresentadas pelas defesas, o relator também enviou recado ao advogado do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que pediu a nulidade do processo e usou, como argumento, o “excesso de perguntas” feitas por Moraes durante os interrogatórios.
— Não cabe a nenhum advogado censurar o magistrado dizendo o número de perguntas que ele deve fazer. Há argumentos jurídicos muito mais importantes do que ficar contando o número de perguntas que o juiz fez — disse o ministro.
Essas preliminares já haviam sido apreciadas pela Primeira Turma em fases anteriores do processo, ainda no momento do recebimento da denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A maioria dos ministros entendeu, à época, que o Supremo é competente para julgar o caso e que não havia motivo para sustar a ação penal, rejeitando as alegações das defesas.
Interrumpções de Fux
Fux marcou sua posição como contraponto logo no início da fase de votos do julgamento. Após o relator avisar que analisaria pedidos preliminares das defesas e, em seguida, iniciaria seu voto — sem, portanto, submetê-los aos demais integrantes da Primeira Turma —, Fux avisou que iria se manifestar separadamente os questionamentos dos advogados dos réus.
— Só pela ordem, excelência. Vossa excelência está votando as preliminares; eu vou me reservar o direito de voltar a elas no momento em que apresentar o meu voto. Desde o recebimento da denúncia, por questão de coerência, eu sempre ressalvei ter ficado vencido nessas posições — afirmou Fux.
O ministro explicou que, embora acompanhe a dinâmica de Moraes, pretende retomar o debate sobre esses pontos quando for sua vez de votar:
— Assim como vossa excelência está indo direto ao voto, eu também vou, mas farei referência às questões processuais quando chegar a minha vez — completou.
Em outro momento, ele reclamou de uma intervenção do ministro Flávio Dino ao voto de Moraes.
Segundo Fux, os integrantes da Primeira Turma haviam combinado previamente que não haveria comentários enquanto um dos magistrados estivessem votando. O episódio evidenciou a tensão envolvendo a análise da ação penal que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados como réus.
— Não foi o que combinamos naquela sala ao lado — disse Fux, referindo-se ao local em que os ministros se reúnem antes de entrarem no plenário da Turma. — (O combinado foi que) Os ministros votariam direto sem intervenções de outros colegas, muito embora foi muito própria essa intervenção do ministro Flávio Dino, mas eu gostaria de cumprir aquilo que nós combinamos.
O presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, então, afirmou que, neste caso, a intervenção havia sido “autorizada” por Moraes, que assentiu.
— O pedido (de intervenção) foi feito a mim, não ao senhor — retrucou Moraes.
— Pode dormir tranquilo — completou Dino.
O relator falava das blitze realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia do segundo turno das eleições de 2022 quando Dino, ex-ministro da Justiça, reforçou que a ação teve como finalidade coibir que eleitores deixassem suas casas para votar. A intervenção do ministro reforçou o raciocínio de Moraes, que trata o caso como mais uma evidência de ato executório de uma tentativa de golpe.
Após Moraes, a ordem de votação na Primeira Turma será a seguinte: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Se houver maioria pela condenação, os ministros passarão à fase seguinte, dedicada à definição das penas de cada réu.



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