O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) determinou a suspensão do acordo que prevê o pagamento de uma compensação de pelo menos R$ 900 milhões para a empresa Águas do Rio por erros no edital de licitação — pelos quais nenhuma autoridade assumiu a responsabilidade até agora. Ficou acertado com o governo do estado, no último dia 3, que a quantia seria paga pela Cedae, por meio de descontos no valor da água vendida para a concessionária. Agora, essa conta poderá acabar na fatura dos consumidores.
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Assinada pelo conselheiro José Gomes Graciosa, a decisão impede que o estado e a Cedae apliquem qualquer desconto até que o caso seja julgado pelo plenário do TCE. A medida foi tomada a pedido dos deputados estaduais Luiz Paulo (PSD) e Jari Oliveira (PSB). O conselheiro destaca que, embora a Águas do Rio alegue ter encontrado uma cobertura de tratamento de esgoto inferior à prevista no edital de licitação, eventuais questionamentos sobre as condições contratuais deveriam ter sido feitos ainda durante o processo de concorrência.
Graciosa também fixou prazo de 15 dias para que o governador Cláudio Castro, o presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa) e os dirigentes da Águas do Rio prestem esclarecimentos detalhados sobre o acordo. Um ofício será enviado para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável por elaborar o edital de licitação, apresente a cópia integral do processo de concessão. O tribunal pedirá ainda ao Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) para apurar possível coação de diretores da Cedae e conflito de interesses, já que parte da equipe da Águas do Rio seria formada por ex-dirigentes da estatal.
Divergências sobre cobertura de esgoto em cidades da Baixada estão na origem do impasse entre Cedae e Águas do Rio
Márcia Foletto
A origem do desentendimento é de cinco anos atrás, quando foi lançado o edital de concessão da Cedae. A Águas do Rio argumenta que, das 27 cidades em que atua, 21 delas apresentaram discrepância entre os índices de cobertura de esgoto fornecidos no edital e o apurado pela empresa depois do leilão já ter sido realizado em maio de 2021. O contrato assinado prevê que o poder concedente deverá ser responsabilizado caso essa diferença seja maior que 18,5%, o que a concessionária alega ter observado. Para vencer o leilão de dois dos quatro blocos da Cedae, a empresa ofereceu uma outorga de R$ 15,4 bilhões ao estado e às prefeituras.
Fonte foi o Snis
A Águas do Rio diz, por exemplo, que, em Magé, esperava-se que a cidade tivesse 40% de cobertura de rede de esgoto, mas técnicos verificaram que o município sequer tinha coleta, situação semelhante à encontrada em Nilópolis. Também foram apontadas diferenças em Belford Roxo (de 39% para 8%) e em Duque de Caxias (de 43% para 10%).
O edital de concessão — no qual constavam esses percentuais de cobertura — foi feito pelo BNDES, que alega ter se baseado em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério das Cidades, “analisados em conjunto com dados fornecidos pela própria Cedae”. O Ministério das Cidades, por sua vez, explica que os dados no Snis “são de inteira responsabilidade do titular e ou prestador de serviços” de saneamento. Mas, para dar mais confiabilidade a essas informações, a partir deste ano “agências reguladoras passam a validar, em tempo real, os dados fornecidos pelos seus regulados”, informou a pasta.
Em um documento de 29 de setembro, a Cedae atribui essas diferenças à “natureza autodeclaratória” do Snis, no qual podem ter ocorrido “inconsistências ou lacunas” nas informações preenchidas pela estatal e pelas prefeituras.
Já a Águas do Rio alega que as visitas técnicas que realizou antes do leilão não permitiram “avaliar as redes enterradas, o que exigiria abrir centenas de milhares de bueiros em um trabalho minucioso, rua a rua, cidade a cidade, em uma área que abrange dez milhões de pessoas”. As divergências alegadas agora foram constatadas pela concessionária em diagnóstico feito após assumir o serviço. O contrato de concessão previa um prazo de 24 meses para o levantamento detalhado da cobertura de água e esgoto.
Fachada do TCE: órgão suspendeu acordo entre Cedae e Águas do Rio
Roberto Moreyra
As cidades citadas como exemplo pela Águas do Rio também não assumem o erro. A prefeitura de Belford Roxo afirma que as informações sobre a rede de esgoto foram fornecidas ao Snis “pela gestão anterior”. Caxias, por outro lado, diz que o “município não tinha e não tem controle sobre a rede de água e esgoto”, atribuindo a responsabilidade à Cedae. Nilópolis pondera que há rede de esgoto no município, mas que “a coleta e o tratamento não são realizados no local”. Magé não respondeu ao GLOBO.
O acordo assinado no último dia 3 não prevê o valor de R$ 900 milhões, mas um desconto de 24,3% no valor da água vendida pela Cedae para a concessionária até 2056. O governo do estado ressalta que essa compensação impedirá o aumento das contas cobradas dos consumidores — o que estava previsto para acontecer em dezembro. Em nota ao GLOBO, a Águas do Rio afirmou que, com a suspensão, “há risco concreto de aumento tarifário ainda este ano ou impacto direto nas obras de ampliação da cobertura de esgoto no estado, impedindo a despoluição da Baía de Guanabara”.
O estado diz que o acordo firmado tem “caráter liminar e poderá ser revisto”. Isso porque a Agenersa está fazendo vistorias na rede de esgoto, para “validar a metodologia da concessionária”. Esse processo não tem prazo para ser concluído. Procurada, a Cedae alega que, só ao fim da apuração, será possível saber se houve erro ou não no fornecimento de dados ao edital.
País todo usa esses dados
A advogada Ana Tereza Parente, professora e consultora em Direito do Saneamento, esclarece que o Snis congrega a maior parte dos municípios do Brasil e que, por serem dados de referência, mesmo que autodeclaratórios, são utilizados em modelagens econômico-financeiras por todo o país, como ocorreu no Rio. Historicamente, explica ela, os titulares da responsabilidade sobre o saneamento costumam ser os municípios, que forneceram dados à Cedae.
— Os dados podem ter uma variação e não corresponder 100% ao que existe na prática, com relação à cobertura. Por isso, tem uma cláusula no contrato que fala da margem de diferença: até aquela margem, não caberia reequilíbrio. Só que a variação no caso da Águas do Rio foi muito grande — explica Ana Tereza. — Todo mundo tem parcela de responsabilidade: a Cedae, por ser a operadora histórica, era quem declarava as informações ao Snis nos últimos anos, e os municípios, à medida que são titulares da prestação do serviço e que, por muito anos, foram os que fizeram o investimento em esgotamento sanitário, que não declaravam de forma muito correta.
Com informações da fonte
https://extra.globo.com/rio/noticia/2025/10/cedae-x-aguas-do-rio-a-falha-que-pode-custar-r-900-milhoes-ao-estado-do-rio-e-que-ninguem-assume-a-culpa.ghtml
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