Entenda porque Londres se tornou um centro global de roubo de celulares

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Cerca de 80 mil aparelhos foram roubados em Londres no ano passado, e a polícia finalmente está descobrindo para onde muitos deles foram — Foto: Andrew Testa/The New York Times


Sirenes soaram quando vans da polícia entraram em uma rua no norte de Londres, e pessoas chocados pararam para assistir enquanto os policiais invadiam três lojas de telefones usados.

“O senhor tem um cofre em suas instalações?”, perguntou um policial a um lojista, que estava sentado ao lado de seu computador e de uma xícara de chá pela metade.

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O homem observou enquanto eles vasculhavam celulares, dinheiro e documentos de dois cofres. A operação, que o The New York Times foi convidado a observar, foi uma das dezenas realizadas na capital no mês passado, parte de um esforço tardio e de grande visibilidade da Polícia Metropolitana de Londres para combater o problema de roubo de celulares que tem assolado a cidade nos últimos anos.

A escala do crime ultrapassou os furtos comuns em Londres, antes mesmo de Oliver Twist, de Charles Dickens, torná-lo famoso. Ladrões cada vez mais ousados, muitas vezes mascarados e em bicicletas elétricas, tornaram-se especialistas em roubar celulares de moradores e turistas. Um recorde de 80 mil celulares foram roubados na cidade no ano passado, segundo a polícia, dando a Londres uma reputação indesejável como capital europeia do crime.

As operações do mês passado tiveram como objetivo identificar um grupo de intermediários que, segundo a polícia, utilizam lojas de telefones usados ​​como parte de uma rede criminosa global multifacetada. Ao final da operação de duas semanas, os detetives encontraram cerca de 2.000 telefones roubados e 200 mil libras (cerca de R$ 1,46 milhão) em dinheiro.

Caixas de telefones roubados com destino a Hong Kong foram encontradas em um depósito perto do Aeroporto de Heathrow — Foto: Polícia Metropolitana de Londres

Depois de anos em que o roubo de telefones era uma baixa prioridade para uma força policial sobrecarregada, as novas operações estão revelando a curiosa mistura de fatores por trás da epidemia, incluindo cortes drásticos nos orçamentos da polícia britânica na década de 2010 e um lucrativo mercado negro de celulares europeus na China.

Uma milha de papel alumínio

Durante anos, a polícia de Londres presumiu que a maioria dos roubos de celulares eram obra de pequenos ladrões em busca de dinheiro rápido. Mas, em dezembro passado, eles receberam uma pista intrigante de uma mulher que havia usado o “Encontre meu iPhone” para rastrear seu dispositivo até um depósito perto do Aeroporto de Heathrow. Ao chegarem lá na véspera de Natal, os policiais encontraram caixas com destino a Hong Kong. Elas estavam rotuladas como baterias, mas continham quase mil iPhones roubados.

“Rapidamente ficou claro que não se tratava apenas de um crime de rua comum e de baixa gravidade”, disse Mark Gavin, detetive sênior que lidera a investigação para a Polícia Metropolitana. “Era algo em escala industrial.”

O avanço coincidiu com um esforço mais amplo da polícia para aumentar a confiança do público, combatendo os crimes mais comuns na cidade. O roubo de celulares tem sido alvo de grande indignação entre as vítimas, que durante anos relataram o roubo de seus celulares e forneceram à polícia as localizações transmitidas, apenas para receber um número de referência do crime e não receber mais nenhuma informação.

A polícia agora está usando essas informações para mapear para onde os celulares roubados são transportados por ladrões de rua. Após a apreensão em Heathrow, uma equipe de investigadores especializados, que normalmente lidam com armas de fogo e tráfico de drogas, foi designada para o caso. Eles identificaram novas remessas e, por meio de perícia, identificaram dois homens na faixa dos 30 anos, suspeitos de serem os líderes de um grupo que enviou até 40 mil celulares roubados para a China.

Quando os homens foram presos em 23 de setembro, o carro em que viajavam continha vários celulares, alguns embrulhados em papel-alumínio para impedir a transmissão de sinais de rastreamento. Em determinado momento, a polícia relatou em uma coletiva de imprensa que observou os homens comprando quase 2,4 quilômetros de papel-alumínio no Costco.

Alguns celulares são redefinidos e vendidos para novos usuários na Grã-Bretanha. Mas muitos são enviados para a China e a Argélia como parte de um “modelo de negócios criminoso local para global”, disse a polícia, acrescentando que, na China, os celulares mais novos podem ser vendidos por até US$ 5.000 (cerca de R$ 36,4 mil), gerando enormes lucros para os criminosos envolvidos.

Joss Wright, professor associado da Universidade de Oxford, especialista em segurança cibernética, disse que é mais fácil usar telefones britânicos roubados na China do que em outros lugares porque muitas das operadoras do país não assinam uma lista negra internacional que proíbe dispositivos que foram relatados como roubados.

“Isso significa que um iPhone roubado que foi bloqueado no Reino Unido pode ser usado sem problemas na China”, disse Wright.

Os exportadores estão no topo de uma rede criminosa de três níveis, segundo a polícia. No meio estão os lojistas e empresários que compram celulares roubados de ladrões e os vendem para pessoas desavisadas ou os repassam para transporte para o exterior. No nível mais baixo estão os ladrões. Seu número tem aumentado em linha com os lucros substanciosos oferecidos e uma crescente sensação de impunidade.

A criminalidade em Londres diminuiu nos últimos anos, mas o roubo de celulares é desproporcionalmente alto, representando cerca de 70% dos roubos no ano passado. E aumentou acentuadamente: os 80 mil roubos de celulares no ano passado representaram um aumento expressivo em relação aos 64 mil em 2023, informou a polícia a uma comissão parlamentar em junho.

Ladrões podem ganhar até US$ 400 por dispositivo, mais que o triplo do salário mínimo nacional diário — Foto: Andrew Testa/The New York Times
Ladrões podem ganhar até US$ 400 por dispositivo, mais que o triplo do salário mínimo nacional diário — Foto: Andrew Testa/The New York Times

Isso se deve, em parte, ao fato de esse crime ser “muito lucrativo” e “de menor risco” do que o roubo de carros ou o tráfico de drogas, disse o comandante Andrew Featherstone, policial que lidera o esforço para combater o roubo de celulares, em uma coletiva de imprensa. Ladrões podem ganhar até 300 libras (cerca de R$ 2,18 mil) por aparelho — mais que o triplo do salário mínimo nacional por um dia de trabalho.

E eles sabem que é improvável que sejam pegos. Dados da polícia mostram que cerca de 106 mil celulares foram roubados em Londres entre março de 2024 e fevereiro de 2025. Apenas 495 pessoas foram indiciadas ou receberam advertência policial, o que significa que admitiram o crime.

É claro que muitas outras grandes cidades, incluindo Nova York, enfrentam o roubo de celulares. A polícia de Londres argumenta que as diferentes práticas de registro de crimes tornam impossível identificar onde no mundo o problema é mais grave.

Mas muitos especialistas culpam uma questão especificamente britânica: o impacto de anos de austeridade impostos por governos conservadores na década de 2010, que levaram a cortes no número de policiais e em seus orçamentos. Em 2017, a Polícia Metropolitana anunciou que deixaria de investigar crimes de menor gravidade quando considerasse haver pouca perspectiva de capturar os culpados, para poder priorizar o combate à violência grave e crimes sexuais.

Emmeline Taylor, professora de criminologia na City St. George’s, na Universidade de Londres, disse em uma entrevista que a polícia “se tornou uma força mais reativa”, acrescentando: “Criminosos de baixo escalão perceberam que estavam escapando impunes dos crimes que estavam cometendo”.

Então, surgiu um avanço tecnológico que facilitou ainda mais o trabalho deles: as bicicletas elétricas. As bicicletas Lime, que podem ser alugadas e devolvidas em qualquer lugar, foram lançadas em Londres em 2018. Sua popularidade explodiu. Em pouco tempo, as bicicletas elétricas se tornaram os veículos de fuga preferidos dos ladrões de celular.

Sargento Matt Chantry disse que ladrões em bicicletas elétricas eram 'verdadeiro problema' porque há um grande risco em perseguir infratores no trânsito — Foto: Andrew Testa/The New York Times
Sargento Matt Chantry disse que ladrões em bicicletas elétricas eram ‘verdadeiro problema’ porque há um grande risco em perseguir infratores no trânsito — Foto: Andrew Testa/The New York Times

O sargento Matt Chantry, um dos líderes da operação do mês passado, disse em uma entrevista que ladrões em bicicletas elétricas eram “um problema real”. Eles invadem as calçadas e roubam celulares das mãos das pessoas em alta velocidade, disse ele, enquanto se tornam “não identificáveis” usando balaclavas e capuzes. “Como vocês controlam isso?”, perguntou.

Tentar persegui-los nas ruas às vezes congestionadas de Londres é “de alto risco”, disse ele, colocando em risco pedestres, outros motoristas e o próprio infrator. No fim das contas, disse ele, a polícia teve que se perguntar: vale a pena correr o risco de uma fatalidade por um celular?

Achados e Perdidos: 4 mil iPhones

A operação nas três lojas de artigos usados ​​no norte de Londres no mês passado deu resultado, com a polícia recuperando 40 mil libras e cinco celulares roubados. Esses aparelhos se juntarão a cerca de 4 mil outros iPhones roubados recuperados pela polícia desde dezembro, atualmente retidos em um depósito em Putney, sudoeste de Londres, enquanto os policiais tentam contatar seus donos.

A longo prazo, disse o comandante Featherstone, a polícia quer desmantelar as redes criminosas que impulsionam o comércio ilícito e “desincentivar os criminosos de quererem roubar telefones”, deixando claro que eles podem ser pegos.

Mas a polícia também espera que os usuários se tornem mais conscientes sobre sua segurança pessoal. Mesmo com os smartphones se tornando mais avançados e valiosos, o manuseio deles por muitas pessoas tornou-se menos protetor. Para o ladrão de celulares moderno, um alvo clássico é um pedestre caminhando perto da calçada, profundamente absorto no conteúdo da tela do celular — um mapa, uma mensagem de texto, um vídeo.

“Você não contaria seu dinheiro na rua”, disse Lawrence Sherman, professor emérito de criminologia da Universidade de Cambridge. “Mas quando o telefone vale mil libras, é como tirar mil libras da carteira e olhar para ele enquanto anda.”



Com informações da fonte
https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/10/15/entenda-porque-londres-se-tornou-um-centro-global-de-roubo-de-celulares.ghtml

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