Ex-delegado assassinado em SP viu o PCC ‘nascer’ e acompanhou ascensão de Marcola no mundo do crime

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O ex-delegado Ruy Ferraz (à esquerda) foi responsável por indiciamentos de líderes do PCC; à direita, Marcola, chefe da facção — Foto: Reproduções


Ex-delegado geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, executado no início da noite de segunda-feira (15) em Praia Grande, na Baixada Santista, foi um dos primeiros profissionais da segurança pública paulista a combater o Primeiro Comando da Capital (PCC), no início dos anos 2000, mas não de forma voluntária. Então diretor da Delegacia de Roubo a Bancos, Doutor Ruy, como era conhecido entre os colegas, foi encarregado de erradicar um dos principais tipos de crimes da época: assaltos a agências bancárias. Ele comentou recentemente sobre o assunto em uma longa entrevista para um podcast, ainda em produção, da rádio CBN e do jornal O GLOBO.

– Quando eu assumi a delegacia, em 1995, a gente tinha uma média de 100 a 120 roubos a bancos por mês. Era uma coisa assim, um número extraordinário. Aí a gente foi batendo, batendo, batendo, batendo. Quando chegou em 1999, tinha cinco, dez casos, mas tinha quase 100 policiais e não havia mais serviço. Foi assim que começou, pois eles (o governo) não queriam que uma unidade tão grande ficasse ociosa – afirmou Ruy, durante a entrevista concedida para a gravação do podcast.

Na conversa, ocorrida no fim de agosto, o ex-delegado, que estava aposentado e atuava como secretário de Administração de Praia Grande desde janeiro de 2023, contou que as primeiras ações do estado sobre o PCC foi para conter um grande número de resgates de presos em delegacias de polícia.

– O (resgate ocorrido no) 45° DP (Vila Brasilândia, na Zona Norte) foi muito trágico. Eles invadiram e mataram um sargento da Polícia Militar, e feriram muito gravemente um soldado. E feriram todos os policiais civis do plantão. Eles resgataram quase 100 presos (foram 98). Quando nós começamos a aprender o pessoal que estava envolvido com esse assunto, vimos que era um grupo do PCC já de Campinas, não era nem de São Paulo. Ou seja, já estava espalhado. É porque eles surgiram em 1993, já tinha dado tempo deles se organizarem bem – afirmou o delegado aposentado, se referindo a uma ação ocorrida em outubro de 2000.

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Dois anos depois, outras operações chefiadas por Ferraz desencadearam um importante processo para que as autoridades pudessem entender como o PCC conseguia atuar de dentro para fora das cadeias, e vice-versa.

– Na época, havia um serviço disponibilizado pelas operadoras que era a transferência de chamada telefônica. Eles instituíam linhas fixas em diversos pontos do estado de São Paulo e essa linha fixa era como se fosse de uma telefonista. O sujeito ligava e falava assim: “Ah, eu quero falar com o Geleião (José Márcio Felício, um dos fundadores do PCC, morto em 2021). Ela, pá, passava para o Geleião. Quando nós descobrimos, percebemos que era isso que tinha acontecido, eu comecei a identificar todas as estações que reuniam essas chamadas. Eram em diversas casas. Tinha em São Paulo, tinha na Grande São Paulo, tinha no litoral e tinha no interior. Nós classificamos todas, pedimos um mandado de busca e derrubamos tudo de uma vez – contou o ex-delegado, citando a forma como os presos promoveram uma megarrebelião, em 2001, envolvendo 29 unidades prisionais.

Cerca de dois anos depois da megarrebelião nos presídios de São Paulo, o delegado passou a ouvir um nome que mudaria para sempre a forma como o PCC atuava dentro e fora do serviço penitenciário do estado.

– Em 2003, o Marcola toma o poder e ele reestrutura tudo. O PCC tinha um formato de uma hierarquia piramidal, em que o principal mote era o ideal pelo direito dos presos. Não se falava em dinheiro, não se falava em economia no PCC. Funcionava assim: os caras pertenciam ao PCC, não havia uma arrecadação certa. Se o preso ganhou dinheiro roubando alguma coisa, ele mandava um dinheiro para o Cezinha, para o Geleião, para os líderes, de uma forma geral, conforme o nível de relacionamento. Normalmente eram as mulheres que entregavam esse dinheiro ou mantinham o dinheiro para distribuir. Não havia uma planilha financeira clara de recolhimento de dinheiro e de pagamentos. Isso começa a surgir depois de 2004. Eu acho que o Marcola altera a sistemática de comando. Ele a torna um pouco mais leve do que era. Antes, era tudo concentrado nos líderes, mas ele vai dando funções para líderes intermediários.

A partir da subida de Marcola, o PCC passa a se organizar para se financiar, com o pagamento de mensalidade, conhecido como cebola (pois o membro pagava chorando), além da realização de rifas.

– E aí ele começa a arrecadar dinheiro de quem está na rua, cobrar rifa de quem está preso. Aí, quando você dava o bote nos caras (quando ocorria uma prisão) aparecia uma planilha, que mostrava a forma como eles tinham que prestar conta para a liderança. Marcola transforma um grupo formado para reivindicar, ainda que de maneira violenta, fora do presídio, numa empresa. Uma empresa que só tem caráter econômico.

Ruy Ferraz foi delegado-geral de São Paulo entre 2019 e 2022. Ele comandou divisões como Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc) e Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), além de dirigir o Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap). O ex-delegado-geral foi executado a tiros enquanto dirigia um carro em Praia Grande. Imagens do crime mostram seu carro sendo perseguido e colidindo com um ônibus. Na sequência, homens descem de outro veículo e atiram contra o automóvel da vítima. O velório e o enterro ocorreram no dia seguinte, na capital paulista.

(Colaborou Sérgio Quintella)



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/09/16/ex-delegado-assassinado-em-sp-viu-o-pcc-nascer-e-acompanhou-ascensao-de-marcola-no-mundo-do-crime.ghtml

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