O Banco Central (BC) publicou ontem uma série de regras que apertam exigências em contas que, segundo investigações policiais, têm sido usadas por facções do crime organizado, como o PCC. As mudanças representam mais um conjunto de ações para fechar brechas do sistema financeiro que estão sendo usadas por criminosos, como no caso dos desvios via Pix e do uso de fintechs e outras instituições financeiras pelo crime organizado.
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Segundo o BC, o objetivo principal é proteger a integridade do sistema e garantir a rastreabilidade das operações. Haverá impacto direto em bancos, fintechs e instituições de pagamento (IPs).
Como parte das mudanças, a partir de 1º de dezembro, instituições financeiras serão obrigadas a encerrar contas usadas de forma irregular, incluindo o caso das chamadas “contas-bolsão”. Elas são normalmente abertas por uma fintech pequena em instituições financeiras maiores e reúnem recursos de variados clientes, sem distinção.
Esse tipo de conta é irregular quando usada para oferecer serviços sem autorização legal e com o objetivo de ocultar valores e os reais beneficiários das transações. Desse modo, os clientes finais ficam camuflados do monitoramento de autoridades, protegendo-se do rastreamento de movimentações, quebras de sigilo e bloqueios judiciais.
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No início de agosto, reportagem do GLOBO mostrou que esse instrumento vinha sendo utilizado por facções criminosas para movimentar valores e ocultar a origem ilícita dos recursos. No mesmo mês, foi deflagrada a Operação Carbono Oculto, que desarticulou um esquema bilionário no setor de combustíveis, que usava fundos de investimento e fintechs para lavar dinheiro, mascarar transações e ocultar patrimônio.
— É uma norma de enfrentamento aos comportamentos ilícitos, quiçá criminosos, perpetrados no Sistema Financeiro Nacional — disse o diretor de Fiscalização do BC, Ailton Aquino, ressaltando que há usos legítimos de conta-bolsão, como para serviços de intermediários de operações cambiais e marketplaces.
Com as novas regras, bancos e fintechs devem encerrar contas de forma compulsória quando detectarem atividades irregulares. O diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Fabro Steibel, reforça que as contas-bolsão por si só não são um problema, mas sim seu uso indevido:
— Estão acabando com a conta-bolsão que está sendo mal utilizada, para, por exemplo, maquiar a origem e o destino dos recursos.
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O BC e o Conselho Monetário Nacional (CMN) também alteraram a metodologia para definir o capital mínimo exigido das instituições financeiras e de pagamento. O objetivo é garantir que bancos e fintechs tenham recursos suficientes para absorver riscos e operar de forma segura.
Antes das mudanças, cada tipo de instituição tinha um valor base de capital mínimo. Agora, a definição será feita principalmente pelas atividades exercidas e haverá parcela para cobrir o custo inicial da operação e os custos associados aos serviços intensivos em tecnologia (como o Pix).
A nova regulação requer ainda parcela adicional de capital às instituições que utilizem em sua nomenclatura a expressão “banco” ou qualquer termo que o sugira, em português ou em outro idioma.
500 instituições afetadas
Com isso, o capital mínimo dos bancos, por exemplo, passa do intervalo de R$ 7 milhões a R$ 77 milhões para R$ 56 milhões a R$ 96 milhões. Para IPs, o mínimo sobe de R$ 1 milhão para R$ 9,2 milhões. As regras de capital entram em vigor imediatamente, mas as instituições já em operação terão prazo para se adequar.
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Aquino, de Fiscalização, afirmou que cerca de 500 regulados serão impactados com a necessidade de reforçar as estruturas de capital, de um total de 1.800. Representaria 0,4% do patrimônio líquido total do sistema financeiro. Para esse grupo de impacto, o capital sairia de cerca de R$ 5,2 bilhões para em torno de R$ 9,1 bilhões.
De acordo com o diretor do BC Gilneu Vivan, as estimativas apontam que 9% do aporte adicional teria de ser feito no primeiro semestre de 2026. No fim do ano que vem, seriam 30% do incremento de capital total, percentual que continuará subindo até o fim da transição (em 2027).
Os diretores do BC apontaram que é provável que ocorra uma reorganização no quadro atual de instituições. Vivan afirmou que pode ocorrer tanto uma mudança no capital para se adequar às novas regras quanto uma alteração no número de atividades que a instituição exerce.
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Já Aquino disse acreditar que o resultado será uma saída organizada (quando a entidade pede para deixar de ser instituição financeira, sem precisar de liquidação), a reorganização societária ou incorporação.
Para o advogado Aylton Gonçalves, especialista em regulação financeira, deve haver concentração no sistema. Após uma década de forte aumento da concorrência no setor, com o crescimento das fintechs, ele observa possível recuo nesse movimento:
— Possivelmente, em um momento subsequente, veremos novamente a competitividade como parte da agenda institucional do BC, para lidar com as consequências dos movimentos regulatórios atuais.
A Zetta, que representa empresas de tecnologia que ofertam serviços financeiros, elogiou as medidas: “Reafirmamos apoio a iniciativas que reforcem a higidez do sistema financeiro e de pagamentos sem comprometer a inovação ou criar barreiras à ampla concorrência”. A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) manifestou “plena concordância” com as mudanças.
Já a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que as ações referentes ao combate de uso de contas de forma ilícita representam “resposta mais firme e estratégica” para proteger o sistema e clientes. Sobre as regras de capital, disse que ser “extremamente relevante, adequada e oportuna a nova metodologia”.
Entre as medidas já anunciadas pelo BC, o regulador determinou que todas as instituições que ainda não têm autorização para operar precisam fazer o pedido à autarquia até maio de 2026 e fez cobranças a provedoras de tecnologia que fazem a intermediação das operações financeiras.
