Cria de Baixada lança documentário sobre 'adultização' de crianças e adolescentes antes de tema viralizar com Felca

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Antes mesmo de o vídeo do youtuber Felca viralizar e levar o tema da “adultização” de crianças e adolescentes para milhões de pessoas, a jornalista e criadora de conteúdo Nathalia Braga, de 28 anos, já se debruçava sobre o assunto. Cria de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, ela iniciou em 2019 o documentário Infância em Caixa, como trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A produção aborda o lucro em cima trabalho infantil por trás da influência digital mirim.
“Adultização” é o processo de expor crianças e adolescentes a comportamentos, responsabilidades, linguagens e pressões próprias do universo adulto antes que estejam prontos para isso — o que acelera etapas do desenvolvimento e retira direitos da infância, como o direito à ingenuidade e ao brincar.
A ideia surgiu quando Nathalia percebeu que o debate público sobre a influência digital mirim costumava se concentrar apenas na fama e no dinheiro, ignorando riscos como a exploração comercial e a pressão para que crianças assumam comportamentos adultos. Ao longo da pesquisa, ela passou a ampliar o conceito de “adultização” para além da hipersexualização, incluindo perda de ingenuidade, responsabilidades precoces e reprodução de falas e gestos adultos ensinados por responsáveis.
A jornalista conta que escolheu narrar o tema com o olhar brasileiro e periférico, refletindo sobre os impactos da exposição de menores de idade na internet e o papel das plataformas e famílias.
— Narrar a história, a partir do nosso ponto de vista e, ao mesmo tempo, de um jeito que a gente pudesse aplicar na nossa realidade e, no nosso olhar, principalmente, como tratar desse assunto da publicidade infantil — explica.
O projeto, feito em grande parte de forma independente, enfrentou pausas por falta de recursos e contou com campanha de financiamento coletivo, que não alcançou a meta.
— Foi cansativo e enlouquecedor, mas nunca tive dúvida da relevância. Valeu a pena ver no ar um conteúdo ainda tão urgente — afirma.
Surpresa com a viralização do tema
Nathalia Braga durante pesquisa e desenvolvimento do documentário Infância em Caixa.
Arquivo pessoal
Quando o vídeo de Felca ganhou as redes, Nathalia acompanhou com surpresa a reação do público.
— É praticamente um milagre. Milhões de pessoas assistiram 50 minutos de um conteúdo sobre um tema desconfortável e levaram o debate adiante, adotando uma postura de denúncia. Isso é fundamental para que mais gente aprenda a identificar e combater formas até sutis de adultização — diz.
No vídeo do Felca, vários exemplos mostram meninas sexualizadas, reforçando o quanto esse problema é visível e recorrente nas redes. No documentário, Nathalia amplia o debate e inclui casos que passam despercebidos pelo público: um dos pontos que mais chama a atenção é a sexualização de meninos, especialmente no universo do funk. Jovens MCs são incentivados a adotar letras, gestos e posturas adultas, com discurso sexualizado e postura de “homem feito” para atrair público e engajamento.
— A gente não pode deixar esse conteúdo continuar acontecendo só porque acaba levando esses meninos periféricos a uma situação econômica melhor. Não se substitui a fome pela “adultização”. Ambas são inadmissíveis para uma criança — opina a jornalista.
Para Nathalia, combater a “adultização” exige ação conjunta de famílias, escolas, plataformas, governo e público.
— Seja denunciando conteúdos, seja cobrando políticas, pequenas ações podem se somar para garantir a proteção de crianças e adolescentes na internet — defende.
Maior parte da produção feita sozinha
A construção de Infância em Caixa foi marcada por persistência e improviso. Iniciado como trabalho de conclusão de curso, o projeto passou por quase cinco anos de idas e vindas, com pausas forçadas pela falta de recursos. Sem uma equipe fixa, Nathalia acumulou funções de pesquisa, produção, filmagem e edição.
— Cinema é um trabalho coletivo, porque é realmente muito complexo. No meu caso, quem operou a câmera fui eu, e daí em diante — explica.
A pandemia impôs adaptações, e muitas entrevistas previstas presencialmente precisaram ser canceladas. Mesmo com as dificuldade, ela conseguiu registrar falas de especialistas e parentes de influenciadores mirins que aceitaram expor uma realidade sensível. O trailer foi a única parte produzida com estrutura profissional completa, reunindo figurinista, maquiadora, produtora e videomaker. Sempre que possível, Nathalia priorizou a contratação de profissionais negros, periféricos e LGBTQIA+.
Apesar do cansaço e dos desafios financeiros, ela manteve o compromisso com o tema. Uma campanha de financiamento coletivo garantiu apenas 10% da meta, mas o valor foi suficiente para custear a revisão jurídica do material.
Página do canal da Nathalia Braga no YouTube
Reprodução
Hoje, com o documentário disponível gratuitamente no YouTube, Nathalia acredita que a obra cumpre o papel de provocar reflexões e incentivar mudanças.
— É preciso criar caminhos mais seguros para que crianças possam se expressar sem abrir mão da proteção garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente — reforça.



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