A Prefeitura do Rio proibiu nesta sexta-feira a concessão de alvará de licença para estabelecimentos que usem equipamentos para apostas lotéricas, como os de vídeo loteria (VLTs). O tema foi regulamentado no início da semana pelo governador Cláudio Castro (PL), mas nesta quinta-feira, o prefeito Eduardo Paes (PSD) anunciou medidas contrárias ao tema. Especialistas ouvidos pelo EXTRA dizem que a prefeitura tem o poder de polícia administrativa para impedir a instalação das máquinas. O advogado Miguel Godoy, professor da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que é preciso, no entanto, embasar a negativa.
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— Ainda que a empresa esteja credenciada pela Loterj, ela depende do alvará para funcionar. O município pode negar o alvará se houver fundamento urbanístico, ambiental, de segurança, de zoneamento ou de interesse público local. Até se o bar já tiver um alvará e quiser instalar uma máquina, a prefeitura pode entender que a atividade representa mudança de uso — explica.
Especializado em Direito Administrativo, Hermano Cabernite diz que a saída pode ser uma discussão no Legislativo:
— Poderia ser criada uma lei municipal compatível com as regras estaduais, mas estabelecendo condições próprias.
A proibição
Na capital, a prefeitura não vai conceder alvarás para aqueles estabelecimentos que utilizem as máquinas de apostas. A proibição de ter os equipamentos se estende aos locais que já possuem licença, como bares e restaurantes. Nesses casos, o lugar pode ter o alvará cassado, caso instale qualquer máquina por ser considerado um desvio de finalidade da autorização inicial. A regra não vai ser aplicada às loterias da Caixa Econômica Federal.
Paes classificou a medida do governo estadual como “equivocada” e disse que a exploração das máquinas não pode ser autorizada sem amplo debate público e regras claras. A prefeitura considera que a liberação sem uma regulamentação pode gerar problemas à saúde pública, segurança, além de dificultar a prevenção de dependência de jogos. A proteção à criança e ao adolescente também foram considerados para o município tomar a medida.
Em um vídeo publicado nas redes, Paes disse que a legalização dos equipamentos deve envolver “responsabilidade e cuidado”, considerando os impactos sociais e de saúde pública.
— Na cidade do Rio, a gente vai adotar cautela, e vamos definir que, por ora, estabelecimentos comerciais sigam sem poder expedir alvará de funcionamento pela Prefeitura caso tenham maquininhas de jogos. Acho que questões como esta precisam ser discutidas de forma profunda, séria antes de serem definidas, porque os interesses da população têm que estar acima de qualquer outro interesse que seja — disse.
De olho nas eleições
Nos bastidores, aliados do prefeito enxergaram o movimento como um aceno ao público evangélico, cuja atenção Paes disputa neste período pré-eleitoral.
Apesar da discordância, o prefeito ligou do exterior para agendar com o governador uma conversa sobre as máquinas de vídeo loteria. Essa não foi a primeira vez que Paes entrou em rota de colisão com Castro ou seus aliados. Nos últimos meses, eles travaram uma longa disputa sobre a integração do sistema estadual de transportes com a bilhetagem eletrônica do município, o Jaé. Na Câmara, no primeiro semestre, os embates foram em torno do projeto de armar a Guarda Municipal.
Em nota, o governo do Rio diz que “qualquer contribuição para reforçar as medidas já adotadas, por meio do decreto, poderá ser debatida e ouvida, tendo como prioridade a proteção dos cidadãos fluminenses”.
O presidente do Instituto Jogo Legal, Magnho José diz que a decisão da prefeitura é “equivocada” e a operação é permitida por lei federal.
— Vídeo loteria não é caça-níquel e não é proibido. O decreto prevê expressamente a proibição de caça-níqueis. Laboratórios credenciados pelo Ministério da Fazenda e Estado serão certificadores e vão emitir um laudo para a loteria atestando que o equipamento preenche os requisitos de uma vídeo loteria. Os terminais terão QR code com as autorizações — defende.
Alerta de especialistas
A ludopatia, condição médica caracterizada pelo desejo incontrolável de continuar jogando, é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A novidade, com a autorização para a liberação das novas máquinas, já despertam advertências de psiquiatras que estudam o vício em jogos ouvidos pelo EXTRA.
— A gente não consegue prever quem vai ter vulnerabilidade e desenvolver uma dependência — alerta Rodrigo Machado, colaborador do Programa de Transtornos do Impulso (Pró-Amiti), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
O psiquiatra Rodrigo Machado afirma que existe uma grande preocupação da área da ciência que trata das dependências com a expansão do mercado dos jogos de azar no mundo inteiro.
— Há mais de 30 anos, a gente sabe que o jogo de azar adoece. Não se fica dependente só de substâncias químicas, mas também de comportamentos que sejam muito sedutores para o nosso cérebro, como o jogo de azar. Só que no passado era diferente. Cassinos, bingos, eram predominantemente analógicos. Com o advento da tecnologia, especialmente da internet e dos smartphones, o que a gente começou a ver é que o jogo mudou muito nas suas características. Os jogos eletrônicos, como são hoje em dia, trazem um ciclo de estimulação para o cérebro muito mais intenso e mais frequente do que era o jogo de azar lá atrás, em especial essas máquinas de caça-níquel — avalia o especialista.
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Especialistas explicam que prefeitura pode barrar alvarás de vídeo loterias no Rio
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