Mesmo que não seja sua área de atuação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem despontado como um dos principais porta-vozes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no combate ao crime organizado.
Não só se tornaram frequentes nos últimos meses declarações do ministro sobre o assunto, como ele tem participado ativamente da articulação no Congresso sobre a agenda de segurança pública, pauta que sempre foi o “calcanhar de Aquiles” para a esquerda brasileira.
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O protagonismo do chefe da equipe econômica atende a um pedido do Palácio do Planalto, mas também é considerado natural, já que a Receita Federal, órgão da Fazenda, tem participado ativamente de investigações contra esquemas criminosos bilionários, como na Operação Poço de Lobato, deflagrada ontem.
Assim como na agenda tributária, Haddad tem defendido que é preciso combater o “andar de cima” do crime, asfixiando financeiramente as organizações criminosas.
Um exemplo da atuação do ministro no tema da segurança pública foi dado nesta quinta-feira. Ao comentar a Operação Poço de Lobato, Haddad fez um apelo pela aprovação de propostas que visam “reorganizar” o combate ao crime organizado no país.
Um deles, o que pune o chamado devedor contumaz, vem sendo defendido pela Fazenda desde o começo do governo e visa a estabelecer punições mais severas para empresas que deixam de pagar tributos de forma reiterada e sem justificativa como uma estratégia de negócio.
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A proposta já recebeu aval dos senadores e estava parada na Câmara até esta quinta-feira. Horas depois da declaração de Haddad, o presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou o deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) para relatar o texto.
Alvo da operação desta quinta, o grupo Fit, da Refinaria de Manguinhos, foi classificado pela Receita como o “maior devedor contumaz do país”, com uma dívida tributária superior a R$ 26 bilhões aos cofres estaduais e federais. Foram cumpridos 126 mandados de busca e apreensão contra pessoas físicas e jurídicas em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Bahia.
Segundo a investigação, que abrange todos os níveis da cadeia de combustível, o grupo movimentou mais de R$ 70 bilhões em apenas um ano, utilizando empresas próprias, fundos de investimento e offshores para ocultar e blindar lucros.
A análise dos fundos identificou a participação de entidades estrangeiras como sócias e cotistas, que foram constituídas em Delaware (EUA), um paraíso fiscal. De acordo com o Fisco, a prática é comumente associada a estratégias voltadas à lavagem de dinheiro ou blindagem patrimonial dos envolvidos. A empresa não se manifestou ao longo do dia ontem.
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— Para continuarmos o nosso trabalho, precisamos abrir essas duas frentes. Primeiro devedor contumaz. É um apelo que eu faço aqui — disse Haddad.— O ministro Lewandowski e eu levamos ao presidente Lula a necessidade de negociações que estão sendo bem-sucedidas incluir a pauta da lavagem de dinheiro e da exportação ilegal de armas para o Brasil — completou o ministro.
Haddad também defendeu a aprovação do PL Antifacção, do texto que endurece a punição contra o crime de receptação e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da segurança pública.
— São diplomas legais que reorganizam o país para combater o andar de cima. Todo mundo reconhece que, se não asfixar financeiramente as organizações criminosas, vai ter uma reposição de mão de obra barata na base e não vai se ter controle. Precisamos atuar também pelo andar de cima, porque é o andar de cima que irriga as atividades criminosas com bilhões de reais.
De autoria do governo, o projeto Antifacção foi modificado na Câmara pelas mãos do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que se licenciou do cargo de secretário de segurança pública do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo somente para relatar o texto. Para contestar as mudanças, Haddad foi um dos ministros escolhidos pelo Planalto para fazer o enfrentamento público contra a versão de Derrite, apontando que as mudanças poderiam fragilizar o trabalho da Receita e da Polícia Federal.
— Estão abrindo o caminho para consolidação do crime organizado no país, com enfraquecimento da Receita Federal e da Polícia Federal. É um contrassenso. Agora que começamos a combater andar de cima do crime organizado você vai fazer uma lei protegendo o andar de cima do crime organizado? Qual o sentido disso? — disse Haddad durante as discussões na Câmara.
Mesmo depois de diferentes pareceres, o texto final aprovado pelos deputados ainda desagrada o governo, que vai tentar retomar ao menos partes do projeto original no Senado, de novo com a ajuda do ministro da Fazenda. Haddad disse que se reuniu nesta quarta-feira com o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do projeto na Casa.
— Estive ontem com o senador Alessandro Vieira, que é uma pessoa equilibradíssima, e entendeu os pontos necessários para que possamos harmonizar as duas Casas em torno de um projeto que represente a vontade de todo país, como foi feito nas duas reformas tributárias.

