Estimulação é o motor, motivação é o combustível

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Referência nacional em apraxia de fala na infância, fonoaudióloga fala sobre sinais precoces, diagnóstico, caminhos terapêuticos e o papel essencial da família

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Psicóloga ajudando uma garota na terapia da fala

Dra. Ingrid Gielow é uma das maiores autoridades no Brasil quando o assunto é apraxia de fala na infância (AFI), um transtorno motor ainda pouco conhecido por pais, professores e até alguns pediatras. Nesta entrevista, ela explica de forma clara como diferenciar a apraxia de um simples atraso de linguagem, comenta os avanços genéticos no entendimento do distúrbio e destaca a importância de intervenções precoces com métodos eficazes, como o DTTC. Dra. Ingrid também fala dos desafios enfrentados pelas famílias no sistema de saúde, da necessidade de capacitação dos fonoaudiólogos e do papel crescente da tecnologia no apoio ao tratamento.

Por que a apraxia de fala costuma ser confundida com atraso de linguagem ou autismo — e o que isso pode atrasar no tratamento?
Porque a criança fala pouco, demora a falar, usa gestos ou parece não avançar na comunicação, o que lembra outros quadros. Mas na apraxia, a dificuldade está em planejar e coordenar os movimentos da fala, mesmo que a criança entenda tudo o que está acontecendo. Esse erro de interpretação pode atrasar o diagnóstico e, com isso, o início da terapia correta — que é crucial para o desenvolvimento da criança.

O que a ciência já sabe sobre as causas da apraxia?
Já se sabe que a apraxia tem base neurológica. Estudos identificaram mutações genéticas, como no gene FOXP2, ligadas ao transtorno. Isso ajuda a entender por que uma criança compreende o mundo à sua volta, mas não consegue transformar isso em fala de forma fluida. No Brasil, uma pesquisa liderada pela Dra. Rita Passos-Bueno em 2023 identificou 18 novos genes relacionados ao quadro. O avanço genético está acelerando — e, com ele, nossas chances de oferecer diagnósticos mais precisos e tratamentos personalizados.

O uso do método DTTC pode mudar a trajetória da criança com apraxia?
Sem dúvida. O DTTC é uma abordagem terapêutica que ensina a criança a “treinar” os movimentos da fala com muita repetição, ritmo e apoio visual e auditivo. Quando aplicado corretamente, melhora a clareza da fala, traz mais confiança e reduz a frustração. A criança começa a se expressar melhor, o que impacta positivamente sua relação com a família, com os colegas e com o mundo.

Quais sinais mais sutis os pais podem observar nos primeiros dois anos?
Pouco ou nenhum balbucio, uso limitado de sons e sílabas, dificuldade em imitar palavras simples e frustração visível ao tentar se comunicar. Esses sinais não confirmam o diagnóstico, mas são alertas importantes para procurar um fonoaudiólogo. Hoje já temos instrumentos específicos, como a avaliação motora da fala DEMSS, traduzida para o português, que ajudam a diferenciar a apraxia de outros quadros.

Como manter a motivação da criança — e da família — em terapias que exigem tempo e persistência?
Tornar a terapia algo positivo, lúdico e funcional é fundamental. Usamos músicas, jogos, expressões faciais, reforços positivos… E orientamos os pais a valorizar cada pequena conquista. Ao mesmo tempo, é importante manter o foco em práticas intensas, com poucas distrações e muita repetição estruturada. O segredo é equilibrar técnica com afeto.

Tecnologias como aplicativos e inteligência artificial podem ajudar ou atrapalhar?
Podem ajudar, desde que bem integradas ao plano terapêutico. Aplicativos que estimulam o treino motor da fala, softwares com feedback visual ou auditivo e até ferramentas com IA podem aumentar o engajamento. Mas tudo isso precisa ser supervisionado, senão há risco de reforçar padrões errados. A tecnologia é bem-vinda, mas nunca substitui o olhar clínico do fonoaudiólogo.

Como lidar com o ritmo diferente de evolução entre as crianças?
Cada criança tem seu tempo, e nem todas vão alcançar o mesmo nível de fluência. É preciso acolher as famílias, dar suporte emocional e ajustar as expectativas. Também é fundamental desmistificar o uso da comunicação aumentativa e alternativa (CAA), como pranchas ou tablets com imagens, que podem ser um apoio precioso — e não atrapalham a aprendizagem motora da fala.

O sistema de saúde brasileiro está preparado para lidar com a apraxia?
Ainda não. Muitas famílias percorrem uma verdadeira maratona até chegar ao diagnóstico e ao tratamento adequado. Os protocolos do SUS e dos planos de saúde não reconhecem a apraxia de forma clara, e faltam profissionais capacitados para identificá-la. A Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia vem atuando fortemente nessa frente, oferecendo cursos, trazendo especialistas internacionais e defendendo maior frequência e intensidade nas terapias.

O que é preciso mudar na formação dos fonoaudiólogos?
A apraxia precisa estar mais presente nos cursos de graduação e nos treinamentos práticos. É necessário incluir temas como neurociência da fala, avaliação motora dinâmica e métodos baseados em evidência, como DTTC. Quanto antes o profissional souber reconhecer os sinais e aplicar a abordagem correta, melhor será o prognóstico da criança.

Se você pudesse dar apenas um conselho aos pais que acabaram de receber o diagnóstico de apraxia, qual seria?
Não desistam. Procurem ajuda especializada, confiem no processo e celebrem cada pequena vitória. A jornada é desafiadora, mas a dedicação da família muda tudo. Como costumo dizer: estimulação é o motor, motivação é o combustível.

Alexandre Hercules é editor-chefe da Brazil Health





Com informações da fonte
https://jovempan.com.br/saude/estimulacao-e-o-motor-motivacao-e-o-combustivel.html

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