Especialista do Hospital Sírio-Libanês explica por que o problema cresce nas novas gerações e como identificar quando a dor exige atenção médica
Nos últimos anos, a dor nas costas passou a fazer parte do cotidiano de uma parcela cada vez mais jovem da população brasileira. Dados do SUS revelam um aumento expressivo nos atendimentos não apenas entre adultos, mas também entre adolescentes e até crianças no fim da infância. O fenômeno preocupa especialistas, que enxergam no estilo de vida moderno — marcado por longos períodos sentados, excesso de telas, sedentarismo e sobrecarga física inadequada — uma combinação explosiva para o surgimento de lesões.
Para entender por que o problema se disseminou tão rapidamente e como identificar os sinais de alerta, conversei com o ortopedista e cirurgião de coluna André Evaristo Marcondes, do Hospital Sírio-Libanês. Mestre em Saúde Pública Global pela University of Limerick, ele explica por que dois extremos do comportamento atual — o sedentarismo e o treino intenso sem orientação — têm produzido uma geração mais vulnerável à dor lombar e cervical.
O que explica o aumento tão acentuado dos atendimentos por dor nas costas entre jovens?
O crescimento se deve principalmente a dois grupos distintos. De um lado, jovens mais sedentários, com sobrepeso e obesidade, que passam longos períodos sentados e em posturas inadequadas, o que fragiliza a musculatura. De outro, jovens que treinam intensamente — musculação, esportes, crossfit — mas sem a orientação necessária. Embora a prática esportiva seja positiva, o excesso ou a execução incorreta pode gerar lesões musculares e do disco intervertebral. Esses dois extremos, embora opostos, têm levado ao aumento expressivo das queixas.
Entre os pacientes de até 19 anos, quais são os principais fatores de risco ligados ao estilo de vida moderno?
O sedentarismo é hoje um dos principais vilões. Somam-se a ele o hábito de permanecer sentado por longos períodos, muitas vezes em hiperflexão da lombar, e o uso prolongado do celular com o pescoço inclinado. Além disso, noites maldormidas, fraqueza muscular e obesidade ampliam de forma significativa o risco de dor nas costas nessa faixa etária.
Quais são os primeiros sinais de alerta que indicam que a dor não é apenas um desconforto passageiro?
Alguns sinais merecem atenção imediata. Dor persistente por mais de quatro a seis semanas, dor intensa que limita as atividades, irradiação para as pernas acompanhada de formigamento ou fraqueza, alterações urinárias ou intestinais, dor noturna que acorda o paciente, perda de peso inexplicada e febre associada à dor. A presença de irradiação, perda de força e alterações urinárias ou intestinais, especialmente quando surgem de forma aguda, exige avaliação rápida. “Hoje temos jovens sedentários e, ao mesmo tempo, jovens que treinam demais. Os dois extremos adoecem a coluna.”
O tempo excessivo sentado e o uso intensivo de telas têm impacto direto na coluna?
Sim. A inclinação do pescoço ao olhar para o celular aumenta de forma relevante a carga sobre os discos cervicais. Já permanecer muito tempo sentado, sobretudo em postura de hiperflexão lombar, pode elevar a pressão sobre o disco lombar para mais de duas vezes o peso corporal. A falta de atividade física agrava o quadro, pois enfraquece a musculatura responsável por estabilizar a coluna.
Quais recomendações funcionam melhor para jovens adultos e adolescentes?
A prevenção envolve atividade física regular que inclua exercícios aeróbicos e fortalecimento muscular. Uma musculatura estabilizadora forte distribui melhor a carga e reduz o risco de lesões. Ajustes simples ajudam muito: manter o celular na altura dos olhos, sentar com a coluna ereta, usar cadeiras com apoio lombar e evitar longos períodos sentado ou deitado com o tronco fletido, quando o corpo fica dobrado para frente.
Quais erros mais comuns você observa entre os jovens no manejo da dor?
O principal erro é não procurar atendimento médico, acreditando que a dor é normal. Identificar a causa e tratar corretamente são passos essenciais para evitar agravamentos. Outro erro recorrente é negligenciar o fortalecimento muscular. Alguns permanecem sedentários, enquanto outros se dedicam apenas a exercícios aeróbicos, que são importantes, mas insuficientes para proteger a coluna quando feitos isoladamente.
A dor nas costas em jovens pode indicar doenças mais graves?
Embora pouco comum, pode, sim, estar associada a quadros mais sérios. Além de causas musculares e discais, é necessário considerar doenças inflamatórias como espondilite anquilosante, infecções da coluna, hérnias discais graves com perda de força ou alterações urinárias e intestinais, alterações estruturais como espondilolistese e escolioses importantes, além de tumores. Sinais neurológicos ou dores persistentes e incapacitantes são indicativos de investigação imediata.
Como a saúde da coluna deveria ser abordada em escolas, empresas e na sociedade?
O tema deveria ser tratado como prioridade, já que as doenças da coluna estão entre as principais causas de afastamento do trabalho. Há informação disponível, mas ela não chega ao público de forma clara. Campanhas educativas em escolas, universidades, empresas e redes sociais podem aproximar especialistas e orientar sobre prevenção, postura, fortalecimento e prática esportiva com acompanhamento adequado. Em caso de dor persistente, a recomendação é sempre buscar um especialista em coluna.
Alexandre Hercules é editor-chefe da Brazil Health (www.brazilhealth.com)

