Na Operação São Francisco, realizada neste mês, a Polícia Civil do Rio libertou cerca de 800 animais e deteve 47 suspeitos. Foi, de acordo com a polícia, a maior ação já feita no Brasil contra o comércio ilegal de bichos como jabutis, aves ou micos. A ação executou mandados de prisão e busca em várias regiões do estado, desbaratando uma rede estruturada, ativa havia décadas. “A organização criminosa não trabalhava só com tráfico de animais”, disse o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi. “Atuava também no tráfico de armas e munições, com aliados do Comando Vermelho (CV).”Áudios mostram que os investigados negociavam primatas por meio de aplicativos e citavam o ex-deputado TH Joias, preso por sua associação com o CV.
- Editorial: É preciso mais energia na repressão ao tráfico de animais silvestres
O vínculo entre a venda ilegal de animais e o crime organizado reflete a realidade global. De acordo com o Relatório Mundial sobre Crimes contra a Vida Selvagem da ONU (2024), o tráfico afeta milhares de espécies em 162 países. No Brasil, 22.287 animais silvestres apreendidos em 2024 foram encaminhados a Centros de Triagem de Animais Silvestres. Há também indícios de profissionalização e elos com quadrilhas internacionais. No início do ano passado, o Ibama repatriou do Togo micos-leões-dourados e araras-azuis-de-lear. O crime também migrou com força para a internet. Monitoramento da Global Initiative against Transnational Organized Crime registrou centenas de anúncios de espécies protegidas, com uso de redes sociais para burlar a fiscalização. Não se trata de mercado amador, mas de cadeia criminosa que usa documentos falsificados, receptadores, logística interestadual, armas e veículos blindados— exatamente como o tráfico de drogas.
- Editorial: Diversificação de atividades do crime organizado é alarmante
Operações como a São Francisco são essenciais para desbaratar esquemas estabelecidos, mas o enfrentamento eficaz ao tráfico de animais depende de medidas idênticas às necessárias no combate ao crime organizado. Duas frentes são decisivas. A primeira é a integração de bases de dados entre polícias, Ministério Público, Ibama/ICMBio e Judiciário, com cadastro unificado e acesso em tempo real a flagrantes, receptadores e reincidências. Tais medidas derivam da PEC da Segurança Pública enviada pelo Executivo ao Congresso. A segunda frente é o rastreamento financeiro. É preciso acionar os braços do Estado para investigar a contabilidade das quadrilhas, bloquear bens dos criminosos e asfixiar suas finanças. Esse deve ser um dos objetivos da Lei Antimáfia que o governo pretende enviar ao Legislativo.
Há medidas específicas necessárias para lidar com o tráfico de animais silvestres — como equipes dedicadas a monitorar o ambiente on-line e campanhas permanentes para reduzir o apelo dos “pets exóticos”. Mas nada substitui uma estratégia nacional para enfraquecer as facções criminosas. O Congresso deve dar prioridade à PEC da Segurança e à Lei Antimáfia. Sem isso, o mercado cruel que transforma bichos em mercadoria continuará a se recompor mais rápido do que as autoridades conseguem desmantelá-lo.