Crime sem culpados

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Segundo dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo


Nenhum advogado disse que não houve uma tentativa de ruptura da ordem democrática, cada um apenas tentou distanciar o seu cliente da cena do crime. Crime houve, mas cada réu é inocente. O advogado do general Augusto Heleno alegou que ele estava afastado de Jair Bolsonaro. O defensor do general Paulo Sérgio disse que seu cliente tentou demover o presidente de “adotar qualquer medida de exceção”. O do general Braga Netto foi o mais contundente no ataque à colaboração premiada. Os defensores de Jair Bolsonaro sustentaram que ele apenas cogitou medidas excepcionais.

Nos dois dias, os eventos recentes foram expostos ao país. O procurador-geral Paulo Gonet fez o resumo da acusação e entregou de volta a Bolsonaro suas próprias palavras. O ex-presidente fez tantas ameaças públicas às instituições, tantas vezes disse que as Forças Armadas estavam preparadas para agir, que o compilado dessa escalada verbal é sempre impressionante. Como um participante de reality show, Bolsonaro foi revelando tudo o que pretendia fazer. E fez. Coube ao advogado tentar descarnar as ações do seu cliente da gravidade que elas têm. Celso Villardi admitiu que houve “atos preparatórios”, mas sustentou que neles não houve “violência, nem grave ameaça”.

A situação de Bolsonaro piorou no segundo dia do julgamento, porque a defesa do general Paulo Sérgio Nogueira disse que seu cliente, na verdade, se esforçou para “demover” o presidente. Na quinta vez em que ele falou isso, a ministra Cármen Lúcia pediu esclarecimentos. “Demover do quê?”.

— Falo claramente para vossa excelência: demover de adotar qualquer medida de exceção. Atuou muito — disse o advogado Andrew Fernandes Farias, garantindo que Nogueira acompanhou o esforço feito pelo general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior nesse mesmo sentido, que Bolsonaro desistisse do intento.

O advogado Matheus Milanez sustentou que o general Heleno foi sendo escanteado, quanto mais Bolsonaro se aproximava do centrão.

— Com seus novos amigos, Heleno foi deixado de lado por Bolsonaro — disse o advogado, lendo uma reportagem da revista Veja.

Se o general Paulo Sérgio tentou demover Bolsonaro de dar um golpe, e general Heleno tem como defesa ter se afastado do ex-presidente, fica evidente que acabam por incriminá-lo.

José Luis Oliveira Lima, defensor do general Braga Netto, concentrou-se em atacar a delação de Mauro Cid, criticando o colaborador. Adotou essa estratégia porque a pior acusação que pesa sobre ele foi feita por Cid. A de que teria entregado dinheiro para as ações dos kids pretos, que, entre outras coisas, tinham planos de morte.

O professor de Direito Gustavo Sampaio, da Universidade Federal Fluminense, avalia que esse reconhecimento tácito das defesas de que houve sim uma tentativa de golpe ocorreu por falta de alternativa.

— Como a tentativa de golpe é inegável, os advogados tiveram um rol menor de soluções. A tentativa de golpe é um dado da realidade, está no mundo dos fatos, no mundo da realidade.

Um dos caminhos dos advogados foi o de pedir a nulidade da delação de Mauro Cid. Outro foi o de alegar cerceamento de defesa, porque haveria informação demais e pouco tempo para analisar. Matheus Milanez falou em 20 terabytes de dados. Esse número cresceu. O último a falar, José Luis Oliveira Lima, disse que eram quase 80 terabytes.

No Supremo, o que eu ouvi é que nenhum dos dois argumentos se sustenta. Nem será declarada a nulidade da delação, nem houve cerceamento de defesa, porque os advogados tiveram vista de tudo, no tempo que foi fixado em lei.

Houve alguns esquecimentos dos defensores. O advogado de Anderson Torres, Eumar Novacki, disse que a minuta do golpe encontrada era sem importância. Esqueceu de explicar por que ela foi tão bem guardada na casa do ex-ministro da Justiça. O de Alexandre Ramagem, Paulo Renato Cintra, esqueceu de analisar a gravidade das mensagens do ex-chefe da Abin ao então presidente. Em uma delas, ele sugere a Bolsonaro ter “ uma atitude belicosa” contra as “armadilhas” do STF. Segundo o advogado, ele escrevia diariamente mensagens ao chefe, mas nunca as enviava. O advogado de Almir Garnier, Demóstenes Torres, esqueceu o próprio cliente numa estranha sustentação oral.

Todos eles juntos fizeram um esforço para que o país esquecesse o que viu: uma conspiração contra a democracia brasileira.

(Com Ana Carolina Diniz e Luciana Casemiro)



Conteúdo Original

2025-09-04 04:30:00

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