Festival do Rio: cinema toma conta da cidade

Tempo de leitura: 16 min


Dias antes de estrear no circuito nacional, Ainda Estou Aqui contou com uma sessão especial no Cine Odeon, em 21 de outubro de 2024, durante o Festival do Rio. Os ingressos logo se esgotaram, e a plateia, visivelmente tocada, aplaudiu com entusiasmo quando os créditos subiram ao som de É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo, de Erasmo Carlos. Essa cena se repetiu em milhares de salas ao redor do planeta e a odisseia de Eunice Paiva, brilhantemente interpretada por Fernanda Torres no filme de Walter Salles — atuação, aliás, que lhe rendou o Globo de Ouro de melhor atriz dramática —, tornou-se o mais bem-sucedido longa da história do Brasil, arrecadando mais de 200 milhões de reais e arrematando uma inédita estatueta de melhor filme internacional no Oscar.

Compartilhe essa matéria via:

Está agora nas mãos do atual representante brasileiro na mesma categoria, O Agente Secreto, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, a missão de fazer bis sob os holofotes de Hollywood, na festa marcada para março do próximo ano. A película, que já conquistou duas palmas em Cannes, participa da mostra Hors Concours do festival mais grandioso da América Latina, uma dedicatória do Rio à sétima arte. Nenhuma outra edição se espalhou por tantas regiões na cidade quanto esta, entre quinta (2) e 12 de outubro. “A intenção é incentivar a formação de um público diverso”, celebra a diretora-executiva, Ilda Santiago.

“A cada vez que o filme é visto parece gerar mais força e curiosidade”, conta Kleber Mendonça Filho, de Agente Secreto: promessa de seguir os passos de Ainda Estou Aqui. (Laura Castor/Sofia Paciullo/Divulgação)

Da Gávea ao Complexo do Alemão, passando pelo Centro e Niterói, 25 salas vão exibir quase 300 filmes, entre curtas e longas, do Brasil e do mundo. “Sempre tivemos o desejo de expandir a mostra para locais com menos acesso à arte, e conseguimos”, diz Ilda, na produção do festival desde os primórdios, no fim dos anos 1990.

 

Cidade do cinema: onde assistir à programação, Museu do Amanhã (acima) e Parque Suzana Naspoli (abaixo).
Cidade do cinema: onde assistir à programação, Museu do Amanhã (acima) e Parque Suzana Naspoli (abaixo). (Alexandre Macieira/Riotur/Fabio Motta/Prefeitura do Rio de Janeiro)

Uma das novidades desta temporada é que espaços como o Museu do Amanhã, o Centro Cultural Justiça Federal e o Parque Susana Naspolini, em Realengo (que ganhará um cinema ao ar livre), oferecerão sessões gratuitas de obras oriundas de 74 países dos cinco continentes, além da exibição de quatro séries nacionais. Um dos destaques é Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, baseada no podcast Praia dos Ossos, que traz Marjorie Estiano na pele da socialite mineira vítima de feminicídio em Búzios, em 1976. “A tese da legítima defesa da honra só foi definitivamente abolida pelo STF em 2021. Exibir a série é dar voz a um debate urgente e necessário”, reflete Andrucha Waddington, diretor da produção.

Variedade na telona: quatro séries brasileiras, como Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, com direção de Andrucha Waddington, serão exibidas
Variedade na telona: quatro séries brasileiras, como Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, com direção de Andrucha Waddington, serão exibidas. (Raquel Cunha/Conspiração Filmes/Divulgação)
Continua após a publicidade

Em primeira mão, os cariocas poderão assistir ainda a outros títulos que vêm se sobressaindo na corrida pelo Oscar, como o norueguês Valor Sentimental, de Joachim Trier, e o drama Hamnet: a Vida Antes de Hamlet, da chinesa Chloé Zhao, que endossa o protagonismo das mulheres por trás das câmeras. Ícone da teledramaturgia, Glória Pires trará à luz seu primeiro longa como diretora, Sexa, na mostra Hors Concours. “Lançar no Festival do Rio é a materialização de um sonho”, comemora atriz. “Todos os meus filmes passaram pelo evento, então é um orgulho muito grande”, faz coro Lúcia Murat, diretora do documentário Na Onda da Maré.

Em nova função: Glória Pires estreia como diretora de Sexa e realiza o sonho de exibir seu primeiro longa no festival.
Em nova função: Glória Pires estreia como diretora de Sexa e realiza o sonho de exibir seu primeiro longa no festival. (Helena Barreto/Divulgação)

A francesa Juliette Binoche, com passaporte já carimbado para o Rio, e a americana Kristen Stewart também terão seus longas de estreia, In-I in Motion e A Cronologia da Água, respectivamente, nas telas do festival. Por coincidência, a película O Quarto do Pânico, estrelada por Kristen, que despontou em Crepúsculo, ganhou releitura de Gabriela Amaral, que realocou a saga para o Brasil. “O cinema nacional é reflexo de nossa cultura e realidade, com narrativas que dialogam com questões socioculturais muito próprias”, filosofa Isis Valverde, protagonista da nova versão, destaque da Première Brasil: Midnight Movies.

Juliette Binoche Rio In-I in Motion
A atriz Juliette Binoche: passaporte carimbado para o Rio, onde apresenta o filme In-I in Motion, que dirigiu. (Juan Naharro Gimenez/Getty Images)

Compostas de obras provocadoras, a seleção de suspenses feitos em solo brasileiro e a mostra Geração, voltada para o público infantojuvenil, contêm a ideia de trazer diversidade ao festival. “Existe muita resistência ao cinema brasileiro de gênero, às animações e aos filmes para crianças e adolescentes. Queremos quebrar esse sistema clássico em que filmes dramáticos são os mais importantes”, defende Ilda Santiago.

Continua após a publicidade

+ Dwayne Johnson, o The Rock, interpreta lenda do MMA em novo filme

A fim de impactar mais plateias, haverá também leitura de roteiros com realizadores e atores no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana. As atrizes Yara de Novaes e Carol Duarte se juntam a Pedro Freire para discutir o emocionante Malu, Carla Ribas e Sandra Kogut se debruçam sobre Campo Grande, e Esmir Filho encontra Jesuíta Barbosa para outro mergulho na vida de Ney Matogrosso em Homem com H.

+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

Uma atração adicional será a seleção Especial COP30 — Futuros Possíveis, com produções inéditas sobre desenvolvimento sustentável e painéis de discussão sobre o tema, um debate candente. Os encontros de mercado também representam um naco da programação. “A RioMarket é a área de reflexões sobre a indústria e políticas públicas. Sem ela, o cinema não existe”, arremata Ilda.

+ No clima do Festival do Rio: o último Cinema de Pijama e mostra Ifé

Continua após a publicidade

Antes de se consolidar como polo de negócios e de adquirir os ares glamorosos de tapete vermelho, o Festival do Rio já havia conquistado os cinéfilos da cidade. “Eu aguardava ansioso pela seleção, com muitos filmes internacionais que não seriam distribuídos por aqui depois. Muitas vezes não tinham nem legenda em português”, lembra com carinho o crítico e escritor Pedro Butcher. Nascido da junção do Rio Cine Festival com a Mostra Banco Nacional de Cinema, a primeira edição do evento, em 1999, debutou com imponência, apresentando lançamentos de profissionais renomados como Carlos Reichenbach (1945-2012) e Eduardo Coutinho (1933-2014).

Corrida pelo Oscar: Depois da Caçada, de Luca Guadagnino, com Julia Roberts, e Hamnet: a Vida Antes de Hamlet (à esq.) estão na disputa
Corrida pelo Oscar: Depois da Caçada, de Luca Guadagnino, com Julia Roberts, e Hamnet: a Vida Antes de Hamlet (à esq.) estão na disputa. (./Divulgação)

Ao longo dos anos, nomes como o lendário diretor queer John Waters, de Hairspray (1988), e Luca Guadagnino, responsável por Depois da Caçada, obra de abertura deste ano, estiveram nestas praias. “A presença estrangeira faz o Festival do Rio ter um intercâmbio maior que outras mostras nacionais, e isso contribui muito para a internacionalização da produção brasileira”, analisa Butcher. “Representa um lugar de formação para mim. Frequentei primeiro como crítico, depois como cineasta, ganhando o troféu Redentor com O Som ao Redor”, diz Kleber Mendonça Filho.

“Presença estrangeira faz o Festival do Rio ter um intercâmbio maior que outras mostras nacionais”, analisa o crítico Pedro Butcher.
“Presença estrangeira faz o Festival do Rio ter um intercâmbio maior que outras mostras nacionais”, analisa o crítico Pedro Butcher. (Davi Campana/Divulgação)

O mercado local também tem a chance de mostrar sua ebulição. Serão 33 representantes cariocas, com direito a documentário, suspense e comédia. “Dá para notar o aumento do interesse do público por projetos brasileiros. Isso é maravilhoso, porque, além de fomentar a cultura, gera empregos”, exalta Carolina Dieckmmann, estrela de Pequenas Criaturas e Des(Controle), que estreia na mostra. Só no Rio, 58,5 milhões de reais foram investidos na área em 2023, sendo que a capital concentra 17,5% dos postos de trabalho no Brasil, com 1 675 empresas que têm no audiovisual sua fonte de sustento.

Continua após a publicidade

+ Leonardo DiCaprio precisa salvar a filha em longa de Paul Thomas Anderson

“O Festival do Rio é o maior evento de cinema da América Latina e um dos mais respeitados do mundo. Isso impulsiona negócios, atrai turistas, fortalece a indústria e reafirma o nosso lugar de capital da criatividade”, explica Bernardo Fellows, presidente da Riotur. Nos 100 primeiros dias deste ano, o Rio respondeu por uma fatia de 80% do mercado no país. Dados da RioFilme apontam que, no mesmo 2023, 7 885 diárias foram autorizadas para a produção de 68 seriados e sessenta longas, tornando a cidade a mais filmada da América Latina.

Festival do Rio números box
Mercado em alta: os números do festival. (Arte/Veja Rio)

Os números dão os contornos de uma vocação quase natural. A orla banhada pelo Oceano Atlântico é cenário recorrente em blockbusters de ação. A franquia Os Mercenários, estrelada por Sylvester Stallone, teve cenas gravadas no Parque Lage. Velozes e Furiosos pôs o Rio no título do quinto filme da franquia, no qual os motoristas mais imprudentes da telona visitam o Pão de Açúcar e a Lapa.

Recentemente, o solo carioca se transformou em set de sucessos nacionais como Se Eu Fosse Você 3 e Nosso Lar 3 — Vida Eterna. “O fenômeno Ainda Estou Aqui fez com que produções que não viriam ao Rio elegessem a cidade como locação”, conta Leonardo Edde, presidente da RioFilme, na torcida para que o longa estrelado por Wagner Moura colecione ainda mais láureas. Um holofote dessa potência é certamente vitória para todo o cinema nacional.

Continua após a publicidade

PREPARE SUA LISTINHA

Dez produções para não perder no festival

O AGENTE SECRETO. Escolhido para representar o Brasil no Oscar e premiado com o troféu de melhor direção (Kleber Mendonça) e o de ator (Wagner Moura) em Cannes, traz um professor em fuga durante a ditadura. “É uma tentativa de entender um país que está sempre esquecendo”, defne o cineasta.

QUARTO DO PÂNICO. “É um filme brasileiro, com questões caras à nossa sociedade, como a violência urbana, o isolamento das classes altas e o racismo”, define Gabriela Amaral, diretora do suspense doméstico inspirado no longa de David Fincher.

QUATRO MENINAS. Em 1885, quatro jovens negras escravizadas planejam fugir, mas suas senhoras brancas descobrem e as seguem. Forçadas a ficar juntas, elas desafiarão as estruturas de poder. O longa venceu três prêmios no Festival de Brasília.

SEXA. Diretora estreante, Glória Pires interpreta Bárbara, uma sexagenária indignada com as exigências do envelhecimento feminino. Ao se apaixonar por Davi (Thiago Martins), ela precisará enfrentar os julgamentos de uma sociedade conservadora.

HAMNET: A VIDA ANTES DE HAMLET. Sob a batuta de Chloé Zhao, segunda mulher na história a vencer um Oscar de direção, por Nomadland, a trama fictícia se debruça sobre o casal Agnes e William Shakespeare após a morte de seu filho de 11 anos.

(Des)controle: dramédia dirigida por Rosane Svartman e Carol Minêm.
(Des)controle: dramédia dirigida por Rosane Svartman e Carol Minêm. (./Divulgação)

DES(CONTROLE). Inspirada em histórias reais, a dramédia dirigida por Rosane Svartman e Carol Minêm traz Carolina Dieckmmann na pele de uma alcoolista que volta a beber após quinze anos. Irene Ravache e Daniel Filho também estão no elenco.

Nossa Terra: primeiro documentário da premiada cineasta argentina Lucrecia Martel.
Nossa Terra: primeiro documentário da premiada cineasta argentina Lucrecia Martel. (./Divulgação)

NOSSA TERRA. O primeiro documentário da premiada cineasta argentina Lucrecia Martel retrata a luta de uma aldeia indígena por justiça após seu líder ser brutalmente assassinado. Mesmo com provas da autoria do crime, o caso leva nove anos para ser julgado.

Valor Sentimental: segunda parceria da atriz Renate Reinsve com o diretor Joachim Trier.
Valor Sentimental: segunda parceria da atriz Renate Reinsve com o diretor Joachim Trier. (./Divulgação)

VALOR SENTIMENTAL. É a segunda parceria da atriz Renate Reinsve com o diretor Joachim Trier. Duas irmãs precisam enfrentar a relação conturbada como pai quando ele escala uma atriz de Hollywood para interpretar seu drama familiar.

Fernanda Abreu — Da Lata, 30 anos, O Documentário: é uma celebração da expressão social e cultural dos anos 1990.
Fernanda Abreu — Da Lata, 30 anos, O Documentário: é uma celebração da expressão social e cultural dos anos 1990. (./Divulgação)

FERNANDA ABREU — DA LATA, 30 ANOS, O DOCUMENTÁRIO. Com material inédito captado durante a gravação do álbum, o filme revisita clipes e sessões de fotos, trazendo ainda depoimentos atuais. É uma celebração da expressão social e cultural dos anos 1990.

A Voz de Hind Rajab: reconstrói a tragédia real de uma menina palestina de cinco anos que implorou por resgate após um ataque israelense.
A Voz de Hind Rajab: reconstrói a tragédia real de uma menina palestina de cinco anos que implorou por resgate após um ataque israelense. (./Divulgação)

A VOZ DE HIND RAJAB. Vencedora do Grande Prêmio do Júri de Veneza, a obra reconstrói a tragédia real de uma menina palestina que implorou por resgate enquanto estava presa num carro com os corpos de sua família após um ataque israelense em Gaza.



Com informações da fonte
https://vejario.abril.com.br/programe-se/festival-do-rio-cinema/

Compartilhe este artigo
Nenhum comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *