Um carioca que passou anos nas manchetes policiais dos jornais hoje ganha destaque na mídia por conta de seu trabalho social na periferia do Estado do Rio de Janeiro. Fábio Pinto dos Santos, que já foi conhecido como Fabinho do São João, conversou com O São Gonçalo sobre sua trajetória de superação: após liderar criminosos em uma das maiores facções do país e cumprir 25 anos de pena, ele é hoje coordenador de um projeto que tem ajudado a manter ex-presidiários longe do crime.
Autor: Jornal O São Gonçalo
Fabinho é um dos coordenadores do Favela Llog, projeto da ONG Central Única das Favelas (Cufa) que oferece entregas de e-commerce para moradores de comunidades que não são atendidas pelas transportadoras tradicionais. Através do Projeto Recomeço, a iniciativa contrata ex-detentos e pessoas que deixaram a vida do crime para trabalharem como entregadores no projeto.
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“Eu tinha a ideia de a gente montar algo que pudesse agregar pessoas que são egressas do sistema prisional ou que foram do crime e largaram, assim como eu. Nós tivemos a ideia de pôr justamente pessoas que eram dessas regiões para fazer as entregas em locais que não costumam receber encomendas por conta da segurança. Nós entregamos justamente nas comunidades”, explica Fabinho.
Favela Llog tem centro de logística em São Gonçalo, no bairro Zumbi
O projeto atende favelas em São Paulo, Bahia e aqui no Rio. Desde o ano passado, o Favela Llog também tem um centro de logística em São Gonçalo, no bairro Zumbi; de lá, as equipes coordenadas por Fabinho realizam entregas em comunidades de SG e Niterói. A iniciativa faz parte do grupo Favela Holding, holding de cunho social da Cufa. Fabinho afirma que a parceria com a ONG foi crucial para que ele começasse uma nova vida após o crime.
“Você não tem noção do orgulho que eu tenho hoje de dizer que eu sou da Cufa. Entrar para o crime é muito fácil; as portas estão abertas, os braços estão abertos. Mas sair do crime é muito difícil. Se eu não tivesse tido o apoio da Cufa, sinceramente, mesmo estando com aquela vontade de sair do crime, talvez eu tivesse voltado”, enfatiza Fabinho.
“Tinha a ilusão de que aquilo era o certo”
Estar à frente do projeto é apenas um dos elementos na vida atual de Fabinho que ele não imaginava experimentar há alguns anos atrás. Envolvido com o tráfico de drogas desde os 17 anos, ele passou boa parte da vida cercado pelos limites do sistema prisional ou da rotina no crime. O coordenador social conta que seu envolvimento foi bastante motivado por algumas questões familiares e pelo senso de “luta contra o sistema” que o crime prometia.

Experiências no tráfico e na prisão levaram Fabinho a escolher trabalhar com projetos para afastar jovens do crime
“Eu, na época muito jovem, tinha a ilusão de que aquilo era o certo, achava que eu estava lutando contra o Estado, contra a política, contra tudo – o que, na verdade, era um engano tremendo. A coisa foi crescendo até eu me tornar um dono de tráfico e um dos líderes da facção de que um dia fiz parte”, conta Fabinho, que comandava o Morro do São João, em Engenho Novo, na Zona Norte do Rio.
O carioca foi detido pela primeira vez ainda enquanto menor de idade. Já aos 18 anos, ele fugiu da cadeia, após ser preso por um assalto a carro forte. Eventualmente, se tornou uma das figuras mais procuradas pela Polícia do Estado. Participou de crimes, ordenou assaltos, teve filhos que não pode ver. Por fim, foi parar em um presídio federal de segurança máxima no Rio Grande do Norte. Foi só lá que ele realmente começou a repensar as escolhas.

“A coisa foi crescendo até eu me tornar um dono de tráfico e um dos líderes da facção de que um dia fiz parte”, relembra Fabinho
“É o pior local que eu vi na minha vida. Leva a pessoa ao extremo de até tentar o suicídio. Muitos morreram na nossa federal, seja por doença ou tirando a própria vida. Ali, a pessoa começa a pensar melhor, a falar: ‘meu Deus, eu não quero mais isso pra mim’. A primeira coisa que você ouve é que lá você não tem direito algum. Ou melhor, só tem um: não ter direitos. E aí já começa a sessão de humilhação, de vergonha”, detalha.
Da prisão ao impacto social
Os anos na Penitenciária Federal de Mossoró, no RN, foram os mais difíceis, segundo Fabinho. O coordenador social afirma que o sistema prisional lhe ofereceu mais resistência para deixar a vida pregressa do que a hierarquia do crime.
“Não é interessante para o sistema que o preso mude de vida e se ressocialize. Não fazem nada para isso – nem no Estado, nem na União, nem no presídio federal. Tudo que eles puderem fazer para impedir que você estude, que você trabalhe, vão fazer”, diz Fabinho, que conta ter enfrentado de agressões a negativas para conseguir um mero manual de estudos para vestibular.

“Não é interessante para o sistema que o preso mude de vida e se ressocialize”, afirma coordenador social
Mesmo assim, ele conseguiu passar em um Enem para Pessoas Privadas de Liberdade (PPL), teve seus pedidos de comutação de pena avaliados depois de muitos anos e, após conseguir a soltura, procurou a Cufa, ONG de que se aproximou após conhecer o fundador, Celso Athayde, em um evento na prisão.
Daí em diante, sua vida mudou. Fabinho conta que ainda enfrentou alguns problemas ocasionais na justiça por conta da vida pregressa, mas nunca mais cogitou voltar para o crime.

Fabinho coordena projeto Favela Llog, da Central Única das Favelas
Hoje, sua vida é corrida: administra mais de 100 funcionários do projeto FavelaLlog, é responsável pelo podcast 01 Sobreviventes e roda o Estado para cuidar das diferentes demandas desses dois projetos. Apesar da rotina cansativa, ele nunca esteve tão feliz com sua vida e espera que essas atividades ajudem a evitar que outros jovens não precisem passar pelas experiências que ele passou para constatarem que o crime, de fato, não compensa.
“O crime só tem dois caminhos: prisão ou morte. Eu não quero que ninguém passe o que eu passei na prisão. E, graças a Deus, eu tive a oportunidade de estar vivo. Muitos não chegaram aos meus 18 anos. Eu quero mostrar hoje que tem solução. Existe um outro caminho”, conclui Fabinho.
2025-08-31 15:19:00