‘Minha preparação foram os anos que passei no Flamengo’, diz Juan Santos, coordenador-técnico da CBF

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Ex-zagueiro de seleção brasileira, com passagem de sucesso pela Europa e ídolo no Flamengo, Juan Santos deixou o cargo de gerente-técnico do rubro-negro — assumido em 2019 depois de pendurar as chuteiras no clube em que foi revelado — para ser coordenador-técnico da CBF em março de 2024. Em entrevista ao “Toca e Passa”, videocast do GLOBO, o dirigente de 46 anos revela por que nunca quis ser treinador, conta como é seu trabalho com a seleção masculina e o treinador Carlo Ancelotti, e fala sobre a preparação para a Copa do Mundo de 2026.
Como é sua rotina como coordenador-técnico da CBF? Quais são as funções no dia a dia?
É um cargo que tem se tornado mais comum aqui no Brasil, principalmente nos clubes. Agora (desde o ano passado), também está na seleção brasileira, que é algo mais específico. Cuido muito do monitoramento de jogadores e das discussões com a comissão técnica, calendário de observações, ou seja, onde vamos, quem vamos ver. Sou um pouco desse elo entre a parte administrativa e a comissão, com as demandas das convocações. Participo de discussões estratégicas de reuniões e vídeos com o grupo e a comissão, então colaboro na parte do treino. A comissão tem as próprias demandas, e eu os ajudo. Na seleção, trabalho diretamente com Rodrigo (Caetano, diretor de futebol) e com Cícero (Souza, gerente geral), que são duas referências que temos no futebol brasileiro nessas funções. E também faço o elo com a parte da análise de desempenho.
Seu trabalho é mais no escritório, em viagens ou dentro do campo, nos treinos e jogos?
A seleção brasileira é um pouco diferente de clube, porque não tem o dia a dia do treino. São datas pontuais. Então você acaba fazendo um pouco de tudo. Ao mesmo tempo que coordena, também monitora e observa. Todo mundo faz de tudo um pouco, com a ideia de passar o máximo de informações para a comissão técnica, e o Mister (Ancelotti) tomar as decisões.
Quais são as principais dificuldades e do que você mais gosta no dia a dia?
Sou um apaixonado por futebol, então tudo que o envolve me dá prazer. Desde as análises que fazemos internamente no escritório, até as viagens e os jogos que vamos observar. E, nisso, a data Fifa é o momento em que estamos mais perto do que estou acostumado a fazer, porque temos os jogadores, têm os treinamentos, os vídeos… E as partidas são o final de tudo.
Você tem a licença A da CBF para ser treinador e, às vezes, nas partidas, dá instruções aos jogadores, principalmente da defesa. Tem vontade de seguir essa carreira?
Nunca fez parte dos meus planos. Sempre tive isso muito claro. Quando estava (como coordenador) em clube, era muito claro que eu não exerceria essa função, então eu não era um empecilho na convivência com os treinadores. Deixar isso bem claro sempre foi muito importante. E aí depois, de acordo com a liberdade com a comissão técnica e o treinador, é claro que também posso ajudar nas tarefas do dia a dia. Até porque uma das funções é entender bem como pensa o treinador. O Mister (Ancelotti) nos dá total abertura para colocar algum ponto de vista e ajudar nas escolhas dele.
Por que nunca quis ser treinador?
Acho que é mais perfil e gosto mesmo. Nunca tive esse gosto por ser treinador. Tem que ter muita paixão e dedicação para exercer essa função, assim como a de jogador. Não é que a minha não tenha, mas como técnico você é o comandante. Isso nunca me encheu os olhos, sabe? Gosto muito do que eu faço. Acho que tenho esse perfil. Quando jogava, sempre fui muito de grupo, de ajudar internamente e aparecer pouco. É o perfil que eu tenho e que é muito bom para fazer a função que faço.
O que aproxima e o que difere sua atuação no clube e na seleção?
Em clube é mais complexo. Tem o excesso de jogos e, ao mesmo tempo em que isso te dá mais possibilidade de trabalhar o time e adquirir entrosamento mais rápido, tem a pressão que todos os clubes sofrem por resultados, principalmente no Brasil. E isso coloca seu cargo em risco a todo momento. Na seleção brasileira, isso é diferente porque você tem jogos mais pontuais, mas tem mais tempo no cargo. Em comum, trazendo para o Flamengo, que foi onde trabalhei, é a pressão por resultados. A responsabilidade enorme que eu via no Flamengo é, talvez, tão grande quanto vejo na seleção. É bem parecido mesmo. E isso foi uma coisa que me ajudou a ter mais segurança para trabalhar na seleção. Tirando a parte teórica, minha preparação foram os anos que passei no Flamengo, um clube que te cobra muito resultado. O dia a dia vai do céu ao inferno, e também faz crescer. As mudanças de comando me deram segurança para trabalhar com diversos perfis de treinadores e comissões técnicas de altíssimo nível. É algo bem parecido com o que vivo na CBF.
O quanto você participou do processo de demissão do Dorival Júnior?
(Uma demissão) é incômoda em qualquer situação. Ninguém contrata um treinador pensando em dar errado. Claro que os clubes e dirigentes têm um timing e a necessidade de responder para uma instituição. Mas é sempre um momento muito incômodo. E, particularmente no caso do Dorival, não participei (da decisão), só fui informado, assim como sobre a minha continuidade. Isso foi opção do presidente que estava na época (Ednaldo Rodrigues) e não tive nenhuma participação.
E na contratação do Ancelotti?
O presidente sempre perguntou os perfis dos treinadores que tínhamos como opções nacionais e estrangeiras, e nós sempre passamos para ele essa parte mais técnica. Como eles eram, o que poderiam agregar, etc. Mas a decisão (de contratar Ancelotti) foi dele.
Qual é a sua relação com Ancelotti? Conversam com que frequência? Como ele tem atuado nos bastidores?
É muito boa e tranquila, da mesma forma como ele é e conduz o dia a dia da comissão e dos jogadores.
Você jogou na Itália. Como está seu italiano?
Está bom (risos). Sempre foi. Mas o Mister cobra muito que falemos português com ele, tem aprendido muito rápido. Com a comissão misturamos mais, porque tem espanhol, italiano e inglês. Mas todo mundo se entende.
Entre suas atribuições está supervisionar o desempenho da comissão técnica. Como é ter essa responsabilidade de avaliar um nome tão pesado quanto Ancelotti?
É tranquilo, porque ele mesmo pergunta o que achamos do que estamos vendo. E isso é importante. Aprendi no Flamengo a entender o perfil da comissão técnica e para quem você leva as demandas, porque tem coisas com as quais você não pode incomodar o treinador. Precisa tentar resolver com algum membro da comissão ou até mesmo com a parte do executivo, sem envolver ou colocar coisa na cabeça do treinador. Por outro lado, tem outras coisas que você precisa ir direto no treinador. Mas, no geral, é uma relação bem tranquila. Eles todos também têm muita experiência no funcionamento do dia a dia, e nós estamos sempre atentos para dar um toque ou outro do que precisa ser melhorado em algumas situações pontuais. Mas, até agora, tem ido tudo muito bem.
O que ele já avaliou como positivo ou negativo no futebol brasileiro?
O ponto positivo é que ele já entendeu a paixão que existe no Brasil com o futebol. A qualidade dos jogadores também é inquestionável. Mas ele também já entendeu aquilo que sempre falamos sobre o excesso de jogos e viagens, a dificuldade que é fazer futebol no país. Até porque ele tem um filho (Davide Ancelotti, técnico do Botafogo) que hoje trabalha aqui e sofre as mesmas dificuldades que todos os treinadores brasileiros.
Falou-se muito da sua participação e do Rodrigo Caetano na primeira lista de convocados do Ancelotti. O quanto vocês participaram e participam desse processo?
A decisão é sempre dele. Tem uma discussão, até porque, como falei antes, ele dá liberdade para cada um colocar o seu ponto de vista. Não só a gente, mas a comissão técnica toda. Mas a decisão final é sempre dele.
Vocês não tiveram participação maior nem nessa primeira, que foi só dez dias depois de Ancelotti ser contratado?
Estivemos em Madri para apresentar o trabalho para ele. Antes da chegada dele, existia uma lista larga de jogadores que, quando chegamos lá, batia muito com o que ele e a comissão técnica já tinham feito. Mas a convocação foi toda feita por ele. É claro que, quando falamos sobre jogadores, falamos muito do perfil e explicamos o porquê (da sugestão) de jogador tal, como a característica ou o momento. Mas a decisão final é sempre dele.
Já há, de fato, conversas para renovar o contrato dele, que até a Copa do Mundo de 2026?
Difícil falar sobre isso porque é uma parte mais do presidente e da diretoria. Não nos envolvemos com isso, então não sei te responder.
Como está a montagem do time já para a Copa do Mundo? Já enxergam uma base?
O Mister fala muito sobre isso a cada convocação. Se fala muito de 15 a 18 jogadores, e aí tem algumas vagas que ainda estão mais em aberto. Mas acho que, a cada convocação, essa margem diminui. Acredito que, como ele mesmo fala, já tem uma base grande de jogadores com os quais ele conta para ir ao Mundial.
Há algum setor mais certo?
Tem, mas é uma coisa mais interna. Não podemos abrir tudo, principalmente porque temos que respeitar o treinador. Só ele pode externar isso. Mas, internamente, claro que discutimos e sabemos também as vagas que estão mais em aberto e as posições que estão mais “cobertas”.
Como vocês avaliam o momento de Neymar e Endrick?
Endrick é um jogador que o Mister conhece bem, porque estiveram juntos no Real Madrid. É um atacante com nível de seleção. E o Neymar, o Mister já deixou claro o que pensa dele. É um jogador de grandeza, que foi e ainda é a grande referência técnica do país. Mister sempre deixou claro que, se ele estiver bem no período até a Copa ou pré-Copa, é um nome que qualquer seleção gostaria de ter.
E você, Juan, acha que ele vai para a Copa?
Espero que ele consiga, principalmente na parte física, voltar bem para ter uma sequência de jogos e voltar no nível dele. É claro que não depende de mim, não faço a convocação. Mas o próprio treinador já deixou bem claro que se ele estiver nas condições que conhecemos dele, é um jogador de Copa do Mundo.
Existe a possibilidade de Endrick se transferir para um time em que tenha mais espaço que no Real Madrid. Acha válido?
É sempre importante que um jogador tenha minutos e continuidade. Pensando em seleção brasileira, fica realmente muito difícil convocar um atleta que tenha poucos minutos no clube. Endrick é um jogador que já fez parte da seleção, tem altíssimo nível, e esperamos também que ele possa ter minutos porque seria mais uma opção que o Brasil ganharia.
São mais três datas Fifa até o ínicio da Copa do Mundo, ou seja, seis jogos. Além de Senegal e Tunísia, adversários dos amistosos de novembro, já há definição sobre os próximos?
Cada data Fifa será muito importante porque o tempo é curto. Serão poucos jogos até a Copa do Mundo, então são oportunidades de continuarmos em crescimento como equipe e grupo. Para a comissão e o treinador, são chances de tirarem algumas dúvidas das vagas que ainda estão abertas. E, ao mesmo tempo, (também é importante) para termos experiências contra diversas escolas do futebol mundial. Fizemos contra a Ásia, agora faremos contra a África e em março contra a Europa, para cobrir todos os continentes e chegar à Copa com segurança.
Existe mesmo a possibilidade de mais uma partida no Maracanã? Foi um pedido do Ancelotti?
Ainda estamos discutindo isso e elaborando a programação para a Copa do Mundo, mas existe essa possibilidade. Não posso te falar hoje qual o percentual de chance de acontecer, mas é uma coisa da qual o Mister também gostaria.
Quais são as dificuldades para escolher e negociar amistosos com esses adversários?
Tem várias dificuldades. O lado comercial, a logística interfere muito, porque é uma viagem desgastante. Por lei da Fifa, você não pode fazer um jogo só em um continente. Precisa fazer os dois daquela data Fifa no mesmo. E tem as datas. Tem toda uma engenharia de quem já está classificado, quem não está, quem tem a data disponível… Então acho que todos esses fatores interferem. O objetivo do Brasil é sempre jogar contra seleções fortes e de diferentes continentes. Mas aí precisa ver as Eliminatórias continentais para fazer a projeção de quem já está classificado, quem ainda pode, tudo isso com antecedência, porque é preciso fechar o jogo, e ainda tem a parte comercial, com contratos, e tudo isso precisa ser bem feito. Ainda tem a Liga das Nações, que ocupa muito o calendário junto das Eliminatórias.
No Flamengo, você assistiu aos treinos de Jorge Jesus em 2019 e acompanhou o inicio da trajetória de Filipe Luis como técnico no sub-17. Ao vê-lo chegar também a uma final de Libertadores, brigando pelo Brasileiro, enxerga semelhança entre os dois? Acha que Filipe pode passar Jesus?
Um dos pontos positivos do Filipe é que ele teve muitas experiências como jogador com treinadores de alto nível. E ele sempre foi muito curioso de perguntar, falar e ligar para os treinadores que trabalharam com ele. Ele mesmo já falou do trabalho do Jorge, mas agora, no nível em que ele está, também tem o perfil e as convicções dele, as coisas em que ele acredita. São dois times que têm algumas semelhanças, gostam de pressionar e jogar em linha alta, até por ser o DNA do clube. Mas, se você for ver, também têm particularidades do modelo de jogo. Com certeza deve ter tido uma influência, assim como (Diego) Simeone (que o treinou no Atlético de Madrid). Filipe é um grande amigo, ele e a família, e sempre o melhor para os amigos. Espero que ele tenha total êxito nesse fim de ano e possa atingir os objetivos.
Dá para falar em torcida do Juan para o Flamengo?
Eu torço sempre. Nunca escondo de ninguém que torço para o Flamengo. Tenho um carinho enorme e torço muito pelos meus amigos lá, e tenho muitos. Como falei, capacidade eles têm. Já demonstraram e demonstram todos os dias. Claro, em se tratando de Libertadores e final única, que é sempre muito sensível… Mas acho que o Flamengo tem todas as condições de ganhar mais uma Libertadores.



Com informações da fonte
https://extra.globo.com/esporte/futebol-2025/noticia/2025/11/minha-preparacao-foram-os-anos-que-passei-no-flamengo-diz-juan-santos-coordenador-tecnico-da-cbf.ghtml

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