O incidente aconteceu na segunda-feira, na vila de Umm al-Kheir, na Cisjordânia. Segundo testemunhas, colonos israelenses, apoiados por militares, usaram escavadeiras ao invadir terras particulares de palestinos. Em imagens gravadas por um morador da região, um dos colonos, identificado como Yinon Levi, aparece com uma pistola na mão enquanto discute com alguns homens, incluindo Hathaleen — em seguida, Levi efetua um disparo.
Jornalista palestino que trabalhou em filme ganhador do Oscar é assassinado
A morte do jornalista foi confirmada pelas autoridades de Gaza e pelos diretores do filme, o palestino Basel Adra e o israelense Yuval Abraham.
“Meu querido amigo Awdah foi massacrado esta noite”, escreveu Adra nas redes sociais. “Ele estava em frente ao centro comunitário de sua aldeia quando um colono disparou uma bala que perfurou seu peito e tirou sua vida. É assim que Israel nos apaga — uma vida de cada vez.”
Abraham descreveu como “um ativista notável que nos ajudou a filmar No Other Land”, se referindo ao documentário ganhador do Oscar deste ano, e que relata a rotina de ataques e violência cometida por colonos e militares contra o vilarejo de Masafer Yatta. Ele ainda publicou outro vídeo do ataque, identificando Yinon Levi como o atirador
“Este é ele no vídeo atirando como um louco”, disse Abraham.
A polícia confirmou a prisão de Levi, além de quatro palestinos e duas pessoas de outras nacionalidades “ligadas ao incidente”. Contudo, Levi foi liberado horas depois, sem ser formalmente indiciado, mas com o alerta de que será investigado por homicídio culposo e uso de arma de fogo — a única restrição é para que permaneça em casa até sexta-feira, sob vigilância de seus familiares, e que não entre em contato com envolvidos no ataque. Uma imagem que circula em redes sociais o mostra sorrindo em uma delegacia.
Levi é um velho conhecido não apenas da Justiça israelense. No ano passado, ele foi incluído em listas de sanções de vários países, incluindo dos EUA e da União Europeia, por liderar grupos de colonos em ataques contra comunidades palestinas na Cisjordânia. Na ordem emitida pelo então presidente americano, Joe Biden, Levi é acusado de forçar civis palestinos e beduínos de suas propriedades, usando para isso violência física contra os moradores, além de incêndios de plantações e danos a estruturas. No começo do ano, por ordem do atual presidente, Donald Trump, ele foi retirado da lista de sanções americana, assim como outros três colonos também citados pelo Departamento de Estado.
Nesta terça-feira, o governo da França, que na semana passada anunciou que reconhecerá o Estado Palestino, chamou o ataque de “ato de terrorismo”, usando pela primeira vez a expressão para descrever uma ação de colonos na Cisjordânia.
“Os colonos causaram mais de 30 mortes desde o início de 2022. As autoridades israelenses devem assumir sua responsabilidade e punir imediatamente os perpetradores desses atos violentos, que continuam com total impunidade, e proteger os civis palestinos”, acrescentou o Ministério das Relações Exteriores, em comunicado.
Embora o foco das críticas a Israel seja a guerra em Gaza, onde a situação humanitária é catastrófica, e onde cerca de 60 mil pessoas morreram desde outubro de 2023, a guerra iniciada após os ataques do Hamas também cobra seu preço na Cisjordânia, onde o grupo terrorista não controla o governo. Segundo números das Nações Unidas e organizações locais, mais de mil pessoas foram mortas em operações militares e ataques de colonos em quase dois anos, com 3,2 mil estruturas destruídas e 6,7 mil pessoas expulsas de casa.
Em relatório divulgado na segunda-feira, no qual chamou a situação em Gaza de “genocídio”, a ONG israelense B’Tselem citou o “aumento sem precedentes nos ataques diários de colonos, muitas vezes armados e equipados com equipamento militar completo, contra palestinos na Cisjordânia”. Ações que, segundo a organização, ocorrem com o apoio do “governo israelense e das agências de segurança pública”.
Pelo lado institucional, o governo de Benjamin Netanyahu, apoiado pela extrema direita, faz gestos em direção à anexação completa da Cisjordânia: em uma votação na semana passada, o Parlamento aprovou, por ampla maioria, uma resolução simbólica defendendo a anexação, argumentando que “fortalecerá o estado de Israel, sua segurança e evitará qualquer questionamento do direito fundamental do povo judeu à paz e à segurança em sua terra natal”. Pela lei internacional, os assentamentos judaicos na Cisjordânia são ilegais.
Na semana passada, em artigo para a revista +972, publicada em parceria por jornalistas israelenses e palestinos, Hathaleen fez um relato trágico da história recente de sua vila, Umm al-Khair, afirmando que “a ocupação está nos condenando a um trauma multigeracional”.
“Durante uma demolição, há a dor e o horror imediatos de perder sua casa. Mas talvez o momento mais difícil seja a primeira noite sem ela. Nas horas seguintes à demolição, você estará cercado por seus amigos da comunidade e por aqueles que vieram de outros lugares para oferecer solidariedade. Mas, no final daquela noite, todos retornarão para suas casas — enquanto você e sua família serão deixados para dormir do lado de fora, entre os escombros de suas memórias”, escreveu o jornalista e ativista.