Megaoperação acontece 15 anos após ocupação que prometia livrar Alemão do tráfico

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Em 2010, policiais ocuparam o Complexo do Alemão e não enfrentaram resistência de criminosos — Foto: Bruno Gonzalez/Agência O Globo


A megaoperação da Polícia Civil do Rio de Janeiro que visa cumprir mandados contra membros do Comando Vermelho (CV) no Complexo do Alemão acontece quase quinze anos após a ação que terminou na ocupação do mesmo complexo de favelas, em novembro de 2010. Após a ação desta terça-feira, o governador Claudio Castro disse que o conflito ultrapassou o âmbito da segurança pública tradicional e que o estado não tem condições de atuar sozinho. Mais de 50 pessoas morreram até o momento.

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— Para uma guerra dessa, que nada tem a ver com a segurança urbana, deveríamos ter um apoio maior e até das Forças Armadas. É uma luta que já extrapolou toda a ideia de Segurança Pública e que está na Constituição. O Rio está sozinho nessa guerra — disse o governador Cláudio Castro em uma coletiva de imprensa durante a manhã.

Castro disse que o governo federal negou por três vezes a ajuda de blindados da Marinha e Exército para a operação. Ele alertou ainda para a possibilidade de retaliação por parte dos criminosos após a operação, que também mirou o Complexo da Penha. Os criminosos apresentaram forte resistência com barricadas em chamas em diferentes pontos das comunidades e até o uso de drones com explosivos contra os agentes policiais.

Cerca de 2,5 mil policiais foram mobilizados para a operação desta terça-feira nas duas comunidades. O número é próximo ao que foi usado na ação de 2010, quando 2,6 mil pessoas, entre policiais militares, civis, federais e homens das Forças Armadas, participaram da invasão à comunidade. A operação daquele ano aconteceu após uma onda de violência no Rio de Janeiro, com arrastões, veículos queimados e ataques às forças de segurança que eram, segundo o governo estadual, uma reação à política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS). Após o início da operação desta terça-feira, criminosos reagiram e fecharam vias expressas importantes, como a Linha Amarela e a Grajaú-Jacarepaguá.

Dias antes da tomada do Alemão em 2010, as forças policiais entraram na Vila Cruzeiro levando à fuga de criminosos em direção ao complexo vizinho. A imagem registrada pela TV Globo de bandidos escapando a pé e em motos e carros por uma estrada de terra no alto da comunidade se tornou emblemática do período. Dias depois, quando os agentes entraram no Complexo do Alemão, os criminosos não ofereceram resistência.

Na época, o então secretário de Segurança Pública, José Beltrame, afirmou que a ocupação da comunidade pelas forças de segurança acabava com a “crença na invencibilidade” do Complexo do Alemão. Uma bandeira do Brasil foi hasteada no alto do teleférico do Alemão.

— Nós não vencemos a guerra, mas pode-se dizer que vencemos a mais difícil e importante batalha — disse Beltrame.

Na avaliação do ex-secretário nacional de Segurança José Vicente da Silva, a nova operação é um “sintoma do fracasso” da política de segurança do estado. Ele avalia que o avanço do crime organizado nos últimos anos ajuda a explicar a resistência enfrentada pelas autoridades.

— Eles estão com mais poder. A quantidade de fuzis que se apreende todo ano no Rio é maior que a do resto do país, por exemplo.

O coronel do Exército e analista de Segurança e Defesa Alessandro Viscaro chama atenção para a mudança de atitude dos criminosos diante das duas operações.

— Eles não se predispunham a fazer a defesa da territorialidade. Naquela ocasião (2010), eles adotaram uma estratégia mais óbvia, que era evitar o combate. Só se luta quando se sabe que vai vencer. Hoje, quando eles se predispõem a enfrentar as forças policiais com um efetivo tão robusto denota-se que são fortes o suficiente para defender o território.

A operação no Alemão em 2010 foi vista como um grande golpe contra a facção. Coronel da reserva da Polícia Militar, José Vicente disse ao GLOBO na época que os traficantes do CV tinham perdido “a grande praça de comércio que tinham na cidade”, além de toneladas de cocaína, armas, munição. Hoje, ele afirma que as autoridades precisam repensar ações do gênero e fazer planejamentos de longo prazo.

— Estamos repetindo a operação. Naquela grande operação de 2010 era o momento de consolidar a ocupação. Você vai, limpa o terreno, conquista e se estabelece. O que observamos é que a polícia não aprendeu nada. Tentou-se as UPPs, mas elas fracassaram pois não tiveram continuidade — diz Silva, que acrescenta — É preciso de um plano não para os próximos três meses, mas para os próximos 15 anos.

Para Visacro, as ações do governo nas áreas de domínio do crime devem ir além do uso da força:

— O problema é que o Estado ingressa apenas as suas capacidades coercitivas. Então se resume às operações policiais. Não entra nenhuma estratégia ampla e sistémica do Estado para retomar o controle dessas áreas que se tornaram protetorados urbanos sem lei. Esses grupos usurparam a soberania do Estado — diz o coronel do Exército.



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/28/megaoperacao-acontece-15-anos-apos-ocupacao-que-prometia-livrar-alemao-do-trafico.ghtml

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