‘Lucro do tráfico internacional do PCC passou a ficar apenas com líderes’, disse ex-delegado semanas antes de ser executado

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Corpo de ex-delegado-geral executado no litoral paulista é velado na Alesp, em SP — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo


O ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Pontes, assassinado a tiros de fuzil na noite de segunda-feira (15) em Praia Grande, disse em entrevista para um podcast em produção pelo GLOBO e a rádio CBN, três semanas antes do crime, que o Primeiro Comando da Capital (PCC) deixou há tempos de ser um grupo criminoso voltado a “auxiliar os presos”, como se auto-declarava o grupo em sua origem.

– O PCC foi constituído para ajudar os presos etc. Isso acabou. Virou um comércio. O comércio varejista (de drogas) atende às necessidades financeiras do PCC e o comércio internacional atende às necessidades financeiras dos líderes do PCC. Ou seja, sobre aquilo que é traficado para o exterior, o resultado não vem para o cofre do PCC. Ele vai para a mão dos líderes. Os líderes se tornaram o PCC. O PCC não é mais um grupo que foi constituído para ajudar os presos. Eu quero que alguém pegue uma planilha financeira e me mostre o contrário. Mostre para mim que o dinheiro do tráfico que vai para fora está dentro da planilha. Mostre para mim. Eu conheço isso porque aprendi um monte de planilha, estudei um monte de planilha. Desde o começo – afirmou Ruy.

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Aos 63 anos, Ruy Ferraz estava aposentado da Polícia Civil e atuava como secretário de Administração de Praia Grande desde janeiro de 2023. Segundo o ex-delegado-geral, a lógica do ganho maior para a liderança desencadeou no PCC uma onda de assassinatos entre os próprios “cabeças” da quadrilha.

– O Gegê do Mangue (Rogerio Jeremias de Simone, morto em 2018 em Aquiraz, no Ceará) viu que estavam comprando casa, helicóptero. Era para o PCC aquilo tudo? Claro que não. E ele cresceu os olhos. Ele foi ficar na Bolívia com o Fuminho e ele viu que a logística do PCC, que era desenvolvida para levar o dinheiro do tráfico varejista, também trazia a droga dos líderes. E essa droga ia para fora, e essa dava dinheiro. Você quer a prova disso? Veja uma prisão que nós fizemos, em 2014, que vai ver uma foto que mostra a droga do PCC apreendida e separada com o nome dos líderes. Isso ocorreu porque a droga não era do PCC, era dos líderes. Foi trazida na logística, mas era dos líderes. Tá com o nome do cara lá. Só que ninguém revela isso. Eu falo em cima de documento. Se eu não tiver o documento, eu não posso falar – afirmou Ruy.

Novas imagens mostram tentativa de ex-delegado escapar de criminosos

Questionado sobre como o PCC, então, consegue manter a massa carcerária unida e forte se as pessoas abaixo da liderança não são contempladas com a atividade mais lucrativa da facção, o ex-delegado afirmou que o dinheiro não desapareceu, apenas a parte maior mudou de mãos.

– Eles recebem apoio dentro da carceragem, a família deles recebe assistência lá na comunidade, porque o dinheiro do PCC também é para isso. O PCC tem algumas fontes de renda, como o tráfico varejista. É o cigarro dentro da cadeia, é a rifa, é o assistencialismo, a ‘cebola’, aquilo que eles pagam mensalmente. O PCC movimenta muito dinheiro. Esse dinheiro do tráfico interno, você imagina o tráfico interno? São 3 toneladas de cocaína por mês sendo vendida por São Paulo. Você imagina o dinheiro que é isso? Só que é um lucro que é menor do que o lucro do tráfico internacional. Se você traz na logística do PCC por US$ 1.500 um quilo de cocaína pra pôr no contêiner e mandar para lá (Europa e África, por exemplo), lá você vai receber US$ 40 mil. No fim das contas, você gastou 5 ou 6 mil dólares nesse quilo de estrutura, de logística, para passar a droga para fora, e você ganhou US$ 34 mil de lucro por quilo. Você não vai ganhar a mesma coisa no tráfico varejista, mas é muito dinheiro – completou o ex-delegado.

O ex-delegado-geral foi executado a tiros enquanto dirigia um carro em Praia Grande. Imagens do crime mostram seu carro sendo perseguido e colidindo com um ônibus. Na sequência, homens descem de outro veículo e atiram contra o automóvel da vítima.

Dias antes de ser executado, ex-delegado disse temer pela própria vida

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Ele foi delegado-geral de São Paulo entre 2019 e 2022. Comandou divisões como Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc) e Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), além de dirigir o Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap).

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou nesta terça-feira, 16, que a polícia identificou dois suspeitos de envolvimento no assassinato do ex-delegado Ruy Ferraz Fontes. Em um post publicado em suas redes sociais, ele também informou que irá pedir prisão temporária dos dois.

Derrite também negou oferecida ajuda pelo governo federal para investigar o caso. O apoio da Polícia Federal foi oferecido pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que ligou para o governador do Estado para fazer a oferta.

— Agradecemos o apoio da Polícia Federal, mas no momento todo o aparato do estado aqui é 100% capaz de dar a pronta resposta necessária — afirmou.

* Colaborou Sérgio Quintella



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/09/16/lucro-do-trafico-internacional-do-pcc-passou-a-ficar-apenas-com-lideres-disse-ex-delegado-semanas-antes-de-ser-executado.ghtml

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